terça-feira, 20 de setembro de 2016

Revolução Francesa: observações históricas e historiográficas. Igor de Lima

                  “Se a economia do mundo do século XIX foi formada principalmente sob a influência da revolução industrial britânica, sua política e ideologia foram formadas principalmente pela Revolução Francesa. A Grã-Bretanha forneceu o modelo para ferrovias e fábricas, o explosivo econômico que rompeu com as estruturas socioeconômicas tradicionais do mundo não europeu; mas foi a França que fez suas revoluções e a elas deu suas aldeias, o ponto de bandeiras tricolores de um tipo ou de outro terem-se tornado o emblema de praticamente todas as nações emergentes, e a política européia (ou mesmo mundial) entre 1789 e 1917 foi em grande parte a luta a favor e contra os princípios de 1789, ou os mais incendiários de 1793. A França forneceu o vocabulário e os temas da política liberal e radical democracia para a maior parte do mundo. A França deu o primeiro grande exemplo, o conceito e o vocabulário do nacionalismo. A França forneceu os códigos legais, o modelo de organização técnica e científica e o sistema métrico de medidas para a maioria dos países. A ideologia do mundo moderno atingiu as antigas civilizações que tinham até então resistido as ideias europeias inicialmente através da influencia francesa. Esta foi a obra da Revolução Francesa”. (Hobsbawn. pp. 83, 84)
                   Abordando da crise do final do Setecentos, Hobsbawn afirma que esta  atingiu “os velhos regimes da Europa e seus sistemas econômicos e suas últimas décadas foram cheias de agitações políticas, às vezes chegando o ponto de revolta, e de movimentos coloniais em busca de autonomia, às vezes atingindo o ponto de secessão; não só nos EUA (1776-83) mas também na Irlanda (1782-84), na Bélgica e em Liège (1787-90), na Holanda (1783-7), em Genebra e até mesmo – conforme já se discutiu – na Inglaterra (1779). A quantidade de agitações políticas é tão grande que alguns historiadores mais recentes falaram de uma era de ‘revolução democrática’, em que a Revolução Francesa foi apenas um exemplo, embora mais dramático e de maior alcance e repercussão”. (Idem, p. 84)
                    Para Hobsbawn a Revolução Francesa foi “fundamental”, obtendo “consequências mais profundas”. (Idem, p. 85) Seus ideais atingiam o socialismo e comunismo modernos. (Idem, p. 85) Conforme o mesmo, “é a revolução de seu tempo, e não apenas uma, embora a mais proeminente, do seu tipo. E suas origens devem portanto ser procuradas não meramente em condições gerais da Europa, mas sim na situação específica da França. Sua peculariedade é talvez melhor ilustrada em termos internacionais. Durante todo o século XVIII, a França foi o maior rival econômico da Grã-Bretanha. Seu comércio externo, que se multiplica quatro vezes entre 1720 e 1780, causava ansiedade; seu sistema colonial foi em certas áreas (como nas Índias Ocidentais) mais dinâmicas que o Britânico. Mesmo assim a França não era uma potência como a Grã-Bretanha, cuja política externa já era substancialmente determinada pelos interesses da expansão capitalista. Ela era o mais poderoso, e sob vários aspéctos a mais típica, das velhas e aristocráticas monarquias absolutas da Europa. Em outras palavras, o conflito entre a estrutura oficial e os interesses estabelecidos do velho regime e as novas forças sociais ascendentes era mais agudo na França do que em outras partes”. (Idem, p. 86)
                    A crise do século XVIII francesa foi agravada pelos “problemas financeiros da monarquia. A estrutura fiscal e administrativa do reino era tremendamente obsoleta (...), a tentativa de remediar a situação através das reformas de 1774-76 fracassou, derrotado pela resistência dos interesses estabelecidos encabeçado pelos parlaments. Então a França envolveu-se na guerra de independência americana. A vitória contra a Inglaterra foi obtida a custo da bancarrota final, e assim a revolução americana pôde proclamar-se a causa direta da Revolução Francesa. Vários expedientes foram tentados com sucesso cada vez menor, mas sempre longe de uma reforma fundamental que, mobilizando a considerável capacidade tributável do país, pudesse enfrentar uma situação em que os gastos excediam a renda de pelo menos 20% e não haviam quaisquer possibilidades de economias efetivas. Pois embora a extravagância de Versailles tenha sido constantemente culpada pela crise, os gastos da corte só significavam 6% dos gastos totais em 1788. A guerra, a marinha e a diplomacia constituíam 1/4 , e metade era consumida pelo serviço da dívida existente. A guerra e a dívida – a guerra americana e sua dívida – partiram a espinha da monarquia”. (Idem, pp. 89-90)
                  A crise monárquica, de acordo com Hobsbawn, forneceu á aristocracia e aos parlaments a sua chance. Eles se recusavam a pagar pela crise se seus privilégios não fossem estendidos. A primeira brecha no fronte do absolutismo foi uma ‘assembléia de notáveis’, escolhidos a dedo, mas assim mesmo rebeldes, convocadas em 1787 para satisfazer as exigências governamentais. A segunda e decisiva brecha foi a desesperada decisão de convocar os Estados Gerais, a velha assembleia feudal do reino, enterrada desde 1614. Assim, a Revolução começou como uma tentativa aristocrática de recapturar o Estado. Essa foi mal calculada por duas razões: ela substimou as intenções independentes do ‘Terceiro Estado’ – a identidade fictícia destinada a representar todos os que não eram nobres nem membros do clero, mas de farto dominada pela classe média – e desprezou a profunda crise sócio-econômica no meio da qual lançava suas exigências políticas”. (Idem, p. 90)
                   O grupo social predominante revolucionário para Hobsbawn era a burguesias, sendo que “suas ideias eram o liberalismo clássico, conforme formuladas pelos ‘filósofos’ e ‘economistas’ e difundidas pela maçonaria e associações informais. Até este ponto os ‘filósofos’ podem ser, com justiça, considerados responsáveis pela Revolução. Ela teria ocorrido sem eles; mas eles provavelmente constituíram a diferença entre um simples lapso de um velho regime e sua substituição rápida e efetiva por um novo”. (Idem)
                    Não obstante, continua o historiador, no geral, a burguesia era apenas devota de um “constitucionalismo, um Estado secular com liberdades civis e garantidas para a empresa privada e um governo de contribuintes e proprietários”. (Idem, p. 91) Ainda conforme o mesmo, “oficialmente esse regime expressaria não apenas seu interesse de classe, mas também a vontade geral do ‘povo’, que era por sua vez (uma significativa identificação) ‘a nação francesa’. O rei não era Luis, pela Graça de Deus, rei de França e Navarra, mas Luis, pela graça de Deus e do direito constitucional do Estado, Rei dos Franceses. ‘A fonte de toda a soberania’, dizia a Declaração, ‘reside essencialmente na nação’. E a ‘nação’, conforme disse o Abade Sieyès, não reconhecia na terra qualquer direito acima do seu próprio e não aceitava qualquer lei ou autoridade que não a sua – nem a da humanidade como um todo, nem a de outras nações. Sem dúvida, a nação francesa, como suas subsequentes imitadoras, não concebeu inicialmente que seus interesses pudessem se chocar com os de outros povos, mas, pelo contrário, via a si mesmo como inauguradora ou participante de um movimento de liberação geral dos povos contra a tirania. (...) O povo identificado com ‘a nação’ era mais um conceito revolucionário; mais revolucionário do que o programa liberal-burguês que pretendia expressá-lo”. (Idem, pp. 91-92)
                  Enfim, contrapondo à Revolução, Hobsbawn observa que a “contra-revolução mobilizou contra si as massas de Paris, já famintas, desconfiadas e militantes. O resultado mais sensacional de sua mobilização foi a queda da bastilha, que fez do dia 14 de julho a festa nacional francesa, ratificou a queda do despotismo e foi saudada em todo o mundo como o princípio da libertação (...). O que é mais certo é que a queda da Bastilha levou a revolução para as cidades provincianas e para o campo”. (Idem, p. 94)
                   Interpretando os acontecimentos de 1789, Jean Starobinski, em 1789: os emblemas da razão, trata das transformações culturais sincrônicas a partir do ambiente deste período. Para este, “o ano de 1789 é um divisor de águas na história política da Europa. Traçaria ele uma fronteira na vida dos estilos?”, questiona-se. E pensando neste problema responde que “as revoluções não inventam imediatamente a linguagem artística que corresponde à nova ordem política. Por longo tempo ainda usam-se formas herdadas, mo momento mesmo em que se deseja proclamar a decadência do mundo antigo”. 
