Pierre
Chaunu, em A civilização da Europa das
Luzes, discute a cronologia do período iluminista, como os anos de 1680 até
1770. Para o mesmo “na sua curta cronologia, a filosofia das Luzes desfez-se em
pouco menos de um século. A coerência interna e a dinâmica própria das ideias,
no seio de um sistema de pensamento, seja ele a filosofia mecanicista ou a
filosofia das Luzes, tem a história de aceitar e o discurso histórico tem de as
integrar. (...)”. (CHAUNU, 1985, p. 31)
Também
“as luzes, entenda-se as ideias postas em marcha”, formavam a partir das “estruturas
mentais da idade clássica”, as quais “modificam-se lentamente, fazem nascer uma
nova civilização, rica, diversa e múltipla. A política e a religião postas em
causa, a entrada da história na primeira fila do conhecimento. A autonomia é o
primado devorador das ciências. (...)”. (Idem, pp. 40-41)
No que diz respeito ao espaço das Luzes,
Chaunu afirma que “nunca, face ao resto do mundo, a Europa das Luzes,
descentrada em relação à Europa mediterrânica do tempo do Renascimento, nunca
ela foi objetivamente mais vasta. A tomada de consciência desta dilatação do
espaço europeu exprime-se paradoxalmente no cosmopolitismo das Luzes, um
cosmopolitismo restritivo que nunca ultrapassou o âmbito da Europa e que
repousa no esquecimento implícito do resto do mundo. É de algum modo a
antecipação da conquista em profundidade dos continentes pela civilização –
mundo de componente europeia. É, portanto, simultaneamente, a tomada de
consciência desta mutação, o esquecimento das outras culturas e das outras
civilizações para lá das fronteiras alargadas do espaço europeu, a percepção
generosa duma cidade dos homens confundida com a grande Europa”. (Idem, 47-48)
Limitando
o espaço europeu, o autor nota que “a Europa, espaço cultural, é também o
movimento, o progresso. Fora dela tudo é imóvel, fixo e bárbaro. (...) (Idem,
p. 49] Nesse continente, a França destacava-se pela sua ascensão no interior e
a Inglaterra no seu desenvolvimento econômico. Contudo, no século XVIII, os
filhos da aristocracia inglesa viajavam ao continente. “A Europa da viagem
inglesa é, antes de mais nada, francesa: prolonga-se até Veneza, desvia-se
eventualmente até os Países Baixos, Remo e uma facção da Alemanha, ignora a
Espanha. França e Inglaterra confessam assim, através de elementos duma viagem
pedagógica, o seu domínio cultural sobre a Europa iluminada. A viagem inglesa
ao continente contribuiu para afrancesar com certa profundidade, no século XVIII,
a própria língua inglesa. O inglês da rainha, o sotaque de Oxford com as
sílabas marcadas e as entonações continentais, nascem em larga medida do estado
no continente dos filhos da gentry britânica, isso enquanto o inglês americano
da Virgínia e da Nova Inglaterra dos ‘cabeças-redondas’ protegidos pela
distância e pela rude casca provinciana, conserva as entonações anteriores ao
cosmopolitismo europeu e francófono do século XVIII”. (Idem, p. 48)
Ainda
conforme o autor sobre o espaço das luzes, “no espaço-tempo duma Europa
dilatada, as dimensões do homem são, pela primeira vez, realmente
transformadas. A dilatação do homem é o primeiro objetivo que a filosofia das
Luzes assumirá. Esta anima-o a penetrar no domínio reservado da política e da
religião. Esta dilatação do homem guia, do exterior, o pensamento do
Aufklärung; é indissolúvel do Estado, agente activo, agente eficaz desta
conquista do homem sobre si próprio.
