Löwy & Saye, em um pequeno belo livro,
Romantismo e Política, começavam o
debate questionando: “O que é Romantismo? Enigma indecifrável, verdadeiro
quebra-cabeça chinês, o fato romântico parece desafiar a análise científica não
apenas porque sua vasta diversidade resiste aparentemente a qualquer tentativa
de redução a um denominador comum, mas também e sobretudo por seu caráter
fabulosamente contraditório, sua natureza de concidentia oppositorium: a um só
tempo (ou era) revolucionário e contra revolucionário, cosmopolita e utopista,
democrático e aristocrático, republicano e monarquista, vermelho e branco,
místico e sensual. Contradições que atravessam não apenas o ‘movimento
romântico’, mas a vida e obra de um único e mesmo autor e, às vezes, de um
único e mesmo texto”. (p. 11)
Os autores analisam em conjunto boa pare
dos autores românticos e definem românticos até mesmo pensadores do século XX,
como Lukás, demarcado como romântico “anticapitalista”. (Idem, p.12)
Para os autores, “existe um certo número
de trabalhos marxistas que dão conta, de maneira dialética, a um só tempo das
contradições e da unidade essencial do romantismo, e não negligenciam suas
potencialidades revolucionárias. Ernst Fischer, por exemplo, define romantismo
como ‘um movimento de protesto – de protesto apaixonado e contraditório contra
o mundo burguês capitalista, o mundo das ‘ilusões perdidas’, contra a dura
prosa dos negócios e do lucro. A cada virada dos acontecimentos, o romantismo
dividiu-se em correntes progressistas e reacionárias. O que todos os românticos
tinham em comum era a antipatia pelo capitalismo (alguns encarando-o de um
ponto de vista aristocrático, outros numa perspectiva plebeia)”. (Idem, p. 16)
A perspectiva adotada pelos autores é a
idea de visão de mundo de Lucien Goldman, da longa tradição do pensamento
alemão. Eles discutem as visões de mundo dos tempos modernos, pós revolução
Francesa. Para os mesmos, “percebemos que há uma lacuna, sobretudo no século
XIX, em que o pensamento dialético e o positivismo, que continua a corrente
racionalista, certamente não representariam as únicas visões de mundo
predominantes da época. A totalidade significativa que preencheria essa lacuna
seria precisamente o fenômeno cuja primeira análise nos propomos a esboçar o
romantismo anticapitalista”. (Idem, p. 18)
Normalmente, o romantismo seria compreendido
como uma “desilusão” da Revolução Francesa. Não obstante, o mesmo contrapõe-se
ao desenvolvimento do capitalismo a partir da segunda metade do século XVIII na
Inglaterra. Na Alemanha, o Romantismo é testemunhado com o movimento Sturn und
Drang dos anos 1770 e sobretudo depois da obra de Werter de Goethe. Essa visão
de mundo anticapitalista sobrevive até as décadas de 1860 e 1870. (Idem, pp.
19-20). Enfim, “o Romantismo começa como revolta contra um presente concreto e
histórico”. (Idem, p. 20) Essa visão de “mundo desencantado” provém da Ética
Protestante e do Espírito do Capitalismo de Marx Weber.
Segundo os autores, “a sensibilidade
romântica percebe mais ou menos consciente e explicitamente – nessa realidade,
características essenciais do capitalismo moderno. O que é recusado, aquilo
contra o que se revolta, não é um momento presente qualquer, e sim um presente
especificamente capitalista e percebido em suas qualidades mais constitutivas.
