A historiografia dos séculos XIII ao XVII mantem o debate sobre os
assuntos dos têxteis, da cultura e economia indumentária. Entre os ingleses, a
temática geralmente aprofundada refere-se aos problemas econômicos dos têxteis,
particularmente as técnicas aplicadas. Na historiografia francesa os aspectos
simbólicos e culturais, principalmente com relação ao formato, são mais
destacados. Mas é necessário manter a articulação entre ambas as perspectivas
para realizar uma possível aproximação histórica.
No sentido da economia cultural, os códigos de vestir limitavam o consumo
cavalheiresco no medievo. Ao analisar o tecido do diabo, Michel de Pastoereau
descreveu que no século XIV, a legislação suntuária proibia os clérigos de
usarem roupas bicromáticas, seja a bipartida (veste partitae), listrada (veste
virgatae), ou em xadrez (veste
scacatae). O concílio de Viena (1311) insistia nas interdições
indumentárias. Na cidade de Rouen, em 1310, um padre e um sapateiro eram
condenados à morte por vestirem listrado.
No período anterior, a partir das canções de gesta, as indumentárias e
heráldicas listradas, na literatura, faziam parte das roupas dos “Cavalheiros
desleais, senescais usurpadores, mulheres adúlteras, filhos rebeldes, irmãos
perjuros, anões cruéis, serviçais cúpidos, todos podem ser dotados de riscas
heráldicas ou de vestuário”.[1] A
partir do século XII, paulatinamente a risca começava a fazer parte da moda
cortesã. No reino de Aragão, o brasão tornava-se listrado, com riscas verticais
amarelas e vermelhas”.[2]
Na Renascença, as vestimentas listradas tornavam-se rainhas, juntamente
com o negro. Nas cidades italianas de Veneza e Gênova, posteriormente à Grande
Peste, as indumentárias multicoloridas faziam parte do consumo dos “jovens
nobres e ricos patrícios”. A partir de 1380, novamente as leis suntuárias
tentavam restringir o consumo ostensivo das cores. No século seguinte com o
negro de Bolonha, as listras saem da moda para retomarem na virada do século
XVI, nas regiões da Alemanha, Itália, e, depois, da França e da Inglaterra.
Essas listras começaram a fazer parte dos gibões de Francisco I e Henrique
VIII.
Nesse momento, a corte espanhola mais conservadora mantinha a
austeridade. Mas as riscas reaparecem na “primeira metade do século XVII, no
horizonte dos anos vinte e trinta. Durante duas décadas, as modas espanholas,
então dominantes, deixaram no vestuário uma pequena abertura lúdica em que as
riscas tentam imiscuir-se, sobretudo no traje masculino (mangas, abas,
calções). São geralmente riscas escuras, riscas caravagescas, que fazem
alternar os ocres e os castanhos, os pretos, as violetas, por vezes os verdes e
os dourados. (...)”.[3]
Com relação às cores das vestes listradas, o vermelho até o Quinhentos,
era praticamente raro. Mesmo com a extração do pau-brasil e o avanço das
técnicas de tingimento e o uso dessa cor, no século XVI, as vestimentas
vermelhas e riscadas mantinham-se com a característica de desviante.[4]
É interessante observar que o branco cru integrava as roupas de baixo
como camisas, ceroulas, véus e lençóis. De acordo com Pastoerau, “Tais
prescrições vinham do fato de a cor passar por qualquer coisa mais ou menos
impura (sobretudo se era ela obtida por meio de materiais animais), de mais ou
menos inútil e muito imodesto. Era preciso afastá-la dessa superfície íntima e
natural que constitui a pele”[5]
Acompanhando as transformações nas técnicas de tingimento e nos
significados simbólicos e culturais das cores, observa-se que a fabricação e o
comércio dos tecidos modificavam-se na longa duração. No mundo mediterrânico, o
comércio de tecidos, principalmente de seda de Sicília, Egito e Espanha
Muçulmana predominavam entre os mouros. Os laníferos coloridos também
tornavam-se artigos luxuosos nesses espaços.[6]
Durante o século XIII, as metamorfoses das silhuetas ocorriam nas formas
das armaduras, aparecendo a brigandine,
a pourpoint, ou doublet, ou ainda o gibão. Desse modo, a moda cavalheiresca
constituía-se a partir das modificações modernas do vestir masculino.[7]
Com o crescimento da quantidade de fontes primárias, as informações sobre
as mudanças no vestuário durante os séculos XIII e XIV sobrepujam os
anteriores, havendo uma profusão de termos para tecidos, vestes e
indumentárias, nas línguas vulgares. As linguagens das roupas sofreram uma
mudança significativa nesse período. As vestimentas variavam conforme cortes,
tecidos e camadas sociais, mas os seus nomes poderiam circular através de
