quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

NOTAS SOBRE O ILUMINISMO. Igor de Lima

Pierre Chaunu, em A civilização da Europa das Luzes, discute a cronologia do período iluminista, como os anos de 1680 até 1770. Para o mesmo “na sua curta cronologia, a filosofia das Luzes desfez-se em pouco menos de um século. A coerência interna e a dinâmica própria das ideias, no seio de um sistema de pensamento, seja ele a filosofia mecanicista ou a filosofia das Luzes, tem a história de aceitar e o discurso histórico tem de as integrar. (...)”. (CHAUNU, 1985, p. 31)
Também “as luzes, entenda-se as ideias postas em marcha”, formavam a partir das “estruturas mentais da idade clássica”, as quais “modificam-se lentamente, fazem nascer uma nova civilização, rica, diversa e múltipla. A política e a religião postas em causa, a entrada da história na primeira fila do conhecimento. A autonomia é o primado devorador das ciências. (...)”. (Idem, pp. 40-41)
 No que diz respeito ao espaço das Luzes, Chaunu afirma que “nunca, face ao resto do mundo, a Europa das Luzes, descentrada em relação à Europa mediterrânica do tempo do Renascimento, nunca ela foi objetivamente mais vasta. A tomada de consciência desta dilatação do espaço europeu exprime-se paradoxalmente no cosmopolitismo das Luzes, um cosmopolitismo restritivo que nunca ultrapassou o âmbito da Europa e que repousa no esquecimento implícito do resto do mundo. É de algum modo a antecipação da conquista em profundidade dos continentes pela civilização – mundo de componente europeia. É, portanto, simultaneamente, a tomada de consciência desta mutação, o esquecimento das outras culturas e das outras civilizações para lá das fronteiras alargadas do espaço europeu, a percepção generosa duma cidade dos homens confundida com a grande Europa”. (Idem, 47-48)
Limitando o espaço europeu, o autor nota que “a Europa, espaço cultural, é também o movimento, o progresso. Fora dela tudo é imóvel, fixo e bárbaro. (...) (Idem, p. 49] Nesse continente, a França destacava-se pela sua ascensão no interior e a Inglaterra no seu desenvolvimento econômico. Contudo, no século XVIII, os filhos da aristocracia inglesa viajavam ao continente. “A Europa da viagem inglesa é, antes de mais nada, francesa: prolonga-se até Veneza, desvia-se eventualmente até os Países Baixos, Remo e uma facção da Alemanha, ignora a Espanha. França e Inglaterra confessam assim, através de elementos duma viagem pedagógica, o seu domínio cultural sobre a Europa iluminada. A viagem inglesa ao continente contribuiu para afrancesar com certa profundidade, no século XVIII, a própria língua inglesa. O inglês da rainha, o sotaque de Oxford com as sílabas marcadas e as entonações continentais, nascem em larga medida do estado no continente dos filhos da gentry britânica, isso enquanto o inglês americano da Virgínia e da Nova Inglaterra dos ‘cabeças-redondas’ protegidos pela distância e pela rude casca provinciana, conserva as entonações anteriores ao cosmopolitismo europeu e francófono do século XVIII”. (Idem, p. 48)
Ainda conforme o autor sobre o espaço das luzes, “no espaço-tempo duma Europa dilatada, as dimensões do homem são, pela primeira vez, realmente transformadas. A dilatação do homem é o primeiro objetivo que a filosofia das Luzes assumirá. Esta anima-o a penetrar no domínio reservado da política e da religião. Esta dilatação do homem guia, do exterior, o pensamento do Aufklärung; é indissolúvel do Estado, agente activo, agente eficaz desta conquista do homem sobre si próprio.
