quinta-feira, 11 de outubro de 2012

RESENHA: Patricia Seed. To love, honor, and obey in colonial Mexico. Conflicts over marriage choice, 1574-1821. California, U.S.A: Stanford University Press, 1988. IGOR RENATO MACHADO DE LIMA


Professora do departamento de História da Universidade da California, Patricia Seed trata dos conflitos matrimoniais no México colonial durante os anos de 1574 e 1821, buscando compreender as transformações das relações entre filhos e pais, bem como os valores de amor, honra e obediência das famílias de elite, da Igreja e da burocracia local.
Para o desenvolvimento do tema, divide a obra em três momentos. Na primeira parte, (1574-1689) analisa a escolha matrimonial dos noivos, os quais conseguiam definir os futuros cônjuges. As mudanças econômicas e culturais na sociedade espanhola e mexicana levou a uma série de alterações no ambito dos noivados, fazendo com que se fortalecesse a família patriarcal. Esses são os temas abordados em segundo lugar (1690-1779). Por fim, com o aparecimento da lei Pragmática de 1779, a qual se inicia a separação do Estado e da Igreja, o poder paterno ganhava nova intensidade e os pais decidiam muito mais no casamento dos seus descendentes.
A historiadora pesquisa nos arquivos da Cidade do México, em Madrid e em Sevilha, as licenças matrimoniais e os processos de propostas de casamento – os esponçais. Nos quais encontrou uma grande quantidade de conflitos pré-nupciais.
No que se refere à historiografia, Seed possui um amplo conhecimento das obras historiográficas sobre Família. Mas também conhece temas mais distantes a política mercantilista   e os  estudos sobre Honra e Vergonha no Mediterrâneo.
A hipótese de Patricia Seed é a de que a escolha pessoal do parceiro matrimonial no México colonial não originava de uma penetrante ideologia individualista, mas em um cânone clássico juridico e em idéias culturais sobre a expressão de uma vontade pessoal, como o amor, e, a importância da honra. (p.234)
Nos séculos XVI e XVII, os valores mais importantes para a sociedade espanhola e por conseguinte a mexicana colonial era a honra, relacionada ao amor, à vontade e à virtuosidade, sendo fundamental a castidade feminina e a importância da palavra dada masculina. Diferentente da Inglaterra e da França, na Espanha o amor na escolha matrimonial dos parceiros era um sentimento muito significativo, pois representava o desejo dos nudentes de se casarem e se procriarem segundo a legislação do Concílio de Trento (1545-1563). O sentimento amoroso significava a manutenção dos laços conjugais e a preservação do ideal cristão defendido pela Igreja no Novo Mundo.
Como nas Índias de Castela, o alto clero da Igreja como os arcebispos participavam intensamente dos tribunais coloniais  a serviço da coroa espanhola, esses mantinham a ortodoxia romana que ao se refrir ao casamento defendia a honra moral em detrimento daquela relacionada ao status e ao patrimônio. Também defendiam a paz entre as famílias como o ideal a ser alcançado.
Dessa forma, o alto clero defendia as filhas e os filhos da autoridade paterna e passavam a proteger a prole das famílias da elite mexicana, defendendo assim o amor em detrimento dos interesses de manutenção ou de ascenção econômica e social. Nessa perspectiva, os casamentos entre pessoas de camdas sociais distintas não era totalmente interditado.
Os vizinhos, os parentes mais distantes também apoiavam o acordos pré-nupciais dos filhos que se amavam em oposição ao desejo dos pais.
Em oposição à honra havia a vergonha - sempre pública - , a qual se relacionava ao adultério, ao concubinato e não cumprir com a palavra dada era o maior pecado realizado por um cristão.
A partir dos fins do Seiscentos, a sociedade metropolitana e colonial começava a sofrer mudanças como o desenvolvimento do capitalismo mercantil e do hommo economicus o fortalecimento da burocracia real espanhola e o início do enfraquecimento do poder espiritual no México colonial. A partir disso, a elite e os administradores passam a interessar-se, não mais pela honra moral e o casamento relacionado ao amor, mas a aquela aproximada ao status e dinheiro. Havendo, assim, dois valores de honra que entravam sempre em conflito quando se tratava da resolução dos impasses pré-nupciais.
A autoridade paterna passava a ser cada vez mais predominante, pois tinha respaldo dos juízes que cuidavam dos casos de conflitos pré-nupciais. Além disso, a importância da palavra dada masculina foi se desvalorizando com o tempo, sendo mais relevante o ganho econômico que este daria às mulheres sem reputação, sendo cada vez mais usual a penalidade pecuniária ao noivo que não honrasse o seu compromisso. Também a burocracia real deixava cada vez mais que as escolhas matrimoniais fossem de ambito “privado”.
O poder paterno crescia a partir do decreto de Carlos III, a Pragmática de 1776, que abria a possibilidade dos pais deserdarem os descendentes.
A partir do século XVIII, o amor foi cada vez mais relacionado à lascivia e um sentimento desvalorizado por não comportar a razão e por ter menos valor que o capital.
Assim, as mulheres que estavam para se casar nos séculos XVI e XVII tinham um apoio da Igreja e da comunidade, pois podiam fugir com os pretendentes e eram resguardadas em um convento por três dias. Mas a partir do século seguinte, a responsabilidade da preservação do status e da castidade ficava cada vez mais a seu encargo, pois perdia o apoio dos valores culturais da honra moral e do amor para casar-se.

Como recepção da obra, Edith Courtier. Book review.  In: The American Historical Review, vol.95, no. 2, (Apr., 1990), p. 629, delcara a obra de Patricia “não convinvente”, por não tratar do tema e de apenas de casos de conflito. Também aponta que as balisas cronológicas estão imprecisas, David Cahill. Book review. In: Bulletin of American Research, vol. 10, 1991, pp.85-87, destaca o papel pioneiro do trabalho de Patricia Seed, pois esta desenvolve o tema da família por meio dos valores culturais. No entanto, salienta a necessidade de desenvolver melhor os vários níveis de camadas sociais, pensando que o termo “aristocracia” é demasiado simplista para o México colonial.


[1] (L. Stone, L. Flandrin, Alan MacFarlane)
[2] (Eli F. Heckscher)
[3] (David Gilmore, J. Davis, José A. Maravall. Poder, honor y elites en el siglo XVII (Madrid, 1979, John Campbell. Honour, family and patronage. New York, 1964)