Pela
sua vontade de espaço, de poder, o Estado deu um empurrão para a frente às
franjas pioneiras, pela preocupação de melhor se apoderar, de melhor contar o
homem, construiu os dados estatísticos de base. Não fosse isso, não fosse o
Estado e não haveria assimetria social nem, à falta de dados, expansão dos
espírito científico mecanicista, na direção do homem. O Estado (assim como a
ratazana, o rato cinzento da Noruega), deram cabo da peste. (...) A fome
tornou-se mais rara e a guerra humanizou-se”. (Idem, p. 165)
O pensamento
iluminista do século XVIII era ao mesmo tempo fruto do Ancien Regime e crítico
ao mesmo. E no centro da crítica das Luzes estava o debate sobre as ideias
políticas. A partir da morte de Richelieu, da consolidação do governo de
Mazarino e a ascensão de Luis XIV, o rei Sol, os investimentos institucionais,
principalmente nas artes, começaram a formar um fermento cultural erudito
promovido pelo Estado para promovê-lo.
Em outras palavras, a crítica social realizava-se no interior da própria
monarquia.
Nas reflexões
políticas e filosóficas estavam incluídas as ideias de Reforma, o Despotismo
Esclarecido, até as ideias do “estabelecimento da igualdade jurídica e moral’ e
a ‘consciência da liberdade’. Dentre os filósofos, Rousseau representava a
doutrina da bondade natural, que, segundo Cassier significava uma questão
central: ‘Como o mal e a culpa podem ser imputados a natureza humana, se ela
própria, em sua constituição original está livre de todo o mal e de toda a
culpa que desconhece toda perversão radical”. Nesse eixo de pensamento, o
filósofo, de origem suíça e calvinista, chegava a Paris com mais de trinta
anos. Ele ainda criticava a instalação das ostentações e dos deveres sociais,
pois Paris, conforme Cassier, “representava o auge e o momento áureo da cultura
palaciana – e a verdadeira virtude desta cultura consiste na cortesia refinada
com a qual se recebia todo estrangeiro”. (CASSIER, p. 44). Neste sentido, no Discurso sobre a origem da desigualdade,
aparecia essa procura pela exigência simples e pelo fim do peso de “toda a
ostentação do conhecimento”. (Idem, p. 45)
Contudo, Franco
Venturi critica a análise de Cassier sobre o iluminismo ao “colocar o problema
do impacto da tradição republicana no desenvolvimento do iluminismo”. Este
objetivo levava à abordagem da “relação entre utopia e reforma”. (VENTURI, p.
28). Neste contexto, a França voltava-se para a compreensão da “forma antiga à
tradição republicana européia”. (Idem, 45). Resumindo esta preocupação com os
estudos das ideias políticas no centro do poder monárquico, Venturi observa que
“(...) Na
década de 1680, a França, sob Luis XIV, empreendeu uma ação muito mais ágil e
articulada visando desmembrar a velha república. A política francesa interferiu
de cima a baixo na escala social, procurando usar as mais antigas famílias
feudais, os Fiesch, por exemplo, e ao mesmo tempo, a nobreza mais recente, bem
como os burgueses, ou seja, procurando usar aquela camada que à sombra dos
privilégios patrícios continuara a existir e a se desenvolver depois da
cristalização da constituição de Gênova. Luís XIV procurava, em suma, se apoiar
sobre a mesmas forças que estavam na base do seu poder na França, da nobreza –
atraída à corte – a todos que se demonstravam capazes de se inserir no Estado
absolutista por meio de venda de cargos e da política mercantilista de
Coubert.”
“(....) Logo,
em Paris, ao conservadorismo do poder, foi se contrapondo com a Encyclopédie,
uma crítica cada vez mais radical e um início da interpretação iluminista da
inquietação sempre mais extensa e do descontentamento sempre mais difuso”.