                   E continuando, afirma que “falar de 1789 é observar o surgimento da Revolução,  e não de seus feitos a longo prazo. É tentar compreendê-lo em seu aparecimento, na vizinhança de suas causas próximas, de seus preâmbulos, de seus sinais anunciadores. A maior parte das obras de arte que aparecem em 1789 não pode ser vista como consequência do fato revolucionário. Na França e fora da França, edifícios, quadros, óperas foram terminados no momento em que a rebelião abalava Paris e em que a monarquia francesa vacilava. Concebidas antes do acontecimento, levado por uma intenção de longo fôlego que nada mais devia à febre daqueles ardentes dias, essas obras parecem convidar-nos a interpretá-los independentemente do contexto que a história lhes deu. Semelhante coincidência não permite invocar uma derivação de causa e efeito”. (STAROBINSKI, 1998, p. 18)
                O autor, analisando a cultura artística do período revolucionário na Europa nota que “nessa aproximação entre as obras de arte e o acontecimento, a parte preponderante cabe ao acontecimento. Tão viva é a luz irradiada pela revolução que não há fenômeno contemporâneo que ela não ilumine. Quer prestem atenção nela ou a ignorem, quer a aprovem ou a condenem, os artistas de 1789 são os contemporâneos da Revolução. Nada pode fazer com que não sejam situados em relação a ela: é ela que, de certa maneira, os julga. Impõe um critério universal, que dá a medida do moderno e do antiquado. Promove, põe a prova uma nova norma do elo social, diante do qual as obras de arte não podem evitar adquirir um valor de aquiescência ou de repúdio”. (Idem, p. 19)
               Interpretando as obras de Francisco Goya (1746-1828), Starobinsky declara que em sua obra, profundamente mescladas até o angustia, a preocupação com a liberdade política, a violenta liberdade da imaginação temática, é essa liberdade de ‘toque’ que se manifesta no ato mesmo do pincel, do creiom ou da pena. A independência extrema da expressão é aqui própria de um homem que terá conhecido a maior dependência. O ano de 1789, para Goya, é o da consagração tardia de sua carreira oficial. É nomeado pintor da Câmara por Carlos IV, que acaba de chegar ao poder: executará os retratos solenes do rei e da rainha. (....)”. (Idem, p. 121) Contudo, é a partir da sua fragilidade de saúde que Goya, nos anos de 1792-93, com a surdez, que a sua sensibilidade aguça em seus quadros. (Idem, p. 125)
                Em suma, para o autor, “a França revolucionaria, foco de onde irradiava a luz dos princípios, e de que Goya esperava a expansão pacífica, faz irrupção sob a fisionomia de um exército violento, semeando a sua passagem os assassinatos e as violações absurdas. Uma inversão maléfica substitui a luz pelas trevas. A esperança foi traída, a história, que parecia progredir no sentido de liberdade, perde seu eixo positivo e se torna uma cena insensata. Como se vê, não estamos mais apenas na presença do que chamávamos, a propósito da arte neoclássica, de o retorno da sombra; vemos efetuar-se uma verdadeira permutação que substitui por uma fonte de trevas aquilo que de início parecia fonte de luz. (...)”. (Idem, p. 129)
                Michel Vovelle, em obra de síntese, em A Revolução Francesa, refaz o percurso histórico da Revolução Francesa, discutindo com autores revisionistas como François Furet, os quais fizerem uma revisão da mesma para as homenagens de duzentos anos. O autor, defende a perspectiva marxista e ainda traça avanços no debate, trazendo reflexões e explicações sobre os acontecimentos. Em primeiro lugar, declara que o Antigo Regime fora um período marcado pelo predomínio do feudalismo, da sociedade de ordens e do absolutismo. O feudalismo significaria a ruralidade da população francesa, a relação de trabalho servil, o grupo restrito de privilegiados proprietários das terras, bem como a justiça real em favor dos senhores. (VOVELLE, 2012, pp. 5-6) A sociedade organizava-se de acordo com critérios nobiliárquicos, como as patentes militares, as hierarquias psicossociais dos homens nobres, bem como os conflitos entre as ordens. (Idem, p. 8) Ademais, o absolutismo dignificava de maneira resumida a monarquia de direito divino, o catolicismo como a religião de Estado e as “cortes representavam as mais altas instâncias da justiça real, em Paris e nas Províncias. (Idem, pp. 8-9)
                Concordando com Hobsbawn, Vovelle acredita que a crise do Antigo Regime era fundamentada em causas profundas (marcadas pelas continuidades) e imediatas (marcadas pelos últimos acontecimentos e pela conjuntura. O autor destaca, como o inglês, a crise econômica e a alta nos impostos, como o imposto sobre o sal, a incapacidade reformista dos ministros de Luís XV e de Luís XVI, a contestação aos privilégios da aristocracia nobiliárquica, tanto da nobreza cortesã quanto da provinciana. (Idem, p. 10)
               Durante os anos de 1787 e 1789, mesmo a nobreza entrava em confronto com o rei, a favor dos “privilegiados” e contraditoriamente impossibilitando a salvação do “sistema monárquico”. (Idem, pp. 12-13) E, Vovelle insere seu trabalho a questão: “Revolução Francesa, revolução da miséria ou revolução da propriedade. (Idem)
                Para responder essas questões começa a narrar os problemas centrais como a crise de fome, carestia de alimentos, alta dos preços, fatos estes que faziam as camadas populares se associaram “a uma reivindicação burguesa que se insere indiscutivelmente na continuidade da prosperidade secular”. (Idem, pp. 13-14) No quadro da participação dos grupos sociais, o autor também destaca o papel da rica, mas diminuta burguesia mercantil no período revolucionário. (Idem, pp. 15-16) Em suma, “a verdadeira burguesia, no sentido moderno do termo, encontra-se entre os construtores, comerciantes e negociantes dos quais grande parte se estabeleceu nos portos – Nantes, La Rochelle, Bordeaux e Marselha –, tirando do grande comércio marítimo uma riqueza muitas vezes considerável. Enfim, encontramos banqueiros e financistas ativos em certas praças (Lyon), mas concentrados essencialmente em Paris”. (Idem, pp. 15-16)
                 Na perspectiva ideológica, Vovelle declara que na literatura e nas estruturas sociais do Iluminismo, a burguesia se impunha percebendo a incapacidade das reformas da monarquia, que se agravava com o auxílio desta à guerra de independência dos Estados Unidos e as crises econômicas já apontadas por Hobsbawn. 