Se por vezes há consciência da exploração de uma classe por outra (no campo
literário encontramos um nítido exemplo disso no retrato de John Bell, no
Chattterton, de Vigny), tal consciência está longe de estar sempre presente. Em
contrapartida, o que todas as tendências dessa visão denunciam por unanimidade
são as características essenciais do capitalismo, cujos efeitos negativos
atravessam as classes sociais, vividos como miséria por toda parte na sociedade
capitalista. Trata-se do todo poderoso, nessa sociedade, valor de troca – do
mercado e do dinheiro - , logo, do fenômeno de reificação. E em corolário à
reificação generalizada, a fragmentação social, o isolamento radical do
indivíduo na sociedade. Pois uma sociedade fundada sobre o dinheiro e sobre a
concorrência separa os indivíduos em nômades egoístas, hostis e indiferentes
aos outros. E sobretudo contra esses traços – os princípios profundos da
opressão que se exercem globalmente na sociedade – que o romantismo
anticapitalista se insurge”. (Idem, p. 21)
O movimento romântico está relacionado à
“experiência da perda” e revolta-se “contra o capitalismo: no real moderno algo
precioso se perdeu, tanto no que concerne ao indivíduo quanto à humanidade. A
visão romântica caracteriza-se pela dolorosa convicçãoo de que faltam ao real
presente certos valores humanos essenciais que foram alienados. Sentindo
aguçado, portanto, da alienação. No presente, uma alienação vivida
frequentemente como exílio”.(Idem, p. 22)
A nostalgia do passado e fuga do presente
capitalista, faz os românticos procurarem a origem dos romances cortês de
cavalaria, uma época de ouro em que estava-se livre da busca incessante por
dinheiro e os valores eram outros, de honra e coragem. Conforme os autores, a
“experiência de perda de um presente capitalista, nostalgia do que foi perdido,
localizado num passado pré-capitalista, e busca do que foi perdido no presente
ou no futuro: estes são os principais componentes da visão de mundo que aqui
exploramos. O que, porém, foi mesmo perdido para a sensibilidade romântica?”.
(Idem, p. 25)
Os romantismos foram divididos em tipos
ideais, como o Romantismo “restitucionalista”, marcado pela direita monarquista
e exemplificado pelo compositor Wagner; o Romantismo conservador, defensor da
ordem anterior à Revolução Francesa, cujo representante maior é Edmundo Burke;
o Romantismo Fascista; o Romantismo resignado, com uma visão trágica do mundo,
emblemático com George Simmel e Thomas Mann; o Romantismo Liberal, com
expoentes importantes como escritor Vitor Hugo e o historiador Michelet; e, por
fim o Romantismo Revolucionário e ou utópico. Este último possui uma série de
fragmentações voltados geralmente aos pensamentos das esquerdas. (Idem, pp.
29-31)
Sonhar em voltar à Idade Média, com
retorno ao passado nostálgico foi característica marcante do Romantismo
Restitucionista, mais focalizado na pré-nascente Alemanha. Já no Romantismo
Conservador, o maior representante era Edmind Burke e sobre este ainda, Löwy e
Sayre, afirmam:
“Um exemplo concreto que permite iluminar
melhor essa característica é o pensamento de Edmund Burke. Sua obra provém sem
dúvida do romantismo extremamente hostil à filosofia das Luzes, opõe em seu
célebre panfleto contra a Revolução de 1789 (Reflections on the Revolution in
France, 1790) as tradições entre cavalheiros, o velho espírito feudal da
vassalagem, à ‘era dos sofistas dos economistas e dos calculadores’,
estabelecido pelos revolucionários, os sábios e antigos preconceitos sociais,
frutos de uma ‘educação gótica e monacal’, à filosofia bárbara produzida por
‘corações frios’; a venerável propriedade de terras, herança de nossos avós, às
especulações sórdidas de agiotas e de judeus. Daí o extraordinário impacto de
seu livro na Alemanha, onde ele contribuíu para modelar as concepções do
romantismo político”. (Idem, p. 47)
Ou seja, a doutrina de Burke é anti-burguesa
e anti-revolucionária por excelência, partidária do Whig, grupo conservador que
se apoiava na Revolução Gloriosa de 1688.
O Romantismo Liberal possui uma definição
mais fugidia, havendo problemas em delimitar os termos de “liberal”, “democrático”,
“republicano”. O maior exemplo deste
grupo eclético é Vitor Hugo. (Idem, pp. 57-61).