Pela sua vontade de espaço, de poder, o Estado deu um empurrão para a frente às franjas pioneiras, pela preocupação de melhor se apoderar, de melhor contar o homem, construiu os dados estatísticos de base. Não fosse isso, não fosse o Estado e não haveria assimetria social nem, à falta de dados, expansão dos espírito científico mecanicista, na direção do homem. O Estado (assim como a ratazana, o rato cinzento da Noruega), deram cabo da peste. (...) A fome tornou-se mais rara e a guerra humanizou-se”. (Idem, p. 165)
O pensamento iluminista do século XVIII era ao mesmo tempo fruto do Ancien Regime e crítico ao mesmo. E no centro da crítica das Luzes estava o debate sobre as ideias políticas. A partir da morte de Richelieu, da consolidação do governo de Mazarino e a ascensão de Luis XIV, o rei Sol, os investimentos institucionais, principalmente nas artes, começaram a formar um fermento cultural erudito promovido pelo Estado para promovê-lo.  Em outras palavras, a crítica social realizava-se no interior da própria monarquia.
Nas reflexões políticas e filosóficas estavam incluídas as ideias de Reforma, o Despotismo Esclarecido, até as ideias do “estabelecimento da igualdade jurídica e moral’ e a ‘consciência da liberdade’. Dentre os filósofos, Rousseau representava a doutrina da bondade natural, que, segundo Cassier significava uma questão central: ‘Como o mal e a culpa podem ser imputados a natureza humana, se ela própria, em sua constituição original está livre de todo o mal e de toda a culpa que desconhece toda perversão radical”. Nesse eixo de pensamento, o filósofo, de origem suíça e calvinista, chegava a Paris com mais de trinta anos. Ele ainda criticava a instalação das ostentações e dos deveres sociais, pois Paris, conforme Cassier, “representava o auge e o momento áureo da cultura palaciana – e a verdadeira virtude desta cultura consiste na cortesia refinada com a qual se recebia todo estrangeiro”. (CASSIER, p. 44). Neste sentido, no Discurso sobre a origem da desigualdade, aparecia essa procura pela exigência simples e pelo fim do peso de “toda a ostentação do conhecimento”. (Idem, p. 45)
Contudo, Franco Venturi critica a análise de Cassier sobre o iluminismo ao “colocar o problema do impacto da tradição republicana no desenvolvimento do iluminismo”. Este objetivo levava à abordagem da “relação entre utopia e reforma”. (VENTURI, p. 28). Neste contexto, a França voltava-se para a compreensão da “forma antiga à tradição republicana européia”. (Idem, 45). Resumindo esta preocupação com os estudos das ideias políticas no centro do poder monárquico, Venturi observa que
“(...) Na década de 1680, a França, sob Luis XIV, empreendeu uma ação muito mais ágil e articulada visando desmembrar a velha república. A política francesa interferiu de cima a baixo na escala social, procurando usar as mais antigas famílias feudais, os Fiesch, por exemplo, e ao mesmo tempo, a nobreza mais recente, bem como os burgueses, ou seja, procurando usar aquela camada que à sombra dos privilégios patrícios continuara a existir e a se desenvolver depois da cristalização da constituição de Gênova. Luís XIV procurava, em suma, se apoiar sobre a mesmas forças que estavam na base do seu poder na França, da nobreza – atraída à corte – a todos que se demonstravam capazes de se inserir no Estado absolutista por meio de venda de cargos e da política mercantilista de Coubert.”