                 Durante o ano de 1789, para Vovelle ocorriam três revoluções: a constitucional (parlamentar); a urbana e municipal; e, a revolução camponesa. (Idem, pp. 20-25) Segundo o autor, “os Estados-Gerais foram abertos solenemente em 5 de maio de 1789; em menos de três meses, proclama-se Assembleia Nacional Constituinte e a vitória do povo parisiense em 14 de julho garantia o sucesso do movimento: esses três meses decisivos viram os elementos de uma situação explosiva amadurecerem até as últimas consequências. Pela primeira vez, a campanha eleitoral deu realmente ao povo francês o direito a palavra. (...)”. (Idem, p. 20) O terceiro Estado lutava nesse momento para que o voto fosse por cabeça e não por “ordem”. 
                      Discutindo o momento da Queda da Bastilha, invasão popular e destruição da prisão onde os presos eram esquecidos pela justiça, Vovelle declara que “desde o início de julho, valendo-se do contexto das assembleias eleitorais nos Estados Gerais, a burguesia parisiense estabeleceu as bases de um novo poder e o povo da capital começou a se insurgir, incendiando os postos da alfândega municipal. O recrudescimento dos tumultos no dia seguinte à demissão de Necker [ministro real reformador] levou à jornada decisiva de 14 de julho: o povo toma a Bastilha, fortaleza e prisão real, que ainda resistia. O alcance desse episódio vai muito além de um acontecimento pontual. Ele é o símbolo da arbitrariedade real e, de certo modo, do Antigo Regime que se encontra em decadência. A revolução popular parisiense avança em julho, após a condenação à morte de Berter de Sauvigny, intendente da generalité de Paris, e sobretudo início de outubro (nos dias 5 e 6), quando os parisienses, seguidos da Guarda Nacional, respondem às novas ameaças de reação, marchando sobre Versalhes para trazer de volta a família real; ‘o padeiro, a padeira e o aprendiz do padeiro’. Um programa que associa reivindicação política (controle da pessoa do rei) reivindicação econômica. A partir dessa sequência de acontecimentos, podemos julgar o elo que une a revolução parlamentar no topo, tal como ela se afirma na Assembleia Nacional, e a revolução popular nas ruas. É claro que a burguesia é mais do que reservada em relação à violência popular e às formas brutais de luta pelo pão de cada dia. Mas, entre essas duas revoluções, há mais do que coincidência fortuita: graças à intervenção popular, a revolução parlamentar pôde concretizar seus êxitos e, graças ao 14 de julho, o rei teve de ceder, readmitindo Necker no dia 16 e no dia 17, aceitando usar a roseta tricolor, símbolo dos novos tempos. Do mesmo modo, as jornadas de outubro deram um novo basta à reação planejada”. (Idem, pp. 22-23)
             As revoltas populares espalhavam-se, alcançando mais da metade do território francês, causando o “Grande Medo”. Esse grande medo, conforme Vovelle, “traduz a mobilização das massas camponesas e simbolizava sua entrada oficial na revolução. (Idem, p. 24)
            No torvelinho dos acontecimentos revolucionários do período constitucional, o rei, para Vovelle, era “pego em fogo cruzado das sugestões dos seus conselheiros (Mirabeau, La Fayette, Lameth ou Bornave, além de seus contatos familiares com os estrangeiros ou com os emigrados, que são essenciais para ele. O resultado de toda uma série de negociações realizadas em segredo é conhecido: em 20 de junho de 1791, a família real em peso abandona o palácio das Tulherias. Reconhecida no caminho, é preso e levado de volta a Paris. O anúncio da fuga causa estupor nos parisienses”(Idem, p. 31)
             Do outro lado, os revoltosos se articulam. Saint-Just, que nascia em 25 de agosto de 1767, realizava direito na Universidade de Reis, votava pela morte do rei. Era escolhido para o Comitê de Salvação Pública juntamente com Robespierre. Mas Acabou sendo guilhotinado no dia 28 de julho de 1794. Sobre a Revolução declarava:  “Houve na França, durante essa revolução, dois partidos obstinados: o povo, que querendo cumular de poder seus legisladores, gostava dos grilhões que ele próprio se impunha; o do príncipe que querendo elevar-se acima de todos, preocupava-se menos com a própria glória do que com seu destino” (SAINT-JUST, p. 13)
            Atacando a nobreza dizia que “A corte era uma nação leviana que não pensava, como se quis fazer crer, em estabelecer uma aristocracia, mas em subvencionar as despesas de seus desregramentos. A tirania existia, eles apenas abusavam dela. Apavoravam imprudentemente todo o povo, ao mesmo tempo, com deslocamentos de tropas de exército; a isso juntou-se a fome; ela era proveniente da escassez do ano da exportação de trigo. (...) A fome revoltou o povo; o desespero instalou a desordem da corte. Temia-se Paris, que a cada dia tornava-se mais facciosa com a audácia dos escritores, com a dificuldade de recursos e porque a maior parte das fortunas estava submersa na fortuna pública”. (Idem, p. 21)
            Defendendo a revolta popular proclamava que “Uma guerra ofensiva só pode ser empreendida quando o povo todo, mesmo se ele fosse tão numeroso quanto a areia, tivesse consentido individualmente; pois aqui, além da maturidade de uma semelhante empresa, a liberdade natural do homem seria violada na posse de si mesmo; ao contrário, na guerra defensiva, não é preciso nem votar nem deliberar, mas vencer; aquele que recuperasse seu baço à parte teria cometido um crime atroz, teria violado a segurança do contrato. Em um povo numeroso, é preciso renunciar à guerra ou é preciso uma metrópole tirânica como Roma e Cartago; quando Rousseau louva a liberdade de Roma, ele não se lembra mais do que o universo está acorrentado”. (Idem, p. 151)
            Explicava ainda na necessidade de igualdade, que dependia muito dos impostos; se eles forçarem o rico indolente a deixar sua mesa ociosa e correr os mares, a formar oficinas, ele perderá muito de seus modos.  A vida endurece os costumes, que só são ativos quando são frouxos. Os homens que trabalham se respeitam” (Idem) Proclamando a justiça social, notava que “A justiça será bem simples quando as leis civis, livres das sutilezas feudais, beneficiárias e habituais, não despertarem mais do que a boa fé dos homens; quando o espírito público voltado para a razão deixar os tribunais desertos”. Ou ainda defendia que “Quando todos os homens forem livres, eles serão iguais; quando eles forem iguais, serão justos. O que é honesto caminha por si mesmo”. (Idem)
            Outro personagem interessante do grupo dos revoltoso, o jacobino Robespierre (1758-1794) era em 1789 eleito pelo Terceiro Estado como deputado. Em Outubro, reunia-se na Sociedade dos Amigos da Constituição, no refeitório do convento dos jacobinos. Robespierre tornava-se o líder deste grupo. Em 17 de julho de 791, Robespierre destacava-se como o principal chefe da nova insurreição. No dia 20 de abril de 1792, Robespierre era o líder dos jacobinos contra os girondinos no poder.
           No dia 10 de agosto de do mesmo ano, com sublevação popular e instalação da Comuna de Paris, o rei era preso e as prisões ficavam cheias. Em 20 de setembro de 1792, abolição da Monarquia e Constituição da República. Disputa entre girondinos e jacobinos intensificava-se. Em 21 de janeiro de 1793, o Comitê de Salvação Pública, liderado por Robespierre assumia o governo revolucionário e instaurava a fase do Terror.