(VENTURI, p. 92)
Em 1748,
Montesquieu publicava o Espírito das Leis
com, segundo Venturi, “diagnóstico pessimista” e “ideal republicano”. (VENTURI,
p. 95)
As ideias sobre
o conceito de república suscitava debates e reflexões. Conforme Venturi,
“(...) embora
fora da história ativa e imediata, fora dos conflitos e das batalhas, as ideias
republicanas eram ainda capazes de suscitar uma vontade de independência e de
virtude que os Estados Monárquicos, como explicava Montesquieu, com sua
autoridade, em 1748, não estavam em condições de satisfazer. Em meados do
século, a palavra república ainda tinha um eco profundo no ânimo de muitos, mas
como forma de vida e não como forma política. Havia toda uma investigação a
fazer sobre o significado da palavra república, por volta de 1750, entre livros
e jornais, entre evocações do passado e germes de remanescentes utopias.
Admiração e caricatura se alternavam nas imagens do republicano diligente e
ativo, solene e livre. Existia, certamente, a moral republicana quando as formas estatais que a
haviam acompanhado pareciam antigas e decadentes ruínas. Sobrevive uma amizade
republicana, um sentido republicano do dever, um orgulho republicano mesmo em
um mundo agora mudado, até mesmo no próprio coração do Estado monárquico, na
corte, no mais profundo ânimo de homens poderia parecer completamente integrado
ao mundo do absolutismo”. (VENTURI, p. 140)
Venturi destaca
a ideia de que havia um “fermento republicano” na França durante meados do
século, com as reflexões de Alexandre Daleyere, que se repugnava com o estado
de Paris e encontrava Rousseau. Para Venturi,
“De 1758 a
1793, dos Pensées républicaines à guilhotina, trinta e cinco anos haviam
transcorridos. Valeria a pena seguir Deleyre passo a passo ao longo do seu
caminho solitário. Ver-se-ia como foram acumulando os pensamentos que
transformaram um philosophe num jacobino. Toda a sua insociabilidade e
rebelião, toda sua melancolia ou renúncia, nos conduzia a um canto oculto do
mundo dos enciclopedistas e nos poria em contato com aqueles contrastes e aquelas contradições que estavam
fermentando entre Diderot e Rousseau, entre a França do contrato social e a
Itália da Beccaria, e que terminaram por desaguar na revolução. Deleyere, com
sua sensibilidade exasperada e a sua cultura cosmopolita, é um dos melhores
testemunhos da transformação que poucos outros viveram tão intensamente”.
(VENTURI, p. 159)
O fermento
intelectual na década de 1740 ocorria na França, com a formação da
Encyclopédie, o Esprit des lois de Montesquieu e Pensées Philosophiques de
Diderot, em 1746. E no centro deste movimento intelectual estava Paris, cidade
que estava em um “ambiente já cosmopolita, ainda que imposto de obscuros
professores alemães como Sellius, e de outros tantos ignotos escritores
ingleses como John Mills. Também Diderot e Rousseau, de resto, são todos
desconhecidos no início dos anos quarenta. É uma nova geração, e é também um
ambiente social totalmente diferente de um Fontenelle, de um Montesquieu, de um
Volteire, para somente nomear os homes que dominam então o horizonte
intelectual da França. É um mundo extraordinariamente vivaz de boêmios, de
tradutores, de gente que vive da própria pena e para as próprias ideias. Nos
anos que Voltaire procura se avizinhar da corte e da academia e em que se chega
de maneira surpreendente a estabelecer um modus vivendi até mesmo com o papa
Benedito XIV, em que Montesquieu trata e discute quase como um poder com o
governo francês e com a igreja da política do seu tempo – algumas vezes fazendo
concessões outras não, de acordo com as circunstancias, qual verdadeiro juiz e
grande senhor, distante e genial – esse grupo de jovens era vigiado de perto
pela política e arriscava terminar encarcerado no castelo de Vincennes como
aconteceu com Diderot em 1748, no momento geral aos elementos heterodoxos. Nos
anos em que o país estava finalmente saindo da guerra, esses jovens estavam em
continua guerra com a censura, com as regras corporativas da librarie, até
mesmo com a própria família, e com o ambiente do qual provinham. É o grupo
extraordinariamente livre, interna e externamente. Diderot é animador,
d’Alembert segue-o com relutância. Rousseau interpreta a seu modo as ideias e
os entusiasmos do grupo. Eles recusam toda proteção para a nascente
Encyclopédie, bem como qualquer rígida organização interna. Não eram
dependentes do Estado. Não eram uma academia. Eram um grupo de filósofos
livres”. (VENTURI, pp. 222-223)
Tratando do
movimento destes filósofos, Foucault, em uma série de conferências sobre Kant e
a Ilustração realiza uma arqueologia da racionalidade política, discutindo uma
“geneaologia dos políticos modernos da razão”, interpretada por intermédio de
uma crítica do discurso da existência e reprodução do poder. (Apresentação de
Silvio Maltoni in: FOUCAULT, 1996, pp. 9-15)
Para Foucault,
uma das tarefas centrais da Ilustração era “multiplicar os poderes da razão”.