Já o Romantismo Revolucionário e ou
Utópico podem ser subdivididos e:
1.
O Romantismo Jacobino-Democrático,
predominantemente crítico ao feudalismo e representado por Rousseau e Stendhal.
A respeito deste os autores observam que:
“A existência de um tipo
de Romantismo anticapitalista que se pode chamar de jacobino-democrático é uma
testemunha eloquente contra a afirmação da oposição absoluta entre romantismo e
espírito das Luzes. Longe de haver contradição e conflito necessário entre
esses dois movimentos, há uma parte importante do primeiro que é a herança
espiritual do segundo, a ligação se fazendo, no mais das vezes, por intermédio
de Rousseau, situado na junção entre os dois. O que caracteriza esse tipo de
romantismo – e o que o distingue do tipo liberal – é que constrói uma crítica
radical a um só tempo contra a opressão das forças do passado – a monarquia, a
aristocracia e a Igreja – e contra as novas opressões burguesas. Essa crítica
se faz (com exceção dos escritores – sobretudo Rousseau – que a precedem) em
nome da Revolução Francesa e dos valores representados por sua tendência mais
radical: o jacobinismo. Este se desdobra, às vezes, em um bonapartismo, na
medida em que Napoleão é visto como uma extensão eficaz e heroica do jacobinismo;
a admiração por Bonaparte paca, com frequência, entretanto, no 18 Brumário.
Diferentemente dos liberais, os jacobinos-democratas não chamam por evoluções
lentas, por compromissos e soluções demoradas, mas ante por rupturas
revolucionárias e subversões profundas”. (Idem, pp. 61-62)
Como pensadores deste
grupo, pode-se destacar, Stendhal, Heine e Willian Blake, este último escrevia
The French Revolution, nos anos de 1790-91. Para Shelley, outro membro deste
grupo, “a liberdade está inscrita na natureza do próprio mundo por Deus no
momento da criação....”. (Idem, p. 65) Ou ainda, “a idade que se aproxima
reflete-se no passado como em um espelho”. (Idem)
2.
O Romantismo populista, o qual criticava o
capitalismo industrial e as monarquias, cujo representante maior é Tolstoi;
3.
Romantismo Libertário Marxista, crítico ao
capitalismo, defensor da utopia socialista, defendido pelo Marx e os pensadores
marxistas, como Luckás, Bloch, Escola de Frankfurt e E. P. Thompson. Estes se
preocupavam com a luta de classe e a revolução social. Hebert Marcuse é
destacado como “o mais eminente romântico marxista contemporâneo”. (Idem, p.75)
Contudo, para os autores,
“é evidente que os produtores da visão do mundo romântica anti-capitalista são
certas facções tradicionais da intelligentsia, cujo modo de vida e cultura são
hostis à civilização industrial burguesa: escritores independentes, religiosos,
ou teólogos (muitos românticos são filhos de pastores), poetas e artistas,
mandarins universitários, etc. Qual é o fundamento social dessa hostilidade?”.
(Idem, p. 38)
O acontecimento importante
para os românticos foi a Revolução Francesa, havendo uma “corrente política e
intelectual que parece desconcentrar esse quadro clássico e bem ordenado: os
utopistas românticos”. (Idem)
Em outro livro, Revolta e
Melancolia, os autores retomam à questão da origem do movimento cultura,
distinguem a palavra do movimento. A palavra tinha sua origem nos substantivos
‘romantismo’, ‘romanticismo’, romanticism (inglês), Romantik (alemão) para caracterizar
os movimentos culturais contemporâneos. No entanto, os adjetivos remontavam ao
século XVII, com o retorno dos romances medievais, focando “as emoções” e a
“liberdade de imaginação”. (LÖWY, Michel & SAYE, Robert, 1995, pp. 70-71)
O Romantismo inglês surgia
em Coleridge e Wordsworth na passagem do século XVIII ao XIX, enquanto que na
França floresceria vinte anos mais tardes.
