Na vila de São Paulo, a atuação das
mulheres senhoriais foi marcada pelo trabalho nas casas, nos sítios, nas lavouras
e nos comércios, entre os anos de 1554 até 1640. Comandando os índios e
realizando comércio, as mulheres senhoriais paulistas auxiliavam os cônjuges e
os familiares na acumulação de patrimônio e na montagem da economia escravista
e de mercantilização incipiente.
A lida nas lavouras de produtos
alimentícios caracterizava-se marcadamente pela gerência da escravaria. Mas
caso houvesse pouca quantidade de mão-de-obra indígena as próprias mulheres senhoriais
eram obrigadas a participar das atividades de plantio, da colheita e dos demais
serviços que tinham por ventura de realizar.
As estruturas do cotidiano da vila
de São Paulo foram marcadas pela saída freqüente da população masculina, pelo
espaço de atuação feminina no universo do trabalho e dos negócios, pela
presença constante das “nações indígenas” de diferentes etnias e pelas relações
estamentais, senhoriais e escravistas.
No século XVI, no território de
Piratininga, ocorreram constantes guerras de conquista das populações indígenas
e a solidificação do domínio senhorial. Ainda neste período, o senhor e “pater
familis” passava a constituir a autoridade moral sobre os filhos e as esposas.
Nas Câmaras, havia senhores
que passavam a controlar a governança e comandavam o dia-a-dia dos moradores
com o intuito de estabelecer a ordem na vila. Reprimindo os indígenas,
estabelecendo os preços dos produtos, recrutando os grupos militares,
controlavam as relações familiares e as expedições para o sertão.
No decorrer do século XVII, as
famílias senhoriais já constituídas avançaram pela Capitania de São Vicente,
explorando novas terras e formando uma sociedade hierárquica e estamental, de valores
cristãos. Nesse período, a vila de São Paulo, nas franjas do Antigo Sistema
Colonial, tornou-se um centro importante de povoamento colonizador na região de
fronteira da América Portuguesa.
Na conjuntura econômica da vila de
São Paulo dos anos de 1554 e 1640, as mulheres senhoriais paulistas auxiliavam
na formação da economia pecuarista, no cuidado com a alimentação das criações
de animais e com os cercamentos do gado vacum.
A utilização da mão-de-obra cativa
e a constituição da incipiente mercantilização faziam com que as mulheres
conseguissem acumular pecúlios e participar dos negócios. O comércio paulista
realizava-se, assim, graças à rede de créditos e débitos que se estendiam até
as regiões litorâneas de Santos, Rio de Janeiro e, consequentemente, da zona
econômica do Atlântico Sul.
Porém, na sociedade paulista, os
valores extra-econômicos também eram significativos, como os ideais
nobiliárquicos de fidalguia e nobreza, além do desejo por objetos de luxo e por
símbolos de prestigio social. Os artefatos luxuosos correspondiam a um consumo
ainda muito incipiente. Além disso, a vida material da camada senhorial ainda
era bem simples. Um vestido, um espelho, uma porcelana, ou qualquer outro
artefato importado significava uma capacidade de gerar riqueza, a qual se
convertia em artigo de luxo.
Ainda nesse contexto, as mulheres
senhoriais paulistas formavam redes de solidariedade, doando esmolas e
participando da vida religiosa. Fazia parte das atividades sociais femininas,
tais como: os ensinamentos das rezas, o cuidado com a prole e a transmissão dos
valores cristãos aos filhos.
Era também muito importante a
capacidade de negociação com as autoridades do Juizado de Órfãos. Negociando
com os juízes, as viúvas poderiam conseguir a curadoria dos filhos e a administração
do patrimônio. Não foram poucas as mulheres que na viuvez adquiriam certo status
e poder, conseguindo desvencilhar-se das autoridades locais e do domínio
patriarcal. No entanto, para isso era necessário assumir papéis considerados
importantes para o gênero masculino.
Apesar da “longa duração” da
desigualdade entre os gêneros na colônia portuguesa, as senhoras de
escravos adquiriam um espaço de participação na sociedade estamental e
escravista, conseguindo ter domínios sobre as escravarias e alguns familiares
que viviam sob o seu entorno.
Na indústria doméstica, toda a
preparação da tecelagem ocorria sob a liderança das senhoras. Solteiras,
casadas ou viúvas, mantinham atividades cotidianas de administração e comando dos
gentios.
No processo da indústria caseira do
algodão, as cunhãs tecedeiras, auxiliadas pelos curumins, eram responsáveis por
inúmeras tarefas. Plantavam, colhiam, desencaroçavam o algodão e mantinham
outros afazeres no interior doméstico, como cuidar da prole e do domicílio
senhorial. Subalternas às senhoras, a população feminina indígena mantinha um status
inferiorizado pelo predomínio dos valores estamentais, senhoriais, escravistas
e patriarcais.
No comando das escravas tecedeiras
indígenas, as mulheres senhoriais, esposas, filhas ou viúvas dos vassalos do
Império ultramarino colonial, de certa forma, reiteravam as condições
senhoriais, escravistas e a mercantilização incipiente, formando um poder
intermediário entre os senhores e a população cativa predominantemente indígena,
a qual raramente era comercializada. Neste sentido, as senhoras distinguiam-se
na hierarquia social dos homens senhoriais, havendo assim uma forte
desigualdade de poder entre os gêneros dos estamentos senhoriais.
Enfim, a atuação feminina senhorial possuía um
papel contraditório na vila de São Paulo durante a conjuntura de 1554 e 1640.
Por um lado, estavam subjugadas ao poder masculino dos senhores patriarcais,
sendo excluídas muitas vezes das decisões da governança da terra e dos comandos
de saídas para o povoamento, realizadas pelos esposos, filhos, maridos e pais.
De forma que esses homens senhoriais, habitualmente, voltavam-se para os
problemas administrativos e para as atividades guerreiras de expedições do
sertão e de mercancia à longa distância. Por outro, as mulheres senhoriais
atuavam com autonomia nas atividades de trabalho, negociavam com a
jurisprudência da terra, realizavam doações de esmolas aos necessitados e
acumulavam patrimônio para si e para os familiares por meio dos negócios
mercantis incipientes e do comando das escravarias. Com a saída da população
masculina para as regiões do Guairá-Tape, essas senhoras estavam na situação de
controlar o patrimônio familiar como as casas, os sítios e as lavouras. Por
isso, passavam a negociar e entrar em atritos com as autoridades do poder local
e a comercializar os frutos do trabalho escravo.
Em suma, entre o domínio dos
senhores e a exploração das populações indígenas escravizadas, as mulheres
senhoriais paulistas, proprietárias de escravarias de variados tamanhos,
formavam um poder intermediário, pois diferentemente do gênero
masculino, voltaram-se para os universos domésticos e familiares, cuidando dos
filhos, gerando excedentes econômicos relevantes para os herdeiros e auxiliando
suas famílias a adquirir escassos artefatos de luxo.
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