Os homens desse movimento pensavam sobre o indivíduo e suas liberdades, assim
como na sua espécie de sobrevivência. (Idem, pp. 17-18)
Para Kant era
preciso sobrepor a razão à experiência. E, naquele momento, isto significava a
necessidade de pensar racionalmente e em termos críticos o “desenvolvimento dos
Estados Modernos, e a organização política da sociedade”, vigiando os abusos de
poder da racionalidade política. (Idem, p.18)
O caminho de
estudar os “vínculos entre a racionalização e o poder” eram por meio de:
1.
Tratar
da racionalização da sociedade e da cultura, analisando os “processos em seus
vários domínios – que se arraigam cada um deles em uma experiência fundamental:
loucura, enfermidade, morte, crime, sexualidade, etc;
2.
Ao
estudar a racionalidade é preciso entender que “tipo” de e “princípios” de
racionalidade se apresentam;
3.
A
Ilustração foi uma faze histórica com extrema relevância para a compreensão do
“nosso próprio processo histórico”. Ou seja, estudar o passado Ilustrado,
segundo Foucault é fundamental para se explicar o presente. (Idem, p. 19)
Foucault
pensa em várias temáticas relacionadas à história da modernidade e ilustração,
como a “organização do Estado”, a administração do mesmo, a burocracia e as
técnicas de poder. Sobre este último
ponto, destaca o “poder individualizador”, isto é, a maneira continua e
permanente da maneira dos indivíduos dirigirem a forma política de um poder
centralizado chamado de Estado. (Idem, p. 20)
Discutindo
os Estados Modernos e a organização das cidades, Foucault critica tal fato,
como um “jogo de pastor e rebanho”, ou, como formas “demoníacas”. Em outras
palavras, apesar de entender a formação do estado no sentido moderno
(determinado predominantemente pela racionalidade política), critica tal
relação como sendo um jogo de domínio e poder. Segundo o mesmo, “surpreendente
é que a racionalidade do poder do Estado era reflexiva e perfeitamente
consciente de sua singulariedade. Não estava encerrada em práticas espontâneas
e cegas, e não ascendeu a luz alguma análise retrospectiva. Foi formulada em
particular em dois corpos de doutrina: a razão de Estado e a teoria da
política. Estas duas expressões seguem sentidos estreitos e prerrogativos. Todavia,
durante os quase cento e cinquenta ou duzentos anos que levou a sua formação,
os estados modernos conservaram um sentido muito mais amplo do que hoje”.