Löwy e Saye baseiam-se nas
ideias de Jacques Bousquet, para quem o fenômeno do romantismo é considerado um
‘imenso movimento cultural’, cujo começo era por volta de 1760 e ainda não
terminara. Esses autores o definem como o movimento da “generalização do
mercado, a cultura, a arte e literatura são, de modo algum, poupadas; na
segunda metade do século XVIII, intelectuais, artistas e escritores
tornaram-se, incomparavelmente mais do que antes, agentes livres nos diferentes
mercados de seus produtos culturais. Vai desaparecendo cada vez mais o sistema
de mercenato em proveito das vendas de livros e pinturas. Portanto, os produtos
da cultura têm de enfrentar a contradição entre o valor de troca de utilização
e o valor de troca de seus próprios produtos; o novo sistema sócio-econômico
vai atingi-los no mais íntimo deles mesmos”. (Idem, p. 72)
Para os mesmos autores,
nos países ao Leste Europeu e na região do Mediterrâneo, o “impulso
nacionalista” destacava-se e, consequentemente, as tendências românticas e a
modernidade não se apresentavam com tanta força, mesmo porque a burguesia era
“carente” de forças e a aristocracia “decadente”. (Idem, pp. 82-83)
Nesta perspectiva,
Hobsbawn, em Era das Revoluções, destacando o quadro do contexto da Revolução
Francesa e Industrial, afirma a primeira metade do século XIX, era “o triunfo e
a mais elaborada expressão das radicais ideologias de classe média liberal e da
pequena burguesia e sua desintegração sob o impacto dos Estados e das
Sociedades que haviam contribuído para criar, ou pelo menos recebido de braços
abertos. O ano de 1830, que morria o renascimento do maior movimento
revolucionário da Europa Ocidental depois da quietude que se seguiu à vitória
de Wartello também marca o início da sua crise. Tais ideologias ainda
sobreviviam, embora bastante diminuídas: nenhum economista liberal clássico do
último período tinha a estatura de Smith ou de Ricardo (nem sequer J. S. Mill,
que se tornou o típico filósofo economista liberal britânico na década de
1840); nenhum filósofo clássico alemão viria a ter o alcance ou o poder de Kant
e Hegel; e os girondinos e jacobinos da França de 1830, 1848 e depois disso
seriam pigmeus comparados a seus ancestrais de 1789-94. Os Mazzinis da metade
do século XIX não podiam se comportar de forma alguma com os Jean Jacques
Rousseau do século XVIII. Mas a grande tradição – a principal corrente de
desenvolvimento intelectual desde a Renascença – não morreu, foi transformada
em seu oposto. Marx foi, em estatura e enfoque, o herdeiro dos economistas e
filósofo clássicos. Mas a sociedade do qual ele esperava se torar profeta e
arquiteto era muito diferente deles” (HOBSBAWN, p. 349)
A presença da política,
neste momento, estava presente na música, como nas óperas, as quais eram
segundo Hobsbawn “escritas ou consideradas como manifestos políticos e armas
revolucionárias”. Além disso, continuando seu argumento, o autor afirma que “o
elo entre assuntos públicos e as artes é particularmente forte nos países onde
a consciência nacional e os movimentos de libertação ou unificação nacional
estavam se desenvolvendo. (...) Não foi por acaso que o despertar ou
ressureição das culturas literárias nacionais na Alemanha, na Rússia, na
Polônia, na Hungria, nos países escandinavos e em outras partes, coincidisse
com – e de fato fossem sua primeira manifestação – a afirmação da supremacia
cultural da língua vernácula e do povo nativo, ante uma cultura aristocrática e
cosmopolita que constantemente empregava línguas estrangeiras. É bastante
natural que este nacionalismo encontrasse sua expressão cultural mais óbvia na
literatura e na música, ambas artes públicas, que podiam, além disso, contar
com a poderosa herança criadora do povo comum – a linguagem e as canções
folclóricas. É igualmente compreensível que as artes tradicionalmente
dirigentes – cortes, governo, nobreza – a arquitetura e a escultura, até certo
ponto, a pintura, refletissem menos estes renascimentos nacionais”. (Idem,
355-356)
Dentre estas novas
culturas nacionais, Hobsbawn destaca as óperas italianas, os museus nacionais,
como o Louvre e a National Gallery de Londres, fundados em 1826. Contudo, “mesmo as artes de uma pequena
minoria social ainda podem fazer ecoar o trovão dos terremotos que abalam toda
a humanidade. Assim ocorreu com a literatura e as artes do nosso período, e o
resultado foi o ‘romantismo’. O autor destaca ainda a dificuldade de definir
este movimento, mas salienta o aspecto de que os “gênios literários” mantinham
contato direto com a vida boemia e o submundo. (Idem, pp. 357-362) “A ansiedade
que convertia em obsessão nos românticos era a recuperação da unidade perdida
entre homem e natureza. O mundo burguês era profunda e deliberadamente
anti-social. (...)”. Esse mundo deixou “as suas almas desnudas e solitárias.