“(....) Logo, em Paris, ao conservadorismo do poder, foi se contrapondo com a Encyclopédie, uma crítica cada vez mais radical e um início da interpretação iluminista da inquietação sempre mais extensa e do descontentamento sempre mais difuso”. (VENTURI, p. 92)
Em 1748, Montesquieu publicava o Espírito das Leis com, segundo Venturi, “diagnóstico pessimista” e “ideal republicano”. (VENTURI, p. 95)
As ideias sobre o conceito de república suscitava debates e reflexões. Conforme Venturi,
“(...) embora fora da história ativa e imediata, fora dos conflitos e das batalhas, as ideias republicanas eram ainda capazes de suscitar uma vontade de independência e de virtude que os Estados Monárquicos, como explicava Montesquieu, com sua autoridade, em 1748, não estavam em condições de satisfazer. Em meados do século, a palavra república ainda tinha um eco profundo no ânimo de muitos, mas como forma de vida e não como forma política. Havia toda uma investigação a fazer sobre o significado da palavra república, por volta de 1750, entre livros e jornais, entre evocações do passado e germes de remanescentes utopias. Admiração e caricatura se alternavam nas imagens do republicano diligente e ativo, solene e livre. Existia, certamente, a moral  republicana quando as formas estatais que a haviam acompanhado pareciam antigas e decadentes ruínas. Sobrevive uma amizade republicana, um sentido republicano do dever, um orgulho republicano mesmo em um mundo agora mudado, até mesmo no próprio coração do Estado monárquico, na corte, no mais profundo ânimo de homens poderia parecer completamente integrado ao mundo do absolutismo”. (VENTURI, p. 140)
Venturi destaca a ideia de que havia um “fermento republicano” na França durante meados do século, com as reflexões de Alexandre Daleyere, que se repugnava com o estado de Paris e encontrava Rousseau. Para Venturi,
“De 1758 a 1793, dos Pensées républicaines à guilhotina, trinta e cinco anos haviam transcorridos. Valeria a pena seguir Deleyre passo a passo ao longo do seu caminho solitário. Ver-se-ia como foram acumulando os pensamentos que transformaram um philosophe num jacobino. Toda a sua insociabilidade e rebelião, toda sua melancolia ou renúncia, nos conduzia a um canto oculto do mundo dos enciclopedistas e nos poria em contato com aqueles  contrastes e aquelas contradições que estavam fermentando entre Diderot e Rousseau, entre a França do contrato social e a Itália da Beccaria, e que terminaram por desaguar na revolução. Deleyere, com sua sensibilidade exasperada e a sua cultura cosmopolita, é um dos melhores testemunhos da transformação que poucos outros viveram tão intensamente”. (VENTURI, p. 159)
O fermento intelectual na década de 1740 ocorria na França, com a formação da Encyclopédie, o Esprit des lois de Montesquieu e Pensées Philosophiques de Diderot, em 1746. E no centro deste movimento intelectual estava Paris, cidade que estava em um “ambiente já cosmopolita, ainda que imposto de obscuros professores alemães como Sellius, e de outros tantos ignotos escritores ingleses como John Mills. Também Diderot e Rousseau, de resto, são todos desconhecidos no início dos anos quarenta. É uma nova geração, e é também um ambiente social totalmente diferente de um Fontenelle, de um Montesquieu, de um Volteire, para somente nomear os homes que dominam então o horizonte intelectual da França. É um mundo extraordinariamente vivaz de boêmios, de tradutores, de gente que vive da própria pena e para as próprias ideias. Nos anos que Voltaire procura se avizinhar da corte e da academia e em que se chega de maneira surpreendente a estabelecer um modus vivendi até mesmo com o papa Benedito XIV, em que Montesquieu trata e discute quase como um poder com o governo francês e com a igreja da política do seu tempo – algumas vezes fazendo concessões outras não, de acordo com as circunstancias, qual verdadeiro juiz e grande senhor, distante e genial – esse grupo de jovens era vigiado de perto pela política e arriscava terminar encarcerado no castelo de Vincennes como aconteceu com Diderot em 1748, no momento geral aos elementos heterodoxos. Nos anos em que o país estava finalmente saindo da guerra, esses jovens estavam em continua guerra com a censura, com as regras corporativas da librarie, até mesmo com a própria família, e com o ambiente do qual provinham. É o grupo extraordinariamente livre, interna e externamente. Diderot é animador, d’Alembert segue-o com relutância. Rousseau interpreta a seu modo as ideias e os entusiasmos do grupo. Eles recusam toda proteção para a nascente Encyclopédie, bem como qualquer rígida organização interna. Não eram dependentes do Estado. Não eram uma academia. Eram um grupo de filósofos livres”. (VENTURI, pp. 222-223)