várias regiões. Por exemplo, o manto chamado de sack encontrado na Germânia tinha sua origem em Bizâncio.[8]
Destaca-se ainda a importância das modificações da feitura do gibão ao
longo do tempo. Utilizado inicialmente para proteger o cavalheiro, ganhava aos
poucos maior visibilidade, tornando-se mais curto, obtendo ornamentos, podendo
ser produzido com seda e ricamente bordado.[9]
Novamente, durante a terceira parte do século XIV, a moda do gibão mais
longo e com botões de cima à baixo de Charles de Blois eram destaques na corte
francesa. Aparecia uma nova indumentária, a jaque
ou jerkin, que extendia-se até os
joelhos e enfeitavam-lhe metais preciosos como ouro e prata. A decoração dessa
peça tinha ainda motivos de plantas e animais.[10]
Para além das
vestimentas da corte francesa, a historiografia trata do consumo indumentário
da população dos centros urbanos do Velho Mundo. Kristen M. Burkholder, no
artigo “Threads Bared: dress and textiles in Late Medieval English Wills”,
analisa uma série de 550 testamentos de 1327 até 1487. Em decorrência, por mais
de cento e cinquenta anos, encontra como testamenteiros um amplo estrato
social, abarcando artesãos, mercadores, gentry e nobres da cidade de Londres.
Por meio de uma abordagem quantitativa e descritiva, destaca que usualmente as
heranças eram distribuídas de homens para homens e de mulheres para mulheres.
Dentre as cores, as mais frequentes eram sequencialmente preto, azul e
vermelho, sendo o têxtil mais usual a lã, sendo, no entanto, raras as
referências ao linho.
Ademais, segundo a
autora, as mulheres testadoras além de deixarem uma descrição mais detalhada
das indumentárias, doavam peças mais valiosas. Como exemplo, a viúva Agnes de
Fraunceys declarava possuir um robe trabalhado com ouro.[11] A
partir do século XIV, as leis suntuárias inglesas definiam os modos de vestir
de acordo com as categorias sociais, sendo que nos anos de 1336/37, no reinado
de Eduardo III, somente a casa real, ou seja, o rei, a rainha e os seus filhos
poderiam usar vestimentas exteriores à Inglaterra, Irlanda, Escócia e País de
Gales.[12]
Novamente, em 1363, o Parlamento regulamentava as vestes conforme o status, variando de acordo com os
têxteis e o preço. Nos anos 1482 e 1483, novos decretos declaravam que apenas a
família real podia usar roupas com ouro ou de seda púrpura, assim como somente
o rei vestiria tecidos de damasco ou cetim.[13]
Burkholder nota que, na
realidade, a minoria dos artesãos e comerciantes londrinos passava a produzir e
consumir tecidos e roupas distintas daquelas reservadas ao seu posicionamento
social, sendo que alfaiates, bordadeiras e viúvas deixavam vestes preciosas
para as instuições de caridade. Esse era o caso de Matilda Wight, viúva do
alfaiate real, a qual doava umas peças de roupa de seda para a igreja St. Mary
de Wolnoth, sendo que somente a partir dos superiores aos clérigos podiam
vestir seda, veludo e tecidos luxuriosos com enfeites ricos, de acordo com a
lei de 1363.[14]
A maioria da gentry
transgredia as regras suntuárias, utilizando habitualmente roupas feitas com
veludo. Com exceção, localiza-se dois casos em que se encontram tecidos com
ouro em testamentos: o primeiro era do conde Rivers, doador de uma luva bordada
a ouro para o convento de Royston. A outra indumentária, uma veste vermelha de
baldaquim também bordada em ouro, era da duquesa de Buckingham, Anne Stafford,
que a deixava para a irmã, Lady Mountjoy.[15]
Em resumo, o consumo indumentário londrino nos séculos XIV e XV mantinha-se
frequentemente diferenciado em relação ao gênero e ao status, tendo-se as descrições mais detalhadas aquelas que se
referem às mulheres das camadas sociais mais altas.[16]
Na
historiografia cultural, destacam-se as transformações no universo da Clothing Culture, 1350-1650, obra
organizada por Catherine Richardson. Nos textos, eram realizadas conexões entre
as várias esferas de existência para a ampliação do debate, havendo, portanto,
relações entre o mundo econômico e cultural. A própria autora observa que as
mudanças da moda no Velho Mundo contaram com a participação dos mercadores
ingleses e das exportações de produtos laníferos de produção doméstica. Além
disso, não se pode esquecer a relevância das relações do corpo e dos artefatos
têxteis e indumentários. Exemplo disso, pode ser encontrado nos diferentes
modos de cortes dos tecidos presentes nas estatuárias européias. Desse modo, as
definições de modos de vestir de homens e mulheres são construções históricas.