Deixou-os sem pátria e sem lar, perdidos no universo... (Idem, p. 365)
Na Inglaterra, segundo
LÖWY e SAYE, “é a partir de 1760 que uma mudança cultural se torna aí
manifesta. Os sintomas dessa transformação se encontram maciçamente na
literatura e nas outras artes, e em medida mais reduzida somente na filosofia e
no pensamento político social que são amplamente dominados pela corrente
utilitarista. Portanto, sobretudo nas artes, um certo número de elementos
românticos se impõem e generalizam, sendo que o mais importante é a nostalgia
do passado”. (LÖWY, Michel & SAYE, Robert, 1995, pp. 83-84)
Ambos continuam suas
análises afirmando que, no campo do pensamento histórico, “a nostalgia da Idade
Média e da Renascença Inglesa – de fato, muitas vezes, as duas são entendidas
como fazendo parte de uma única época passada – mas também nas sociedades
‘bárbaras’ – nórdicas, gaélicas, escocesas, etc. – assim como da Antiguidade
grego-romana primitiva ou da sociedade camponesa tradicional. Ao mesmo tempo,
desenvolveu-se um culto de sentimento, da subjetividade, sobretudo em seus
aspectos lúgubres e melancólicos, uma celebração da natureza e uma crítica ao
espírito mercantilista e de industrialização”. (Idem)
Diferentemente, na França,
devido aos movimentos da Enciclopédia e do Iluminismo, o Romantismo exprimiu-se
sobretudo nas ares e na literatura (Idem, p. 84) Entretanto, a valorização da
“sensibilidade, melancolia, sonho, mal do século, deserto da cidade, natureza
idílica, natureza selvagem, a “faziam-se presentes”. Conforme os autores, Rousseau
era “o autor-chave na gênese do Romantismo Frances porque, ainda em meados do
século XVIII, soube articular toda a visão romântica do mundo”. (Idem, pp.
84-86)
Com o movimento Sturn und
Drag, na década de 1770, o qual abarcava os jovens Schiller e Goethe (Werther,
1764), na Alemanha, despontava o movimento romântico. Essa obra acabava por
arrebatar grande comoção em seus leitores no período.
Os autores destacam a
coexistência do movimento romântico com o iluminismo durante a passagem do
século XVIII ao XIX. Sintetizam a ideia de que encontram “toda espécie de
mistura, articulações, justaposições, hesitações e passagens entre as duas
perspectivas – com toda a certeza – divergentes, mas não totalmente
heterogêneas. Na célebre cartas de Schiller e Goethe, verifica-se a passagem de
um romantismo predominante para um espírito iluminista, também predominante,
sem ter existido ruptura completa entre duas mentalidades em estado puro”.