Tratando do movimento destes filósofos, Foucault, em uma série de conferências sobre Kant e a Ilustração realiza uma arqueologia da racionalidade política, discutindo uma “geneaologia dos políticos modernos da razão”, interpretada por intermédio de uma crítica do discurso da existência e reprodução do poder. (Apresentação de Silvio Maltoni in: FOUCAULT, 1996, pp. 9-15)
Para Foucault, uma das tarefas centrais da Ilustração era “multiplicar os poderes da razão”. Os homens desse movimento pensavam sobre o indivíduo e suas liberdades, assim como na sua espécie de sobrevivência. (Idem, pp. 17-18)
Para Kant era preciso sobrepor a razão à experiência. E, naquele momento, isto significava a necessidade de pensar racionalmente e em termos críticos o “desenvolvimento dos Estados Modernos, e a organização política da sociedade”, vigiando os abusos de poder da racionalidade política. (Idem, p.18)
O caminho de estudar os “vínculos entre a racionalização e o poder” eram por meio de:
1.              Tratar da racionalização da sociedade e da cultura, analisando os “processos em seus vários domínios – que se arraigam cada um deles em uma experiência fundamental: loucura, enfermidade, morte, crime, sexualidade, etc;
2.              Ao estudar a racionalidade é preciso entender que “tipo” de e “princípios” de racionalidade se apresentam;
3.              A Ilustração foi uma faze histórica com extrema relevância para a compreensão do “nosso próprio processo histórico”. Ou seja, estudar o passado Ilustrado, segundo Foucault é fundamental para se explicar o presente. (Idem, p. 19)
Foucault pensa em várias temáticas relacionadas à história da modernidade e ilustração, como a “organização do Estado”, a administração do mesmo, a burocracia e as técnicas de poder.  Sobre este último ponto, destaca o “poder individualizador”, isto é, a maneira continua e permanente da maneira dos indivíduos dirigirem a forma política de um poder centralizado chamado de Estado. (Idem, p. 20)
Discutindo os Estados Modernos e a organização das cidades, Foucault critica tal fato, como um “jogo de pastor e rebanho”, ou, como formas “demoníacas”. Em outras palavras, apesar de entender a formação do estado no sentido moderno (determinado predominantemente pela racionalidade política), critica tal relação como sendo um jogo de domínio e poder. Segundo o mesmo, “surpreendente é que a racionalidade do poder do Estado era reflexiva e perfeitamente consciente de sua singulariedade. Não estava encerrada em práticas espontâneas e cegas, e não ascendeu a luz alguma análise retrospectiva. Foi formulada em particular em dois corpos de doutrina: a razão de Estado e a teoria da política. Estas duas expressões seguem sentidos estreitos e prerrogativos. Todavia, durante os quase cento e cinquenta ou duzentos anos que levou a sua formação, os estados modernos conservaram um sentido muito mais amplo do que hoje”. (Idem, pp. 44-45)
A doutrina da razão do Estado tentava definir os princípios e métodos do governo estatal, como a maneira em que Deus governava o mundo, o padre, a família, ou um superior, sua comunidade. Dessa forma, a doutrina política definia a “natureza dos objetos da atividade racional do Estado, definindo a natureza dos objetos que este perseguia...”(Idem, p. 45)
De acordo com Foucault, a “razão do Estado” é considerada como uma “arte”, ou seja, uma “técnica, a qual se submete a determinadas regras. Essas regas não atraem simplesmente o costumes, ou as tradições, mas também o conhecimento – o conhecimento racional”. A racionalidade de governo de estado para nós é considerada arbitrária e violenta, contudo, para os que a vivenciavam fazia parte da “razão de Estado”. E essa “arte de governar racional” era fruto da observação da “natureza do que se governa, neste caso, o Estado.” (Idem, p. 47) O fim desse governo é demarcar sua potência em um “marco extensivo e competitivo”. (Idem, p.51)