          No dia 10 de junho de 1794, fase mais intensa da Revolução, com morte de 10 mil executados. Robespierre era atacado como ditador. Em 26 de julho, ocorria a prisão de Robespierre e era sufocado o movimento de libertá-lo. Dois dias depois, Robespierre era guilhotinado juntamente com Sant-Just. Sobre o Julgamento de Luis XVI, 3 de dezembro de 1792: “Luis foi rei, e a República está fundada; a famosa questão que vos ocupa está decidida por estas simples palavras. Luis foi destronado por seus crimes; Luis denunciava o povo francês como rebelde; chamou para castiga-lo, os exércitos tiranos, seus confrades; a vitória e o povo decidiram que era ele o único rebelde; portanto, Luis não pode ser julgado; já foi julgado. Está condenado, ou a República não está absorvida. Propor o processo de Luis XVI, seja de maneira que for, é retroceder ao despotismo real e constitucional; é uma ideia contra-revolucionária; pois é colocar a própria Revolução em litígio. (...)” (ROBESPIERRE, p. 56)
A respeito da justificativa das revoltas afirmava que “os povos não julgam como as cortes judiciárias; não pronunciam sentenças; fulminaram; não condenam reis, mergulham-nos de novo no nada; e essa justiça bem vale a dos tribunais. Se é por sua salvação que os povos se armam contra seus opressores, como seriam eles obrigados a adotar um modo de puni-los que constituiria para eles um novo perigo?” (Idem, p. 58)
           Sentenciava que o rei deveria “morrer porque é preciso que a pátria viva”. (Idem, p. 65) E propunha ainda que “delibereis desde este momento sobre o destino de Luis. Quanto a sua mulher, ireis enviá-la aos tribunais, assim como todas as pessoas acusadas dos mesmos atentados. Seu filho será guardado no Templo até a paz e a liberdade pública sejam consolidadas. Quanto a ele, solicito que a Convenção o declare, desde este momento, traidor da nação francesa, criminoso para com a comunidade, solicito que lhe dê um grande exemplo ao mundo, no lugar onde morreram, em 10 de agosto [dia da prisão do rei], os generais mártires da liberdade. Solicito que esse evento memorável seja considerado por um monumento destinado a nutrir no coração dos povos o sentimento dos seus direitos e o horror dos tiranos; e na alma dos tiranos o terror salutar da justiça do povos”. (Idem, p. 65)
          Por fim, o governo revolucionário não conseguia avançar em suas propostas e, o clube dos Jacobinos é fechado, a rede das sociedades é desmantelada, os principais líderes também são despostos e próprias estruturas do governo revolucionário e o Diretório predomina juntamente com o posterior golpe de Napoleão Bonaparte em 19 de novembro de 1799. 
Bibliografia
HOBSBAWN, Eric. A Era das Revoluções (1789-1848). Rio de Janeiro: Paz e Terra, (1a ed.1977), 2003.
ROBESPIERRE, Maximilien de. Discursos e relatórios na convenção. Rio de Janeiro: Contraponto, 1999.
SAINT-JUST, Louis Antoine Leon. O Espírito da Revolução e da constituição da França (1791). São STAROBINSK, Jean. 1789: Os Emblemas da Razão. São Paulo: Cia das Letras, 1988.
VOVELLE, Michel. Revolução Francesa. São Paulo: UNESP, 2012.

domingo, 18 de setembro de 2016

As origens do capitalismo e a Revolução Industrial. Observações historiográficas. Igor de Lima

           Karl Marx, em A origem do capital, afirma que “a acumulação primitiva desempenha na economia política o mesmo papel, pouco mais o menos que o pecado original na teologia. Adão mordeu a maçã, e o pecado surgiu no mundo. A origem do pecado explica-se por uma aventura que se teria passado alguns dias depois da criação do mundo”. (MARX, pp. 11-12)
Esse pecado possui um processo desigual, que segundo o próprio Marx, havendo “o homem condenado pelo Senhor a ganhar o pão com o suor do seu rosto; mas, a do pecado econômico preenche uma lamentável lacuna revelando-nos como e porque que há homens que escaparam esta ordem do senhor.” (Idem, p. 12) O processo dava-se com a história da “conquista e da dominação”, ou seja, “da força armada”. (Idem, p. 13)
       A exploração capitalista era engendrada da exploração feudal, tendo seus “primeiros fundamentos no prelúdio no último terço do século XV e no começo do século XVI”, na Inglaterra com o processo de cercamentos da terra e expulsão da mão de obra feudal do campo. Além disso, a reforma e confiscação dos bens da Igreja Católica, pela Igreja Anglicana, transformou a terra em um bem expropriado dos servos. Surgia, nesse contexto, a figura dos arrendatários. Depois da Revolução Gloriosa Inglesa de 1688, o tesouro público era “lapidado” pelos grandes proprietários de terras e “capitalistas de baixa condição”. (Idem, p. 33)
             Formava-se, então, a partir do fins do século XVII, uma forte burguesia inglesa, proprietárias de grandes manufaturas, fruto do trabalho dos jornaleiros e mercenários. (Idem, p. 34)
Ao mesmo tempo, terras florestais transformavam-se em pastagens que por sua vez viriam a tornarem-se em reserva de caça. A propriedade privada da terra era formada graças “aos despojos dos bens da Igreja, a alienação fraudulenta dos domínios do Estado, a pilhagem dos terrenos comunais, a transformação usurpadora e terrorista da propriedade feudal e mesmo a patriarcal, em propriedade moderna, a guerra às cabanas, foram sucessos idílicos da acumulação primitiva. Conquistaram terra para a agricultura capitalista, incorporaram o solo ao capital e entregaram a indústria das cidades os braços dóceis de um proletariado sem lar nem pão”. (Idem, pp. 54-55)
Tratando da expansão da mão de obra, Marx observa que “estes homens arrancados de suas ocupações habituais, não se podiam adaptar prontamente à disciplina do novo sistema social, surgindo por conseguinte deles, uma porção de mendigos, ladrões e vagabundos. Daí a legislação contra a vadiagem, promulgada nos fins do século XVI, no oeste da Europa”. (Idem, p. 57) Essa usurpação das terras, o crescimento da força de trabalho e a exploração desta mão de obra inical é muitas vezes centradas em Marx, com base na Utopia de Thomas More. (Idem, pp. 58-59)
Ademais, Marx também descreve a intervenção constante do Estado em favor da Burguesia. “(....) a nascente burguesia nada poderia sem intervenção constante do Estado, do qual serve para ‘regular’ o salário, isto é, para rebaixá-lo um nível conveniente, para prolongar a jornada de trabalho e manter o trabalhador no grau desejado de dependência. É esse um momento essencial de acumulação primitiva”. (Idem, p. 68)
              Esse pagamento em forma de salário deveria desde o “estatuto de 1349” ser elevado por baixo para que gerasse lucro. Esse estatuto fazia parte, segundo Marx, de um processo mais amplo da organização do trabalho realizada pelo Estado, com as corporações de ofícios. (Idem, p. 77)