(Idem, pp. 44-45)
A
doutrina da razão do Estado tentava definir os princípios e métodos do governo
estatal, como a maneira em que Deus governava o mundo, o padre, a família, ou
um superior, sua comunidade. Dessa forma, a doutrina política definia a
“natureza dos objetos da atividade racional do Estado, definindo a natureza dos
objetos que este perseguia...”(Idem, p. 45)
De
acordo com Foucault, a “razão do Estado” é considerada como uma “arte”, ou
seja, uma “técnica, a qual se submete a determinadas regras. Essas regas não
atraem simplesmente o costumes, ou as tradições, mas também o conhecimento – o
conhecimento racional”. A racionalidade de governo de estado para nós é
considerada arbitrária e violenta, contudo, para os que a vivenciavam fazia
parte da “razão de Estado”. E essa “arte de governar racional” era fruto da
observação da “natureza do que se governa, neste caso, o Estado.” (Idem, p. 47)
O fim desse governo é demarcar sua potência em um “marco extensivo e
competitivo”. (Idem, p.51)
A
preocupação do Estado estava em assistir e controlar a polícia, o exército, a
fazenda e a justiça. Esses temas foram reformados durante os governos monárquicos
de José II e Catarina, a Grande, por intelectuais que pensavam a política e a
intervenção do Estado. (Idem, p. 59)
O
nascimento deste Estado, em termos foucautianos, mantinha um projeto e uma
prática policialesca, em uma maneira e constituição “individualizante e
totalitária. Essa racionalidade política desenvolveu-se e se impulsionou no fio
da história das sociedades ocidentais. Arraigou-se primeiro na ideia de poder
pastoral, logo na razão de Estado. A individualidade e a totalização não pode
prevenir mais do ataque a um ou a outro de seus efeitos, se não de raízes
mesmas da racionalidade política”. (Idem, p. 65)
Refletindo
o que é a ilustração, Foucault discute o
texto de 1784 de Kant, na ideia da uma história universal do ponto de vista
político, um texto sobre o Aufklárung. Em resumo, o presente é considerado um
acontecimento filosófico, que pertence ao filósofo que discorre sobre o mesmo.
Se considera a filosofia como “prática discursiva”, problematizando o presente
discursivo pertencente a uma “comunidade humana” que se remete, por sua vez, a
um “conjunto cultural”. (Idem, pp. 69-70)
Essa
filosofia como problematização da atualidade e como interrogação do
acontecimento filosófico a situava como “um discurso da modernidade e sobre a
modernidade”, segundo Foucault. (Idem, p. 70) Nessa linha de pensamento, a
trajetória das ideias eram provenientes da filosofia de Decartes e Kant, os
fundadores da “filosofia moderna”. Ou seja, a filosofia que pensa em atuar na
sua própria contemporaneidade. A partir daí pensa-se na genealogia da noção de
modernidade, ou seja, do “processo cultural que tomava consciência de si
mesmo”, Aufklárung. (Idem, pp. 72-73)
Conforme
Foucault, Aufklárung foi um momento histórico que se formulava a história geral
do pensamento, relacionando-a com o presente e as “formas de conhecimento, de
saber, de ignorância, de ilusão, nas quais sabe reconhecer sua própria situação
histórica”. A questão da “Auflárung” é manifestar-se sobre a maneira de
filosofar ao longo dos séculos. “Uma das grandes funções da filosofia chamada
de moderna (cujo conhecimento pode situar-se em meados do século XVIII) é
interrogar-se sobre sua própria atualidade”. (Idem, p. 72)
Esse
movimento inaugurava a modernidade europeia, para Foucault, que o entendia como
um “processo permanente”, manifestado na “história da razão e no
desenvolvimento e na instauração de formas de racionalidade e técnica,
autonomia e autoridade de saber”, sendo “uma questão filosófica inscrita desde
o século XVIII no nosso pensamento”. (Idem, p. 80) Esta filosofia inaugura a
modernidade.
Definindo
modernidade, Foucault afirma que é “uma vontade de glorificar o presente,
contudo, esta heroificação é irônica”. A ironia está em que o homem moderno
busca a compreender e elaborar-se a si mesmo. Desse modo, o ethos filosófico da
modernidade é criticar-se continuamente a si mesmo de maneira reflexiva,
histórica e crítica. Essa crítica, portanto, é a profissão de fé da ilustração.