A preocupação do Estado estava em assistir e controlar a polícia, o exército, a fazenda e a justiça. Esses temas foram reformados durante os governos monárquicos de José II e Catarina, a Grande, por intelectuais que pensavam a política e a intervenção do Estado. (Idem, p. 59)
O nascimento deste Estado, em termos foucautianos, mantinha um projeto e uma prática policialesca, em uma maneira e constituição “individualizante e totalitária. Essa racionalidade política desenvolveu-se e se impulsionou no fio da história das sociedades ocidentais. Arraigou-se primeiro na ideia de poder pastoral, logo na razão de Estado. A individualidade e a totalização não pode prevenir mais do ataque a um ou a outro de seus efeitos, se não de raízes mesmas da racionalidade política”. (Idem, p. 65)
Refletindo  o que é a ilustração, Foucault discute o texto de 1784 de Kant, na ideia da uma história universal do ponto de vista político, um texto sobre o Aufklárung. Em resumo, o presente é considerado um acontecimento filosófico, que pertence ao filósofo que discorre sobre o mesmo. Se considera a filosofia como “prática discursiva”, problematizando o presente discursivo pertencente a uma “comunidade humana” que se remete, por sua vez, a um “conjunto cultural”. (Idem, pp. 69-70)
Essa filosofia como problematização da atualidade e como interrogação do acontecimento filosófico a situava como “um discurso da modernidade e sobre a modernidade”, segundo Foucault. (Idem, p. 70) Nessa linha de pensamento, a trajetória das ideias eram provenientes da filosofia de Decartes e Kant, os fundadores da “filosofia moderna”. Ou seja, a filosofia que pensa em atuar na sua própria contemporaneidade. A partir daí pensa-se na genealogia da noção de modernidade, ou seja, do “processo cultural que tomava consciência de si mesmo”, Aufklárung. (Idem, pp. 72-73)
Conforme Foucault, Aufklárung foi um momento histórico que se formulava a história geral do pensamento, relacionando-a com o presente e as “formas de conhecimento, de saber, de ignorância, de ilusão, nas quais sabe reconhecer sua própria situação histórica”. A questão da “Auflárung” é manifestar-se sobre a maneira de filosofar ao longo dos séculos. “Uma das grandes funções da filosofia chamada de moderna (cujo conhecimento pode situar-se em meados do século XVIII) é interrogar-se sobre sua própria atualidade”. (Idem, p. 72)
Esse movimento inaugurava a modernidade europeia, para Foucault, que o entendia como um “processo permanente”, manifestado na “história da razão e no desenvolvimento e na instauração de formas de racionalidade e técnica, autonomia e autoridade de saber”, sendo “uma questão filosófica inscrita desde o século XVIII no nosso pensamento”. (Idem, p. 80) Esta filosofia inaugura a modernidade.
Definindo modernidade, Foucault afirma que é “uma vontade de glorificar o presente, contudo, esta heroificação é irônica”. A ironia está em que o homem moderno busca a compreender e elaborar-se a si mesmo. Desse modo, o ethos filosófico da modernidade é criticar-se continuamente a si mesmo de maneira reflexiva, histórica e crítica. Essa crítica, portanto, é a profissão de fé da ilustração. (Idem, pp. 85-11)
Lothar Kreimendal, em A filosofia do século XVIII como a filosofia do Iluminismo, afirma que “o século XVIII é considerado o século do Iluminismo”, marcando este “período, que engloba a secularização da política, na cultura, na literatura e na religião, ou seja em todas as manifestações da atividade humana”. (KREIMENDAHL, p. 7) Para o mesmo, “o conceito de Iluminismo pode não ser tomado no sentido histórico como designativo de uma determinada época, como também se adapta como conceito pragmático para a caracterização de certa postura espiritual que transparece no dito horaciano Sapere aude e que não foi utilizada pela primeira vez por Kant em seu conhecido ensaio iluminista de 1784, quando o elegeu como lema para o Iluminismo e para o qual talhou a seguinte famosa tradução. Tem coragem de fazer uso da tua própria inteligência!”. (Idem, pp. 8-9).