(Idem, pp. 88-89)
Para ambos, o Werther de
Goethe “representa uma critica da ambivalência e mentalidade burguesas, tanto
como aristocráticas”. Outro caso de complexidade e justaposição das
mentalidades era Rousseau, pois este escreveu textos relacionados “sobretudo
com o iluminismo”. (Idem, p. 89)
Elias Thomé Saliba, em As
utopias românticas, analisa “o romantismo – e o redemoinho da imaginação
utópica por ele desencadeado”, entre fins do século XVIII e meados do XIX, na
história da Europa. (SALIBA, p. 14)
Saliba destaca as
importâncias das Revoluções Francesa e Inglesa para a “reflexão romântica”. Em
outras palavras, os intelectuais europeus foram afetados profundamente pelos
acontecimentos revolucionários franceses. Contudo, a “vitória de Napoleão,
interpretada inicialmente, por Hegel como a possibilidade de implantação dos
princípios revolucionários, teve sua contrapartida no aprofundamento ainda maior da fragmentação do poder político
– da destruição da ‘unidade nacional’ alemã, sefundo Fichte. Assim, a vitória
dos princípios de liberdade poderia destruir a unidade, ao passo que a
imposição da unidade nacional poderia levar a destruição da liberdade. Por
menos real que fosse, esta polarização ambígua, entre questão nacional e
princípios revolucionários, ajudou a prolongar a instabilidade nos registros,
do sismógrafo, principalmente, entre os sábios e artistas alemães”. (Idem, p
22)
“Mme de Staël, em 1813,
caracterizou com rara astúcia, esta ambiguidade da intelligentsia alemã,
lembrando o conhecido epigrama: ‘os ingleses têm o império dos mares; os
franceses o da terra, mas os alemães apenas o do ar’. E completava, com um
toque ácido de sabedoria calculista: ‘a classe dominante alemã permaneceu
feudal e a classe intelectual perde-se em sonhos inúteis. A extensão do
conhecimento nos tempos modernos serve para enfraquecer o caráter, quando ele
não é reforçado pelo hábito dos negócios e o exercício da vontade. Em todo caso
é um registro marcante e sincero de uma sensibilidade feminina impressionada
com a subordinação das universidades, professores e da vida intelectual ao
poder político dos príncipes alemães; aquilo que um Schopenhauer encolerizado cognominava
de a ‘típica raça alemã dos intelectuais amanuenses’. Embora prosaica, a
caracterização tinha endereço certo: as profundas diferenças filosóficas e a
inveja pessoal que Schopenhauer nutria por Hegel, no auge do prestígio deste
último, por volta de 1820, na Universidade de Berlim”.
“Toda a tensão incoercível
de Napoleão em direção ao futuro, termina em fracasso exemplar; um fracasso
que, segundo os românticos, transcendia a sua própria particulariedade
bibliográfica, estava além das forças humanas, pois tratava-se de um fracasso
exemplo”(SALIBA, p. 24)
“Mal do século? Sem
dúvida, mas não uma mera inquietação metafísica ou existencial. O esboçar do
Antigo Regime, o traumatismo da Revolução, a mesquinharia de uma restauração
medíocre, a tibieza ou inexistência de opções sociais duráveis – todos estes
eventos foram registrados como abalos pelo sismógrafo francês da primeira
geração do século. A princípio, a geração de 1820 da intelligentsia francesa
identificava seu destino ao de uma aristocracia, posta um tanto a margem do
poder, daí certo sentimento neurastênico de inutilidade, de cansaço antecipado,
que transpira de certos registros de época. Mas, posteriormente, a maior parte
dos artistas e escritores franceses do período, próximos à burguesia, viram-se
mais propensos a defender e tematizar sobre um imaginário social, no qual os
homens passavam a depender menos dos privilégios herdados e mais dos talentos
individuais (...)”. (SALIBA, pp. 25-26)
“Este fracasso invencível
dos projetos mais consequentes de transformação social, inerentes à Revolução
Francesa, fracasso vivenciado sob a formação de uma paralisante crise de
identidade, foi propício ao engendrar do ingrediente básico das utopias
modernas: o desenraizamento do tempo presente. (....)” (SALIBA, p. 27)
“Resultante de uma nova
tomada de consciência da história, vislumbra-se aí o tema da infinita dinâmica,
inspirado nos famosos oráculos heraclitianos e, de resto, incorporado à
compreensão romântica de um progresso infinito, cuja realização dependia
basicamente da consumação e do tempo da história. (....)...esta idolatria do
tempo e da história constituiu, no fundo, resultado mental do colapso da
continuidade da história...”