(Idem, pp. 85-11)
Lothar
Kreimendal, em A filosofia do século
XVIII como a filosofia do Iluminismo, afirma que “o século XVIII é
considerado o século do Iluminismo”, marcando este “período, que engloba a
secularização da política, na cultura, na literatura e na religião, ou seja em todas
as manifestações da atividade humana”. (KREIMENDAHL, p. 7) Para o mesmo, “o
conceito de Iluminismo pode não ser tomado no sentido histórico como
designativo de uma determinada época, como também se adapta como conceito
pragmático para a caracterização de certa postura espiritual que transparece no
dito horaciano Sapere aude e que não foi utilizada pela primeira vez por Kant
em seu conhecido ensaio iluminista de 1784, quando o elegeu como lema para o
Iluminismo e para o qual talhou a seguinte famosa tradução. Tem coragem de
fazer uso da tua própria inteligência!”. (Idem, pp. 8-9).
De
acordo com Kreimendahl o Iluminismo abrangia a cultura europeia a partir de
1680. Nesse momento inicial, encontra-se o Tratactus Theologico-Politicus de
1670 de Spinoza. A partir dai, o movimento abrange um maior número de cidadãos,
abrangendo também a classe média, como exemplo maior a Encyclopédie, publicada
por Diderot e d’Alembert em 1751. Neste último momento, já se encontra
desgastado com o aparecimento do “Romantismo inicial”. (Idem, pp. 10-11)
Na
Inglaterra, a partir da Revolução Gloriosa de 1688, a “democracia
parlamentarista” e a tolerância religiosa marcavam o avanço dos livres
pensamentos iluministas. Voltaire, em exílio londrino (1726-1729) declarava sua
admiração pelos ingleses. Os Principia de Newton e Essay de John Locke marcaram
o movimento. Segundo Kreimendahl,
“(...)
Fundamentado em seu princípio básico e empírico, Locke sondava as ideias do
intelecto e tentava explicar suas origens por meio da experiência. De acordo
com seus contemporâneos, ele teve sucesso a ponto de transformá-lo na
autoridade máxima da filosofia do seu tempo”. (Idem, p. 14)
Na
França, de acordo com o mesmo, florescia a cultura aristocrática já em 1682 com
Pierre Bayle, combatente da “superstição” e o “preconceito”. Para Robert
Darton, entretanto, o Iluminismo restringia-se a Paris no início do século
XVIII. (Idem, p. 16) Contrapondo-se a isso, Kreimendahl declara que
“Diferentemente
da linha empírica da ciência (natural) do Iluminismo britânico, o francês tem
orientação sociocrítica e dirige-se contra a Igreja, contra instituições
repressivas e contra a burguesia. No terreno metafísico, representa um
materialismo que acaba evoluindo religiosa e filosoficamente para o ateísmo”.
(Idem, pp. 17-18)
Na
Alemanha, de acordo com o mesmo autor, o Iluminismo atingia seu ápice com as
obras de Kant e Mendelssohn, publicadas no Periódico Mensal Berlinense, e,
podia ser imitado por quatro gerações, abrangendo os anos de 1680 à 1790.
(Idem, pp. 22-23)
Sintetizando
a definição do movimento iluminista, Kreimenahl afirma que
“A
enorme expansão do pensamento iluminista estava ligada a uma série de
pressupostos e condições. Considerando a atualidade dos temas propostos, a
comunicação entre os simpatizantes do Iluminismo ocorria inicialmente apenas
por via oral. Círculos privados, os salões e os cafés eram os lugares em que as
conversas conspiradoras podiam ser mantidas. No início, especialmente na
França, onde havia forte censura em oposição ao que ocorria na Inglaterra, a
documentação escrita circulava apenas de mão em mão. Obras impressas eram
executadas, quando muito, em impressoras clandestinas de lugares fictícios na
Holanda liberal. Isso explica a relativamente elevada incidência de obras
francesas na literatura clandestina. As obras tinham de ser adaptadas ao
público-alvo, qual seja, os cidadãos cultos. Gradativamente o latim era
substituído pela língua nacional, dando-se preferência às formas mais
agradáveis de leitura, como os ensaios, dialógicos ou relatos de viagens, sobre
volumosos tratados. O progresso da técnica da imprensa possibilitava maior
rapidez e, consequentemente, uma reação mais rápida dos iluministas a
acontecimentos atuais, além de baratear os custos, o que permitia atingir
círculos mais amplos. O mercado livreiro internacionalizava-se, e a crescente
tendência ao jonarlismo contribuiu para a eficácia do movimento iluminista”.