De acordo com Kreimendahl o Iluminismo abrangia a cultura europeia a partir de 1680. Nesse momento inicial, encontra-se o Tratactus Theologico-Politicus de 1670 de Spinoza. A partir dai, o movimento abrange um maior número de cidadãos, abrangendo também a classe média, como exemplo maior a Encyclopédie, publicada por Diderot e d’Alembert em 1751. Neste último momento, já se encontra desgastado com o aparecimento do “Romantismo inicial”. (Idem, pp. 10-11)
Na Inglaterra, a partir da Revolução Gloriosa de 1688, a “democracia parlamentarista” e a tolerância religiosa marcavam o avanço dos livres pensamentos iluministas. Voltaire, em exílio londrino (1726-1729) declarava sua admiração pelos ingleses. Os Principia de Newton e Essay de John Locke marcaram o movimento. Segundo Kreimendahl,
“(...) Fundamentado em seu princípio básico e empírico, Locke sondava as ideias do intelecto e tentava explicar suas origens por meio da experiência. De acordo com seus contemporâneos, ele teve sucesso a ponto de transformá-lo na autoridade máxima da filosofia do seu tempo”. (Idem, p. 14)
Na França, de acordo com o mesmo, florescia a cultura aristocrática já em 1682 com Pierre Bayle, combatente da “superstição” e o “preconceito”. Para Robert Darton, entretanto, o Iluminismo restringia-se a Paris no início do século XVIII. (Idem, p. 16) Contrapondo-se a isso, Kreimendahl declara que
“Diferentemente da linha empírica da ciência (natural) do Iluminismo britânico, o francês tem orientação sociocrítica e dirige-se contra a Igreja, contra instituições repressivas e contra a burguesia. No terreno metafísico, representa um materialismo que acaba evoluindo religiosa e filosoficamente para o ateísmo”. (Idem, pp. 17-18)
Na Alemanha, de acordo com o mesmo autor, o Iluminismo atingia seu ápice com as obras de Kant e Mendelssohn, publicadas no Periódico Mensal Berlinense, e, podia ser imitado por quatro gerações, abrangendo os anos de 1680 à 1790. (Idem, pp. 22-23)
Sintetizando a definição do movimento iluminista, Kreimenahl afirma que
“A enorme expansão do pensamento iluminista estava ligada a uma série de pressupostos e condições. Considerando a atualidade dos temas propostos, a comunicação entre os simpatizantes do Iluminismo ocorria inicialmente apenas por via oral. Círculos privados, os salões e os cafés eram os lugares em que as conversas conspiradoras podiam ser mantidas. No início, especialmente na França, onde havia forte censura em oposição ao que ocorria na Inglaterra, a documentação escrita circulava apenas de mão em mão. Obras impressas eram executadas, quando muito, em impressoras clandestinas de lugares fictícios na Holanda liberal. Isso explica a relativamente elevada incidência de obras francesas na literatura clandestina. As obras tinham de ser adaptadas ao público-alvo, qual seja, os cidadãos cultos. Gradativamente o latim era substituído pela língua nacional, dando-se preferência às formas mais agradáveis de leitura, como os ensaios, dialógicos ou relatos de viagens, sobre volumosos tratados. O progresso da técnica da imprensa possibilitava maior rapidez e, consequentemente, uma reação mais rápida dos iluministas a acontecimentos atuais, além de baratear os custos, o que permitia atingir círculos mais amplos. O mercado livreiro internacionalizava-se, e a crescente tendência ao jonarlismo contribuiu para a eficácia do movimento iluminista”. (Idem, p. 27)
Como característica do Iluminismo, Kreimendahl destaca os combates ao “preconceito” e à “superstição”. No primeiro caso, para superá-lo era necessário recorrer ao conhecimento histórico, como no caso de Voltaire e Hume. (Idem, p. 30)