             A desigualdade social na Inglaterra acentuava-se. “A revolução agrícola dos últimos trinta anos do século XV, prolongada até o último quartel do século XVI, enriquece-os tão depressa como empobrece a população dos campos. A ursupação dos pastos comunais permite-lhes aumentar rapidamente, e quase sem gastos, seu gado, do qual tira desde essa época grande lucros pela sua venda, pelo seu emprego como animais de carga e, enfim, por mais abundante adubação do solo”. (Idem, p. 77)
           Durante o século XVI, na sociedade inglesa cresceram a quantidade de oferta de produtos, porque “a revolução nas condições de propriedade agrária era acompanhada do aperfeiçoamento de métodos de cultivo, da cooperação numa escala maior, da concentração dos meios de produção, etc. Além disso, os assalariados agrícolas foram obrigados a um trabalho mais intensivo, ao passo que o campo, que eles exploravam por própria conta, e em seu próprio benefício, se reduzia progressivamente, e o arrendatário apropriava-se assim, cada vez mais de todo o seu tempo livre. É dessa maneira que os meios de subsistência e uma grande parte da população rural encontraram-se disponíveis ao mesmo tempo que ela (a população rural), devendo figurar no futuro como elemento material do capital variável. Tempos depois, o camponês desapossado teve de comprar o valor dessa subsistência, sob forma de salário, de seu novo amo, o capitalista manufatureiro. E o mesmo acontecendo com as matérias primas das indústria proveniente da agricultura: transformando-se em um elemento do capital constante”. (Idem, pp. 81-82)
         A produção doméstica com base na fiação e tecelagem vai se especializando na produção manufatureira fragmentada. No fim do reinado de Elizabeth I, o crescimento do cultivo de linho, o crescimento da agricultura capitalista, a expulsão da mão de obra do campo (pelo processo dos cercamentos) e a concentração de terra impulsionaram o desenvolvimento do capitalismo industrial.            Para Marx, “a constituição feudal dos campos e a organização corporativa das cidades impediam ao capital-dinheiro, formado pela dupla via da usura e do comércio, de converter-se em capital industrial. Essas barreiras caíram com o licenciamento da criadagem senhorial, com a expropriação e a expulsão parcial dos cultivadores; entretanto, pode-se julgar da resistência de se transformarem em fabricantes-comerciantes, pelo fato de pequenos fabricantes de panos de Leeds terem enviado, ainda em 1794, uma deputação do parlamento para impedir uma lei proibindo todos os comerciantes de se tornarem fabricantes. Ademais, as novas manufaturas estabeleceram-se de preferencia nos portos do mar, centro de expropriações de ofícios (artesãos). Daí, na Inglaterra, as lutas encarniçadas entre as velhas cidades privilegiadas (corporate towns) e estas novas sementeadeiras da indústria. Em outros países, como, por exemplo, na França, as indústrias foram postas sob proteção especial dos reis”. (Idem, p. 93)
      Na Inglaterra o regime colonial, o crédito público, o moderno sistema de finança e o protecionismo, ou seja, o poder do estado como gestor da economia política facilitaram o desenvolvimento posterior da industrialização. Contudo, durante o século XVII, os holandeses com o monopólio do chá chinês e o regime colonial, com a acumulação de capitais graças ao monopólio colonial, atingiam em 1684 o seu apogeu, pois, nessa época, era a supremacia comercial que fornecia a supremacia industrial no Antigo Regime. (Idem, p. 100)
             O desenvolvimento do estado na economia possui um papel importante na análise de Marx. “A dívida pública opera com um dos agentes mais enérgicos da acumulação primitiva. Por um golpe de varinha mágica, ela dá o dinheiro improdutivo a  virtude produtiva e converte dessa maneira o capital, sem que ele tenha que com isso sofrer os riscos, as perturbações inseparáveis de seu emprego industrial e mesmo da usura privada. Os credores da dívida pública, a dizer a verdade, não dão nada, pois sua principal metamorfose em defeitos públicos de fácil transferência continua funcionando em suas mãos como qualquer outro numerário. Entretanto, afora a classe de credores ociosos assim criada, além da fortuna improvisada dos financistas intermediários entre o governo e a nação – do mesmo modo que a dos arrendatários particulares, aos quais boa parte de todos os empréstimos lhes faz o efeito de um capital caído do céu – a dívida pública deu impulso às sociedades por ações, ao comércio de papéis negociáveis de toda sorte às obrigações aleatórias, à agiotagem, em suma, aos jogos da bolsa e a bancocracia moderna”. (Idem, pp. 101-102)
Essa bancocracia moderna constituiu-se com o apoio do Estado, pois “os grandes bancos, desde o seu início, disfarçados com títulos nacionais, não eram mais que associações de especuladores privados, estabelecidos ao lado dos governantes e, graças aos privilégios que deles obtinham, emprestavam-lhes o dinheiro público. Por isso, a acumulação da dívida pública não tem crescimento mais seguro que o da alta sucessiva de ações destes bancos, cujo desenvolvimento integral data da fundação do Banco da Inglaterra, em 1794. Este começou a emprestar ao Governo todo o seu capital, a juros de 8% ao mesmo tempo, era autorizado pelo parlamento a cunhar moeda do mesmo capital, emprestando-a novamente ao público, sob a forma de bilhetes que se lhe permitiu por em circulação, descontando com eles os bilhetes de câmbio, adiantando-os sobre mercadorias e empregando-os nas compras de metais preciosos. Em breve, esta moeda de crédito de sua própria fabricação chegou a ser o dinheiro com o qual o Banco da Inglaterra efetuou os seus empréstimos ao Estado e pagou com eles os juros da dívida pública”. (Idem, pp. 102-103)
            Em outra análise sobre a origem do capitalismo e da revolução industrial, Braudel, em síntese, critica a visão simplista sobre esta transição, sendo importante incluir a visão da economia mundial para compreender as transformações como a “progressiva entrada nas racionalidades do mercado, da empresa, do investimento capitalista, até o advento de uma Revolução Industrial”. Esta última, segundo o autor, dividia a história em dois. (BRAUDEL, vol. 1, p. 11)
            Essas transformações econômicas seriam fruto de contradições e confrontos, havendo também uma série de economias. A primeira estrutural era a da “vida ou da vida material”, ou seja, uma infra-economia, na qual são formas de consumo que se diferiam do mundo industrializado. Ademais, acaba por definir que essa economia é capitalista, de mercado, pois era opressiva e exploratória da mesma forma que a pós- industrial. (Idem, p. 12)
