sábado, 8 de setembro de 2012

VIDA MATERIAL EM FERNAND BRAUDEL. IGOR RENATO MACHADO DE LIMA


Fernand Braudel, no primeiro volume de Civilização Material, Economia e Capitalismo. As estruturas do cotidiano: o possível e o impossível, trata da importância da lenta transformação no universo da vida material – dos consumidores, do consumo e das formas produtivas. Descreve com densidade as mudanças  quase imperceptíveis das condições elementares da vida, como as formas de alimentar, vestir, morar e de produzir em uma época muito diferente da atual, nesse aspecto. [1]
Esse primeiro volume da obra tripartida de Braudel, abordando o cotidiano e o consumo, ultrapassa o espaço geográfico da Europa e atinge regiões mais distantes dos centros econômicos como o Novo Mundo. Sendo assim, a cotidianeidade é definida pelo autor como
“(...) os fatos minúsculos que quase não deixam marca no tempo e no espaço. Quanto mais se encurta o espaço da observação, mais aumentam as oportunidades de nos encontrarmos no próprio terreno da vida material: os grandes círculos correspondem habitualmente à grande história, ao comércio longínquo, às redes de economias nacionais ou urbanas. Quando restringimos o tempo observado a duas pequenas frações, temos o conhecimento ou a ocorrência; o acontecimento quer-se, crê-se único; a ocorrência repete-se e, ao repetir-se, torna-se generalidade, ou melhor, estrutura. Invade a sociedade em todos os seus níveis, caracteriza maneiras de ser e de agir desmedidamente perpetuadas (...). É ao longo de pequenos incidentes, de relatos de viagem que uma sociedade se revela. A maneira de comer, de vestir, de morar, para os diversos estratos, nunca é diferente. E esses instantâneos afirmam também, de uma sociedade para outra, contrastes e disparates nem todos superficiais. É um jogo divertido, que creio não ser fútil, o de compor estas imagens”.[2]

Ademais, o autor coloca, em outro texto, “A longa duração” de 1958, em questão as diferentes temporalidades históricas, nas quais os acontecimentos articulam-se em basicamente três tempos entrecruzados, o curto, a conjuntura e a estrutura.[3] A reflexão de Braudel é importante por colocar limites ao papel dos indivíduos anônimos. Em outras palavras, o autor relaciona a atuação dos personagens com as “estruturas” de longa duração da vida material, sendo esta a infra-economia, ou as formas primárias de sobrevivência cotidiana. Contudo, o historiador define, neste artigo o plástico conceito de estrutura:

“...muito mais útil é a palavra estrutura. Boa ou má, é ela que domina os problemas de longa duração. Os observadores do social entendem por estrutura uma organização, uma  coerência, umas relações suficientemente fixas entre realidades e massas sociais. Para nós, historiadores, uma estrutura é  indubitavelmente um semblante, uma arquitetura; porém, mais ainda, uma realidade que o tempo tarda enormemente em desgastar e em transportar. Certas estruturas estão dotadas de tão larga vida que se convertem em elementos estáveis de uma infinidade de generalizações: obstroem a história, a interrompem e para tanto determinam seu transcorrer. Outras, pelo contrário, desintegram-se mais rapidamente. Mas todas elas constituem, ao mesmo tempo, sustenta obstáculos. Em tanto que obstáculos apresentam-se como limites (envolventes, em sentido matemático) dos que o homem e suas experiências não podem emancipar-se. Pensando-se na dificuldade de romper certos marcos geográficos, certas realidades biológicas, certos limites da produtividade, e até determinadas coações espirituais: também os enquadramentos mentais representam prisões de longa duração”. [4]

O pensamento estrutural de Braudel auxilia a pensar na longa duração dos modos de vida na época moderna. No entanto, estes enquadramentos levantam alguns problemas. Como compreender as relações entre estrutura, conjuntura e acontecimentos? Essa maneira de entender a realidade não engessaria os papéis dos indivíduos na História? Em outras palavras, os sujeitos históricos estariam presos às essas estruturas? Qual é o papel dos sujeitos  de diferentes gêneros, etnias e classe?
A historiografia, longe de responder definitivamente estas questões, não encontrou consenso. No entanto, as análises estruturalistas são cada vez mais raras, sendo praticamente ditas como um pensamento arcaico. Mas o pos estruturalismo, entretanto, têm dificuldades explicativas gritantes. Como compreender a crise atual e o seus efeitos? Todos nós temos responsabilidade pelos desencantos do mundo, sejam eles pessoais ou coletivos?
É triste em um país historicamente injusto e desigual como o nosso, pensar que os sujeitos são responsáveis por tudo quando a reprodução social e material da desigualdade possui uma longa duração na nossa história.


[1] Fernand Braudel. Civilização Material, economia e capitalismo. As estruturas do cotidiano: o possível e o impossível. São Paulo: Martins Fontes, vol. 1, 1997.
[2] Ibidem, p. 17.
[3] Sobre as diferentes temporalidades braudelianas ver: Fernand Braudel.  La Historia das ciencias sociales. Madrid: Alianza Editorial, 1970.
[4]“...mucho más útil, es la palabra estructura. Buena ou mala, es ella la que domina los problemas de larga duración. Los observadores de lo social entienden por estructura una organización, una coherencia, unas relaciones suficientemente fijas entre realidades y masas sociales. Para nosotros, historiadores, una estrutura es indudablemente un ensamblaje, una arquitectura; pero, más aún, una realidad que el tiempo tarda enormemente en desgastar y en transportar. Ciertas estructuras están dotadas de tan larga vida que se convierten en elementos estables de una infinidad de generaciones: obstruen la historia, la entorpecen y, por tanto, determinan su transcurrir. Otras, por el contrario, se desintegran más rápidamente. Pero todas ellas, constituen, al mismo tiempo, sostenes y obstáculos. En tanto que obstáculos, se presentan como limites (envolventes, en el sentido matemático) de los que el hombre y sus experiencias no pueden emanciparse. Piénsese en la dificuldad de romper ciertos marcos geográficos, ciertas realidades biológicas, ciertos límites de la produtividad, y hasta determinadas coacciones espirituales: también los encuadramientos mentales representan prisiones de larga duración”. Fernand Braudel. “La larga duração”. In: La Historia das ciencias sociales. Madrid: Alianza Editorial, 1970, pp.70-71.