quinta-feira, 7 de junho de 2012

O FIO E A TRAMA: TRABALHOS E NEGÓCIOS FEMININOS NA VILA DE SÃO PAULO (1554-1640). IGOR RENATO MACHADO DE LIMA


Na vila de São Paulo, a atuação das mulheres senhoriais foi marcada pelo trabalho nas casas, nos sítios, nas lavouras e nos comércios, entre os anos de 1554 até 1640. Comandando os índios e realizando comércio, as mulheres senhoriais paulistas auxiliavam os cônjuges e os familiares na acumulação de patrimônio e na montagem da economia escravista e de mercantilização incipiente.
A lida nas lavouras de produtos alimentícios caracterizava-se marcadamente pela gerência da escravaria. Mas caso houvesse pouca quantidade de mão-de-obra indígena as próprias mulheres senhoriais eram obrigadas a participar das atividades de plantio, da colheita e dos demais serviços que tinham por ventura de realizar.
As estruturas do cotidiano da vila de São Paulo foram marcadas pela saída freqüente da população masculina, pelo espaço de atuação feminina no universo do trabalho e dos negócios, pela presença constante das “nações indígenas” de diferentes etnias e pelas relações estamentais, senhoriais e escravistas.
No século XVI, no território de Piratininga, ocorreram constantes guerras de conquista das populações indígenas e a solidificação do domínio senhorial. Ainda neste período, o senhor e “pater familis” passava a constituir a autoridade moral sobre os filhos e as esposas.
Nas Câmaras, havia senhores que passavam a controlar a governança e comandavam o dia-a-dia dos moradores com o intuito de estabelecer a ordem na vila. Reprimindo os indígenas, estabelecendo os preços dos produtos, recrutando os grupos militares, controlavam as relações familiares e as expedições para o sertão.
No decorrer do século XVII, as famílias senhoriais já constituídas avançaram pela Capitania de São Vicente, explorando novas terras e formando uma sociedade hierárquica e estamental, de valores cristãos. Nesse período, a vila de São Paulo, nas franjas do Antigo Sistema Colonial, tornou-se um centro importante de povoamento colonizador na região de fronteira da América Portuguesa.
Na conjuntura econômica da vila de São Paulo dos anos de 1554 e 1640, as mulheres senhoriais paulistas auxiliavam na formação da economia pecuarista, no cuidado com a alimentação das criações de animais e com os cercamentos do gado vacum.
A utilização da mão-de-obra cativa e a constituição da incipiente mercantilização faziam com que as mulheres conseguissem acumular pecúlios e participar dos negócios. O comércio paulista realizava-se, assim, graças à rede de créditos e débitos que se estendiam até as regiões litorâneas de Santos, Rio de Janeiro e, consequentemente, da zona econômica do Atlântico Sul.
Porém, na sociedade paulista, os valores extra-econômicos também eram significativos, como os ideais nobiliárquicos de fidalguia e nobreza, além do desejo por objetos de luxo e por símbolos de prestigio social. Os artefatos luxuosos correspondiam a um consumo ainda muito incipiente. Além disso, a vida material da camada senhorial ainda era bem simples. Um vestido, um espelho, uma porcelana, ou qualquer outro artefato importado significava uma capacidade de gerar riqueza, a qual se convertia em artigo de luxo.
Ainda nesse contexto, as mulheres senhoriais paulistas formavam redes de solidariedade, doando esmolas e participando da vida religiosa. Fazia parte das atividades sociais femininas, tais como: os ensinamentos das rezas, o cuidado com a prole e a transmissão dos valores cristãos aos filhos.
Era também muito importante a capacidade de negociação com as autoridades do Juizado de Órfãos. Negociando com os juízes, as viúvas poderiam conseguir a curadoria dos filhos e a administração do patrimônio. Não foram poucas as mulheres que na viuvez adquiriam certo status e poder, conseguindo desvencilhar-se das autoridades locais e do domínio patriarcal. No entanto, para isso era necessário assumir papéis considerados importantes para o gênero masculino.
Apesar da “longa duração” da desigualdade entre os gêneros na colônia portuguesa, as senhoras de escravos adquiriam um espaço de participação na sociedade estamental e escravista, conseguindo ter domínios sobre as escravarias e alguns familiares que viviam sob o seu entorno.
Na indústria doméstica, toda a preparação da tecelagem ocorria sob a liderança das senhoras. Solteiras, casadas ou viúvas, mantinham atividades cotidianas de administração e comando dos gentios.
No processo da indústria caseira do algodão, as cunhãs tecedeiras, auxiliadas pelos curumins, eram responsáveis por inúmeras tarefas. Plantavam, colhiam, desencaroçavam o algodão e mantinham outros afazeres no interior doméstico, como cuidar da prole e do domicílio senhorial. Subalternas às senhoras, a população feminina indígena mantinha um status inferiorizado pelo predomínio dos valores estamentais, senhoriais, escravistas e patriarcais.
No comando das escravas tecedeiras indígenas, as mulheres senhoriais, esposas, filhas ou viúvas dos vassalos do Império ultramarino colonial, de certa forma, reiteravam as condições senhoriais, escravistas e a mercantilização incipiente, formando um poder intermediário entre os senhores e a população cativa predominantemente indígena, a qual raramente era comercializada. Neste sentido, as senhoras distinguiam-se na hierarquia social dos homens senhoriais, havendo assim uma forte desigualdade de poder entre os gêneros dos estamentos senhoriais.
 Enfim, a atuação feminina senhorial possuía um papel contraditório na vila de São Paulo durante a conjuntura de 1554 e 1640. Por um lado, estavam subjugadas ao poder masculino dos senhores patriarcais, sendo excluídas muitas vezes das decisões da governança da terra e dos comandos de saídas para o povoamento, realizadas pelos esposos, filhos, maridos e pais. De forma que esses homens senhoriais, habitualmente, voltavam-se para os problemas administrativos e para as atividades guerreiras de expedições do sertão e de mercancia à longa distância. Por outro, as mulheres senhoriais atuavam com autonomia nas atividades de trabalho, negociavam com a jurisprudência da terra, realizavam doações de esmolas aos necessitados e acumulavam patrimônio para si e para os familiares por meio dos negócios mercantis incipientes e do comando das escravarias. Com a saída da população masculina para as regiões do Guairá-Tape, essas senhoras estavam na situação de controlar o patrimônio familiar como as casas, os sítios e as lavouras. Por isso, passavam a negociar e entrar em atritos com as autoridades do poder local e a comercializar os frutos do trabalho escravo.
Em suma, entre o domínio dos senhores e a exploração das populações indígenas escravizadas, as mulheres senhoriais paulistas, proprietárias de escravarias de variados tamanhos, formavam um poder intermediário, pois diferentemente do gênero masculino, voltaram-se para os universos domésticos e familiares, cuidando dos filhos, gerando excedentes econômicos relevantes para os herdeiros e auxiliando suas famílias a adquirir escassos artefatos de luxo.

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