         O autor destaca o papel da economia algodoeira na Revolução Industrial, sendo que a “Europa bem cedo trava conhecimento com o precioso têxtil, sobretudo a partir do século XIII, quando, na sequencia de uma diminuição da criação do carneiros, a lã se torna rara. Difunde-se, então, um tecido ersatz, os fustões, feitos com uma teia de linho e uma trama de algodão. São muito bem aceitos na Itália, mais ainda no norte dos Alpes, onde começa a boa estrela do Barchent, em Ulm e Ausburgo, nessa zona transalpina que Veneza, no século XV, duas vezes por ano, com grandes naus vão busca-lo na Síria. Claro que o algodão também é trabalhado localmente, como em Alepo e arredores de Alepo, e exporta-se para a Europa. No século XVII, o pano grosso de algodão azul, semelhante ao tecido tradicional nos nossos aventais de cozinha, servia para o vestuário popular no sul da França. Mais tarde, no século XVIII, chegarão aos mercados da Europa as chias da Índia, tecidos finos, estampados, as indiennes’ que farão as delicias da clientela feminina até o dia em que a revolução industrial permitir aos ingleses fabricar tão bem como os hábeis tecelões das Índias e arruiná-los”. (Idem, pp. 295-296)
       Na Inglaterra, contudo, segundo Braudel, a técnica batia sempre um teto do possível, não avançando antes do final do século XVIII, na Revolução Industrial. Porém, um dos problemas centrais para os capitalistas era o problema dos “custos”. “A revolução industrial do algodão está já muito avançada para que os empresários ingleses, que mandavam fiar à fábrica, continuem a dirigir-se ao tecelão manual, a dificuldade foi sempre a de fornecer o fio aos tecelões. Suprimindo esse ‘gargalo pertado, porque começar a mecanizar a tecelagem, já que o trabalho domiciliar satisfazia a procura? Esta terá de aumentar muito, tal como o salario dos tecelões demasiado solicitados para que se imponham a soluções de tecelagem mecânica. Mas, com a derrocada das remunerações da tecelagem manual, que era brutal, continuaremos ainda por muito tempo a ver empresários preferi-la às novas técnicas por mera questão de custos de produção. (...)”. (Idem, p. 397)
           Segundo Braudel, desenvolve-se primeiramente no setor têxtil, durante toda a metade do século XVIII, com o aumento do desenvolvimento técnico, sendo “muito importante para a Revolução Industrial Inglesa”. (Braudel, vol. 2, p. 273) Contudo, no período pré-industrial, o “capitalismo é antes de tudo, o dos mercados urbanos. Mas esses mercadores, negociantes ou empresários, foram de início introduzidos na ordem corporativa criada pelas cidades a fim de organizar no seu seio toda a vida artesanal. Mercadores e artesãos foram acompanhados nas malhas de uma mesma rede de que nunca se libertaram por completo. Daí as ambiguidades e os conflitos”. (Idem, pp. 273-276)
           A transformação da economia não se dava sem a sua conexão com a política na Inglaterra, com o desaparecimento de grande parte da nobreza oposta às casas reais monárquicas. Decorrente dos conflitos das Duas Rosas no século XV, “em 1485 de 50 lordes, sobreviveram 29. Terminou a era dos warlords, dos senhores da guerra. Na tormenta, desapareceram as grandes famílias hostis aos Tudor: Pole, Stafford, Couternay... Então, fidalgos de menor envergadura, burgueses compradores de terras, até gente de origem modesta ou obscura, favoritos da realeza, preenchem o vazio social de cima, graças à mudança profunda da ‘geologia política’ do solo inglês, como se disse. O fenômeno em si não é novo, é-o apenas por seu volume. Por volta de  1540, encontra-se instalada uma nova aristocracia, nova ainda, mas já respeitável. Ora, antes da morte de Henrique VIII e, depois, sob os movimentados e frágeis reinados de Eduardo IV (1547-1553) e de Maria Tudor (1553-1558), essa aristocracia vai ficando cada vez mais à vontade e em breve se opõe ao governo. A reforma, as vendas de propriedades eclesiásticas e dos bens da Coroa, a crescente atividade do Parlamento a favorecem. Por trás do brilho, aparentemente intenso, do reinado de Elizabeth (1558-1603), a aristocracia consolida, amplia suas vantagens e privilégios. Será um sinal dos tempos que a realeza, que até 1540, multiplicara as construções suntuosas, prova da sua vitalidade, tenha parado depois dessa data? O fato não está relacionado com a conjuntura, uma vez que o papel de construtor não passa então definitivamente para as mãos da aristocracia. Com o final do século, multiplicara os campos da Inglaterra, as residências quase principescas, Longleat, Wollaton, Workosp, Burguley House, Oldenby.... A ascensão ao poder dessa nobreza acompanha a primeira grandeza marítima da Ilha, o aumento do rendimento agrícolas e o desenvolvimento a que J. U. Nef chama, com muito boas razões, de primeira revolução industrial. A aristocracia já não precisa tanto da Coroa para aumentar e consolidar a sua fortuna. E, quando, em 1640, esta tenta estabelecer a sua autoridade sem controle, é tarde demais. A aristocracia e a grande burguesia – que em breve segue a pouca distância – atravessarão os anos difíceis da guerra civil e desabrocharão com a restauração de Carlos II (1660-1685). ‘Depois do improglio suplementar dos anos 1688-89 (...) podemos considerar que a Revolução Inglesa (Iniciada em 1640 e, de certo ponto de vista até mais cedo) cumpriu o seu ciclo...”. (Idem, pp. 421-423)
          Centrado na abordagem de Marx, Christopher Hill, analisa o desenvolvimento econômico, social e político inglês para pensar nas revoluções inglesas do século XVII. Após a segunda metade do quartel do século XVI, sob o governo dos Tudor constituía-se uma nova aristocracia de funcionários e militares que adquiriam terras, geralmente proveniente da Igreja Católica dos monastérios e retiradas pela Igreja Anglicana de Henrique VIII. 
          Durante os anos de 1540 à 1640, havia uma ascensão social na sociedade inglesa. Dentre as camadas sociais que se enriqueciam estava a gentry, proprietárias de terras e bens de consumo. Também destacava-se o crescimento da burguesia, a ascensão social das camadas médias e o empobrecimento geral, havendo, portanto, uma acentuação das diferenciações sociais. Conforme Hill, “a transformação que ocorreu no século XVII é, então, muito mais do que simplesmente uma revolução constitucional ou política, ou uma revolução na economia, na religião ou no gosto estético. Ela abarca a vida em seu todo. Duas concepções de civilização entraram em conflito: uma usava como modelo o Absolutismo francês, a outra, a república holandesa”. A revolução inglesa fornecia, portanto, as bases do governo parlamentarista, do avanço econômico, da política externa imperialista , da tolerância religiosa e do progresso científico”. (Hill, 1986, p. 9)
         Desse modo, segundo Christopher Hill, a sociedade inglesa passava por disfunções múltiplas, caracterizadas, em síntese, por forças e tendências sociais, econômicas, religiosas e políticas governamentais a longo prazo.  A política econômica dos governos Tudor e Stuart eram marcadas pela dificuldade de tributação, pela falta de tropas, pela crise das instituições políticas e religiosas, bem como os conflitos entre as elites. 