(Idem, p. 27)
Como
característica do Iluminismo, Kreimendahl destaca os combates ao “preconceito”
e à “superstição”. No primeiro caso, para superá-lo era necessário recorrer ao
conhecimento histórico, como no caso de Voltaire e Hume. (Idem, p. 30)
Outro
valor marcante do Iluminismo é a liberdade de pensamento e a profusão de
debates, o que fazia com que houvessem muitas diferenças entre os seus
pensadores. Em termos de região, de maneira geral o “Iluminismo alemão é mais
orientado na metafísica, em oposição à orientação científica e empírica inglesa
e a sócio-crítica e materialista francesa”. (Idem, p. 33)
Não
obstante, o século XVIII também possuiu opositores ao movimento, na França,
Rousseau com Nouvelle Héloise (1761) e o movimento do Sturm und Drang
(tempestade e ânsia) na Alemanha, foram contrários ao Iluminismo. (Idem, pp.
36-37)
Todorov,
em O espírito das Luzes, defende a ideia de que nesta época o debate era muito
mais valorizado do que o consenso, havendo um projeto de emancipação e
autonomia intelectual. Segundo o mesmo, no “mundo desencantado das luzes” havia
uma crítica maior com as relações entre religião e Estado. A religião
tornava-se uma decisão individual. O autor também valoriza a liberdade do
conhecimento da ciência, da tolerância e o “combate pela liberdade de
consciência” (TODOROV, 2008, p. 17)
Todorov
entende que a liberdade humana e na capacidade de escolha encontravam em
Rousseau seu maior ícone. Havia, assim, uma revolução no pensamento iluminista,
na qual a crítica tornava-se o principal mote. “A máxima de pensar por si mesmo
é as Luzes”, afirma o autor. (Idem, pp. 49-51) Discutindo o papel da autonomia
iluminista, afirma que “paralelamente à libertação do povo, o indivíduo adquire
também sua autonomia. Ele se engaja no conhecimento do mundo sem se inclinar
diante das autoridades precedentes, escolhe livremente a religião, tem o
direito de exprimir seu pensamento no espaço público e organizar sua vida
privada como bem entende. Não é preciso crer que, um papel privilegiado com
relação às tradições, os pensadores das Luzes prolonguem essa exigência com uma
hipótese sobre a natureza dos homens: eles sabem muito bem que nossa espécie
não é racional. (....)”. (Idem, p. 52)
Essa
autonomia, de acordo com Todorov, “é desejável, mas autonomia não significa
auto-suficiência. Os homens nascem, vivem e morrem em sociedade; sem ela, eles
não seriam humanos. É o olhar sobre a criança que está na origem da
consciência, é o comando dos outros que o desperta para a linguagem. O próprio
sentimento de existir, ao qual ninguém pode subtrair-se, porém da interação com
os outros. Todo ser humano é acometido de uma insuficiência congênita, de uma
incompletude, à qual busca preencher afeiçoando-se a seres que o cercam e
solicitando o afeto deles. É ainda Rousseau que exprimiu mais fortemente essa
necessidade. Seu testemunho é particularmente precioso, pois, enquanto indivíduo,
fica constrangido entre os outros e prefere fugir deles. Mas a solidão é ainda
uma forma de vida comum que não é nem
possível, nem desejável abandonar”. (Idem, p. 53)
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Paulo: Ed. Barcelona, 2008.
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2003.