Outras
características importantes no universo da cultura indumentária eram as
distinções dos modos de vestir de Católicos e Protestantes. Nota-se a presença
das indumentárias como capital simbólico no universo da corte. Principalmente,
na análise de discurso, salientam-se as transformações em relação aos gêneros,
às roupas e às modas.[17]
Nessa linha de pesquisa,
Sheila Sweetinburg, aborda as estratégias de caridade em Kent, durante o século
XVI, a partir da leitura de testamentos. A autora quantifica 4.500 documentos,
notando que uma maior porcentagem de mulheres doavam suas roupas, geralmente
saias e túnicas, para as populações mendicantes. É importante observar a
importância da caridade feminina para a comunidade e as redes de solidariedade
cristã presentes no catolicismo quinhentista, pois vestir aqueles que estavam
praticamente nus era, possivelmente, um dos critérios de salvação das almas.[18]
Nesse sentido,
Elizabeth Salter estuda os testamentos em Greenwich durante o início do
Quinhentos. Nesse ensaio, descreveu os discursos dos testadores e destacou os
simbolismos relacionados às escolhas das doações e partilhas dos artefatos
segundo as relações familiares e de amizade. Referiu-se a prática de
reformulação dos materiais indumentários para o reaproveitamento e consumo por
um novo usuário.[19]
Ao analisar as
distinções das indumentárias a partir do status,
Claire Bartram apresentou o debate entre o orgulho e a humildade nos discursos
das leis suntuárias dos textos religiosos e das documentações legais. Salientou
os valores associados à gentry e aos processos nobiliárquicos. Defendeu a ideia
de que as identidades das indumentárias estavam relacionadas às posições
sociais, indicando que para a ascensão social, as camadas emergentes deveriam
integrar-se aos símbolos da aparência cavalheiresca e cortesã.[20]
Em suma, as modas cavalheirescas permaneceram na sociedade moderna, até basicamente o início do século XVII, com as novelas de Miguel de Cervantes, as quais criticavam de maneira irônica os valores desta antiga sociedade, assim como representava a crise econômica e social pela qual se caminhava a sociedade espanhola. No entanto, esse é outro momento e outro artigo.
[1] Michel
Pastoureau. O tecido do diabo: uma
história das riscas e dos tecidos listrados. Lisboa: Editorial Estampa,
1991, p. 25.
[2] Idem, p.
42.
[3] Idem, p.
55-56.
[4] Idem, p.
67.
[5] Idem, p.
78.
[6]
Françoise Piponnier & Perrine Mane. Op. Cit., pp. 59-60.
[7] Idem,
pp. 61-65.
[8] Idem, p.
66.
[9] Idem, p. 67.
[10] Idem, pp. 67-68.
[11] Kristen M. Burkholder. Threads
Bared: dress and textiles in Late Medieval English Wills. In: Robin Netherton & Gale
R. Ower-Croker. Medieval Clothing and
textiles. Woodbridge, U.K.: The Boydell Press, v.1, 2005, p. 42.
[12] Idem, p. 143.
[13] Idem,
pp. 146-147.
[14] Idem,
p. 147.
[15] Idem,
p. 150.
[16] Idem, p. 152.
[17] Catherine Richardson. Introduction.
In: Catharine Richardson (Ed.) Clothing
Culture, 1350-1650. ASHGTE, 2004, pp. 1-25.
[18] Sheila Sweetinburg. Clothing the
naked in Late Medieval Kent. In: Catherine Richardson (org.). Clothing culture, 1350-1650. Hampshire,
U.K.: ASGHATE, 2004, pp. 108-121.
[19] Elizabeth Salter. Reworked
material: discourses of clothing culture in Early Sixteenth-Century Greenwich.
Catherine Richardson. Clothing culture,
1350-1650. Hampshire, U.K.: ASGHATE, 2004, pp. 179-191.
[20] Claire Bartram. Social fabric in
Thynne’s debate between Pride and Lawliness. In: Catherine Richardson. Clothing culture, 1350-1650. Hampshire,
U.K.: ASGHATE, 2004, pp. 137-149.