        No século seguinte, o general Oliver Cromwell durante a revolução inglesa, poderia aderir a algumas das ideias do mercante da rainha Elizabeth Walter Ralegh apoiando uma política mercantil, como o Ato de Navegação, em 1651, que o Parlamento declarava o monopólio imperial sobre o comércio e a frota mercante. Desse modo, a disputa pelo regime colonial se acirrava com confrontos com as marinhas mercantes holandesas. (HILL, 1989, pp. 19-48 )
A respeito do impacto da revolução inglesa na economia da Inglaterra, Braudel observa que “um Ancien Regime foi minado, derrubado: é a estrutura tradicional da agricultura e da propriedade fundiária que se destrói ou acaba de destruir; são as corporações que se desorganizam, até em Londres, depois do incêndio de 1666; é o Ato de Navegação que é renovado; são as últimas medidas constitutivas de uma política mercantilista de proteção e defesa que se sucedem. (...)”. (BRAUDEL, vol. 3, p. 545)
        Contudo, foi “o algodão que conduziu o baile”, com a mão de obra com o trabalho feminino e infantil tornava-se mais barato, consumava-se a divisão do trabalho setorizada e o predomínio do setor industrial, originalmente algodoeiro e, consequentemente o advento do capitalismo industrial. (Idem, pp. 555-556)
     Analisando o trabalho feminino no período da formação do capitalismo, Olwen Hufton declara que a maioria das mulheres precisava trabalhar para seu próprio sustento, possuindo uma curta infância. “Enquanto filhas de pequenos rendeiros, de trabalhadores agrícolas ou de ganhos, elas precisavam de pouca competências para além das que lhes eram transmitidas pelas mães, e que não iriam para além da aptidão para coser ou fiar, ocupar-se de trabalhos agrícolas simples ou cuidar de crianças mais novas. Sempre que possível, a maioria das moças desejaria ocupar um lugar estável de criada numa quinta, mas a procura de tais lugares ultrapassava largamente a oferta. Para as mulheres, o trabalho doméstico no setor agrícola limitava-se a zonas de grandes quintas e era mais frequente nas quintas leiteiras, onde a ordenha e o fabrico de manteiga e de queijo eram tarefas femininas. Havia uma grande concorrência em torno do trabalho em quintas porque este proporcionava às jovens serviçais a vantagem de permanecerem perto de suas famílias e não as forçava a uma mudança adrupta no seu modo de vida. No entanto, por vezes, os ajustes de trabalhos eram feitos por períodos anuais ou só para uma parte do ano. Em Inglaterra, algumas contratações faziam-se nas feiras. (...)”. (HUFTON, 1991, p. 27)
            No final do século XVIII, o trabalho local nos sítios e fazendas eram mais difíceis de serem encontrados pelas moças devido ao aumento demográfico e da necessidade de uma maior especialização. Desse modo, muitas das mulheres do campo passavam ao trabalho urbano neste momento. Um dos trabalhos mais procurados era a criadagem.  Em 1796, Londres possuía por volta de 200.000 criados, sendo que as mulheres representavam o dobro dos homens. “Em contrapartida, havia muitas moças que não conseguiam competir na estrutura da carreira do serviço doméstico, e a miséria que atingiu certas regiões em consequência do crescimento demográfico verificado nos séculos XVI e XVIII trouxe-as em grande número das zonas rurais para as cidades. As jovens em questão viviam em uma pobreza crônica, subalimentadas, raquíticas, doentes pelas bexigas, sujas e cobertas de piolhos. Obviamente, careciam do mínimo de formação na infância que os preparasse para se empregarem mesmo numa casa mais modesta. As moças de regiões inteiras, e no caso da Irlanda de toda uma nação, ao chegarem às cidades inglesas ficavam automaticamente excluídas, precisamente por causa da pobreza dos seus antecedentes, de tudo o que se parece como uma situação respeitável no mundo do serviço doméstico”. (Idem, pp. 35-36)
        Mas a maioria das mulheres trabalhadoras urbanas viviam de serviços “miseráveis, volátil, dependente da honestidade do patrão, obrigadas a trabalhar constantemente para não gastarem suas reservas e incapazes de gerir as águas revoltosas da vida de servir. Uma criada com uma gravidez não desejada nas mãos era simplesmente despedida. Pelo meio da escala estavam aquelas que por volta dos vinte e cinco anos de idade teriam juntado umas cinquenta libras em seu nome, soma modesta, mas, mesmo assim, um triunfo pessoal”. (Idem, p. 36)
Essa reserva de mão de obra era fundamental para a estrutura industrial têxtil. Conforme discute Hufton, “o trabalho feminino barato foi um elemento chave no desenvolvimento das indústrias têxteis europeias. Consideremos o caso da indústria de seda de Lyon. A seda era um tecido delicado e caro, destinado aos ricos, e preparado do princípio ao fim em oficinas urbanas, sob a supervisão de um mestre. A força de trabalho feminino era necessária para esvaziar os casulos de seda, torcer o fio, enrolar as lançadeiras e fazê-las passar no tear para conseguir a execução de padrões de grande complexidade. O trabalho dos homens era montar e esticar a urdidura. Toda as oficinas tinham, no mínimo três ou quatro moças, um aprendiz, o mestre e sua mulher e, no conjunto da indústria a força de trabalho feminina era cinco vezes mais numerosa do que a masculina. Para a recrutar, recorria-se às aldeias dos arredores e as jovens eram trazidas ao árido Forez e do montanhoso Delfinado para o domicílio do mestre, que serviria também como oficiana. Dormiam em armários e sob os teares, e os seus salários eram guardados pelos patrões. As moças de doze ou catorze anos começavam a trabalhar na ocupação mais baixa, a de desenrolar os canilos, debruçadas sobre bacias de água a ferver na qual os canelos eram mergulhados para que a serina, substância pegajosa e dá forma ao casulo, derretesse. As duas roupas estavam permanentemente molhadas e os dedos chegavam a perder a sensibilidade. Pior do que isso, a tuberculose era galopante nas oficinas. Ainda assim, se conseguisse sobreviver catorze anos sem longos período de desemprego – as crises eram frequentes e as jovens postas na rua sem cerimônias – uma moça podia ascender a puxadora, e então, feitas as contas, uma operária de seda não só acumulava um pecúlio como uma vasta experiência industrial. Ela era a esposa ideal para qualquer aprendiz industrioso, pois podia faltar-lhe todo o dinheiro necessário para pagar a sua carta de mestre e contribuir para o funcionamento de uma nova oficina”. (Idem, pp. 36-37)
            A interpretação do trabalho feminino no período da formação do capitalismo industrial de Hufton continua observando que “nas aldeias industriais, as mulheres solteiras apenas ficavam em casa com a produção têxtil se acreditavam que o seu trabalho lhes podia proporcionar um modo de vida viável a longo prazo. Para fazerem essa escolha, os ganhos financeiros tinham que ser mais elevados do que os que obteriam na indústria doméstica sazonal, com a fiação da lã ou do linho, no inverno. Os homens e as mulheres jovens da paróquia tinham de estar convencidos de que podiam instalar uma casa própria ou que, após o casamento, podiam viver com os seus pais auferindo proventos industriais suficientemente elevados. Podiam garantir o equipamento de que precisassem, através dos mercados ou do fabricante o que vendiam seus produtos acabados. Se estas condições fossem preenchidas, os jovens ficavam em casa. Se a indústria entrava em crise, então uma ou duas gerações podiam ver-se apanhadas numa armadilha de pobreza, dado que os jovens se apegavam à ideia de que um retorno os haveria de recompor. Com o tempo, porém, os seus sucessores eram forçados a partir por necessidade, quer para regressarem ao serviço doméstico, quer para dirigirem a outra região com uma indústria mais florescente. Talvez, por fim, mas seguramente não da noite pelo dia, outra indústria pudesse emergir na sua aldeia, como no Devon, onde a produção de sarja morreu gratuitamente e o seu lugar foi ocupado pela produção de botões, embora nada houvesse de inevitável em tal substituição. Quando a indústria de lã do Languedoque se extinguiu em Cleermont de Lodève, no século XVIII, este universo de indústria transformou-se virtualmente numa aldeia fantasma”. (Idem, p. 39)
        Poucas eram as opções de trabalho para uma filha de pais operários. Também as dificuldades de serem aceitas eram grandes nas corporações de ofício em tempos de crise. Por um lado, durante o século XVIII, essas opções de trabalho feminino foram expandindo-se. Por outro, com o crescimento da oferta os salários acabaram abaixando. Muitas atividades passaram a ser consideradas como “trabalho de mulher”, e, portanto, por isso terem remunerações bem mais baixas. “Em 1762, o Anuário de Londres de Campbell colocava todos os ofícios do vestuário, exercitados por mulheres, na categoria de trabalho indigente, expondo-as à mais estrema carência e fornecendo o terreno de recrutamento para a prática da prostituição”. (Idem, pp. 40-41)