Outro valor marcante do Iluminismo é a liberdade de pensamento e a profusão de debates, o que fazia com que houvessem muitas diferenças entre os seus pensadores. Em termos de região, de maneira geral o “Iluminismo alemão é mais orientado na metafísica, em oposição à orientação científica e empírica inglesa e a sócio-crítica e materialista francesa”. (Idem, p. 33)
Não obstante, o século XVIII também possuiu opositores ao movimento, na França, Rousseau com Nouvelle Héloise (1761) e o movimento do Sturm und Drang (tempestade e ânsia) na Alemanha, foram contrários ao Iluminismo. (Idem, pp. 36-37)
Todorov, em O espírito das Luzes, defende a ideia de que nesta época o debate era muito mais valorizado do que o consenso, havendo um projeto de emancipação e autonomia intelectual. Segundo o mesmo, no “mundo desencantado das luzes” havia uma crítica maior com as relações entre religião e Estado. A religião tornava-se uma decisão individual. O autor também valoriza a liberdade do conhecimento da ciência, da tolerância e o “combate pela liberdade de consciência” (TODOROV, 2008, p. 17)
Todorov entende que a liberdade humana e na capacidade de escolha encontravam em Rousseau seu maior ícone. Havia, assim, uma revolução no pensamento iluminista, na qual a crítica tornava-se o principal mote. “A máxima de pensar por si mesmo é as Luzes”, afirma o autor. (Idem, pp. 49-51) Discutindo o papel da autonomia iluminista, afirma que “paralelamente à libertação do povo, o indivíduo adquire também sua autonomia. Ele se engaja no conhecimento do mundo sem se inclinar diante das autoridades precedentes, escolhe livremente a religião, tem o direito de exprimir seu pensamento no espaço público e organizar sua vida privada como bem entende. Não é preciso crer que, um papel privilegiado com relação às tradições, os pensadores das Luzes prolonguem essa exigência com uma hipótese sobre a natureza dos homens: eles sabem muito bem que nossa espécie não é racional. (....)”. (Idem, p. 52)

Essa autonomia, de acordo com Todorov, “é desejável, mas autonomia não significa auto-suficiência. Os homens nascem, vivem e morrem em sociedade; sem ela, eles não seriam humanos. É o olhar sobre a criança que está na origem da consciência, é o comando dos outros que o desperta para a linguagem. O próprio sentimento de existir, ao qual ninguém pode subtrair-se, porém da interação com os outros. Todo ser humano é acometido de uma insuficiência congênita, de uma incompletude, à qual busca preencher afeiçoando-se a seres que o cercam e solicitando o afeto deles. É ainda Rousseau que exprimiu mais fortemente essa necessidade. Seu testemunho é particularmente precioso, pois, enquanto indivíduo, fica constrangido entre os outros e prefere fugir deles. Mas a solidão é ainda uma forma de vida comum que não  é nem possível, nem desejável abandonar”. (Idem, p. 53)

Bibliografia
CASSIER, Ernst. A questão de Jean-Jacques Rousseau. São Paulo: Unesp, 1999.
CRAMPE-CASNABERT, Michéle. A mulher no pensamento filosófico do século XVIII. In: DUBY, Georges e PERROT, Michelle. História das Mulheres: do Renascimento à idade Moderna. Porto: Afrontamento, 1991, Vol.3, pp. 369-407.
CAHUNU, Pierre. A civilização da Europa das Luzes. Lisboa: Editorial Estampa, 1985.
DULONG, Claude. Da conversação à criação. In: DUBY, Georges e PERROT, Michelle. História das Mulheres: do Renascimento à idade Moderna. Porto: Afrontamento, 1991, Vol.3, pp. 467-495.
FOUCAULT, Michel. Que es la ilistración. Madrid: La Piqueta, 1996.
KREIMENDAHL, Lothar. Introdução. A filosofia do século XVIII como filosofia do Iluminismo. In: KREIMENDAHL, Lothar (Org.). Filósofos do século XVIII. Uma introdução. Unisinos, 2004, pp. 7-47.
SONNET, Marline. Uma filha para educar. In: DUBY, Georges e PERROT, Michelle. História das Mulheres: do Renascimento à idade Moderna. Porto: Afrontamento, 1991, Vol.3, pp. 141-179.
TODOROV, Tzvetan. O espírito das Luzes. São Paulo: Ed. Barcelona, 2008.
VENTURI, Franco. Utopia e Reforma. Bauru, SP, 2003.