“Esta idolatria do tempo e
da história que transformou as utopias românticas em autenticas ‘utopias de
final aberto’ também afetou, e profundamente a concepção do que se entendia por
política. A política não poderia ser mais, então, um conjunto de decisões
pragmáticas ou uma questão de disposições práticas, aplicáveis num determinado
momento ou ligar, por obra cristalino das autoridades constituídas. Nem, quando
muito, a ação resultante de leis constitucionais ou de legitimidade adquirida.
A política, na sua acepção geral, e, segundo a óptica das utopias românticas,
transcendia em muito todas estas prescrições. Colocada num patamar cultural
superior, de autentico humanismo universalista, considerava imperativo de
consciência decifrar os ditados desta potência obscura, a história, e
esforçar-se por cumprir as instruções escritas numa espécie de ‘livro do tempo’
(...)”. (SALIBA, pp. 66-67)
“Ao menos parte desta
ânsia pela universalidade, desta tensão incoercível pela harmonia viva do povo,
persiste no âmago do inconsciente coletivo, ainda que soba forma de migalhas
utópicas, fragmentos de mitos cotidianamente esquecidos e dissolvidos nas
espirais do tempo. Michelet (sempre ele) resumiu como nenhum outro esta
ansiedade utópica, quem sabe irrealizável ao declarar: ‘Temos apenas um único
desejo: perdermos no grande todo’. E Michelet terminaria, como grande parte de
seus contemporâneos, na dúvida e na resignação”. (SALIBA, p. 67)
“As utopias românticas,
gestadas na aurora da sociedade industrial e alimentado-se no torvelinho das
revoluções burguesas, surgiram como uma resposta ao desafio do seu tempo.
Diferentemente dos muitos antigos, os quais forjavam a cidade utópica como uma
espécie de reino milenar de paraíso futuro e eram, em muitos casos,
inacessíveis ao mais comum dos mortais, as utopias modernas e, em especial as
modalidades românticas....se esforçaram por imaginar um mundo ideal mais
acessível ou pelo menos, mais próximo dos homens reais”. (SALIBA, p. 89)
“O que não dizer que as
utopias, tanto as antigas quanto as modernas, esgotem-se no seu tempo;
Exatamente porque se esforçam em pensar nas impossibilidades e obstáculos do
presente, projetam-se para o futuro, lançando-se nos imprevisíveis caminhos da
invenção política e social”(Idem)
“Esta instrumentalização
das utopias românticas articulou-se, não raro, através de uma utilização
perversa e esterilizadora dos fins e valores contidos nos projetos utópicos.
Utilização que objetivava, exatamente, esconder tais finalidades e valores,
abstraindo-os e despojando-os de toda sua inquietante riqueza. Daí talvez esta
diferença contemporânea nas utopias românticas, este mal-estar do mundo moderno
que, preso à realidade dos fatos consumados e incapaz de conceber outras
alternativas, revela-nos uma das suas mais solventes facetas: esta ansiedade
quase doentia em domesticar e entravar o futuro social”. (SALIBA, p. 90)
Bibliografia
HOBSBAWN, Eric J. A era das revoluções (1748-1848). Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1981.
LÖWY, Michael. & SAYE, Robert. Romantismo e Política. São Paulo: Paz e
Terra, 1993.
LÖWY, Michel & SAYE, Robert. Revolta e Melancolia. O Romantismo na
contramão da modernidade. Petrópoles, RJ: Editora Vozes, 1995.
SALIBA, Elias Thomé. As utopias românticas. São Paulo: Brasiliense, 1991.