         Discutindo de maneira geral as condições de vida dos trabalhadores, o jovem Engels em A situação da classe trabalhadora, em 1845, descreve a interferência das máquinas, como a máquina a vapor, inventada por James Watt, em 1764, na vida das crianças, mulheres e homens trabalhadores ingleses. “A consequência disso foram, por um lado, uma rápida redução dos preços de todas as mercadorias manufaturadas, o desenvolvimento do comércio e da indústria, a conquista de quase todos os mercados estrangeiros não protegidos, o crescimento veloz dos capitais e da riqueza nacional; por outro lado, o crescimento ainda mais rápido do proletariado, a destruição de toda a propriedade e de toda a segurança de trabalho para a classe operária, a degradação moral, as agitações políticas e todos os fatos que tanto repugnam aos ingleses proprietários e que iremos examinar nas páginas seguintes. Se, mais acima, vimos as transformações provocadas nas relações sociais das classes inferiores por uma só máquina, mesmo tão rudimentar como a jenny, não há por que se espantar com o que pode proporcionar um sistema plenamente coordenado de máquinas extremamente aperfeiçoadas, que recebe de nós a matéria prima e nos devolve tecidos acabados”. (ENGELS, pp. 50-51)
             Engels resume a “história da indústria inglesa”, a partir de por volta da década de 1780, como “uma história que não tem equivalente nos anais da humanidade. Há sessenta ou oitenta anos, a Inglaterra era um país como todos os outros, com pequenas cidades, indústrias diminutas e elementares e uma população rural dispersa, mas relativamente importante; agora, é um país ímpar, com uma capital de 2,5 milhões de habitantes, imensas cidades industriais, uma indústria que fornece produtos para o mundo todo e que fabrica quase tudo com a ajuda das máquinas mais complexas, com uma população densa, laboriosa e inteligente, cujas duas terças partes estão ocupadas na indústria e constituem classes completamente diversas das anteriores. Agora, a Inglaterra é uma nação em tudo diferente, com outros costumes e com necessidades novas. A revolução industrial teve para a Inglaterra a mesma importância que a revolução política teve para a França e a filosófica para a Alemanha, e a distância que separa a Inglaterra de 1760 da Inglaterra de 1844 é pelo menos tão grave quanto aquela que separa a França do Antigo Regime da França da Revolução de Julho. O fruto mais importante dessa revolução industrial, porém, é o proletariado inglês”. (Idem, pp. 58-59)
        Além disso, Engels realiza notas muito relevantes sobre as relações entre as diferentes hierarquias e os interesses de classe na Inglaterra industrial. Segundo o mesmo, “a situação da classe trabalhadora, isto é, a situação da imensa maioria do povo inglês, coloca o problema: o que farão esses milhões de despossuídos que consomem hoje o que ganham ontem, cujas invenções e trabalho fizeram a grandeza da Inglaterra, que a cada dia se tornaram mais conscientes de sua força e exigem cada vez mais energicamente a participação nas vantagens que proporcionam às instituições sociais? Esse problema se converteu, desde o Reform Bill, na questão nacional: todos os debates parlamentares de algum relevo podem ser reduzidos a ele e embora a classe média inglesa ainda não o queira confessar, embora procure evita-los e fazer passar seus próprios interesses particulares como os verdadeiros problemas da nação, esses expedientes de nada lhe servem. A cada sessão parlamentar, a classe operária ganha terreno, os interesses da classe média perdem importância e, embora esta última seja a principal – senão a única – a força no parlamento, a derradeira sessão de 1844 não foi mais que um longo debate sobre as condições de vida dos operários (lei sobre os pobres, lei sobre as fábricas, lei sobre as relações entre senhores e empregados). Thomas Duncombe, representante da classe operária na Câmara dos Comuns, foi a grande personalidade dessa sessão, ao passo que a classe média liberal (com sua noção sobre a supressão das leis sobre os cereais) e a classe média radical (com sua proposta de recusar os impostos) desempenharam um papel miserável. Até mesmo as discussões sobre a Irlanda não passaram, no fundo, de debates sobre a situação do proletariado irlandês e sobre os meios de melhorá-la. Mas já é tempo de a classe média inglesa fazer concessões aos operários – que já não pedem, exigem, ameaçam -, porque em breve pode ser tarde demais”. (Idem, p. 61)
         Ao tratar da cidades inglesas, Engels realiza a seguinte afirmação sobre a relação entre a mesma e os indivíduos: “Essa indiferença brutal, esse insensível isolamento de cada um no terreno de seu interesse pessoal é tanto mais repugnante e chocante quanto maior é o seu número desses indivíduos confinados nesse espaço limitado; e mesmo que saibamos que esse isolamento do indivíduo, esse mesquinho egoísmo, constitui em toda a parte o princípio fundamental da nossa sociedade moderna, em lugar nenhum ele se manifesta de modo tão impudente e claro como na confusão da grande cidade. A desagregação da humanidade em nômadas, cada qual com um princípio de vida particular e com um objetivo igualmente particular, essa atomização do mundo, é aqui levada às suas extremas consequências”. (Idem, p. 68)
    Engels descreve vários casos de situações degradantes de desempregados e miseráveis sobrevivendo à míngua nas cidades industriais inglesas. Exemplo, era o caso do doutor Lee, pastor da igreja velha de Edimburg, declarando na Commission of Religious Instituction [Comissão de instrução religiosa], em 1836:
“Até hoje, nunca em minha vida vi tanta miséria como a que existe em minha paróquia. As pessoas não têm móveis, não tem nada; é comum que dois casais vivam num mesmo quarto. Num só dia, visitei sete casas onde não havia camas – em algumas, nem palhas havia; octogenários dormiam no chão, quase todos conversavam à noite as roupas usadas durante o dia. Num porão, encontrei duas famílias vindas do campo; pouco tempo depois de sua chegada à cidade, morriam duas crianças e uma terceira agonizava quando da minha visita; para cada família, havia um monte de palha suja num canto e, ainda por cima, o porão, tão escuro que não permitia distinguir-se um ser humano em pleno dia, servia de estábulo a um burro. Mesmo um coração de pedra sangraria diante da miséria de um país como a Escócia”. (Apud, Idem, p. 78)
         Para Engels, a indústria algodoeira fora pioneira no processo de industrialização na Inglaterra e descreve a substituição da força de trabalhadores por máquinas: “Na indústria algodoeira do South Lancashire, o aproveitamento das forças da natureza, a substituição do trabalho manual pelas máquinas (especialmente no tear mecânico e a self-actor mule) e a divisão do trabalho chegam ao extremo; e se localizamos nesses três elementos os traços característicos da indústria moderna, devemos reconhecer que a indústria algodoeira, de seus primórdios à atualidade, continua na vanguarda de todos os ramos industriais. Mas é também nela que, ao mesmo tempo, desenvolveram-se, na forma mais pura e mais completa, os efeitos da indústria moderna sobre a classe operária – e, nela, o proletariado industrial revelou suas mais clássicas características. Nela, elevou-se ao máximo a degradação a que o emprego da força do vapor, das máquinas e da divisão do trabalho que submeteu o operário, e as tentativas do proletariado para superar esta situação aviltante chegaram aqui ao extremo e tornaram-se lucidamente suficientes. (...)”
           Continuando a tratar das condições da vida da classe trabalhadora, o autor descreve sobre as suas vestimentas, que “as roupas da esmagadora maioria dos operários estão em péssimas condições, os tecidos empregados em sua confecção são os mesmos apropriados e o linho e a lã quase desapareceram do vestuário de homens e de mulheres, substituídos por algodão; as camisas são de algodão branco ou colorido e as roupas femininas são de chitas estampada; nos varais, raramente se vem secar roupas interiores de lã. Em sua maior parte, os homens usam calças de fustão ou de qualquer tecido grosso de algodão e casacos e paletós do mesmo pano. Os paletós de fustão (fustiam) tornaram-se o traje típico dos operários, estes os chamam de fistian-jackets, mesma denominação utilizada por eles para se referirem a si mesmos em oposição aos cavalheiros que se vestem com lã (broad-cloth), expressão também empregada para designar a classe média; quando veio a Manchester, durante a primeira insurreição de 1842, fergus O’ Connor, líder dos cartistas, apareceu com um paletó de fustão, arrancando aplausos entusiasmado dos operários. Na Inglaterra, o uso do chapéu é generalizado, inclusive entre os operários – chapéus das mais variadas espécies, redondos, cônicos e cilíndricos, com abas largas ou estreitas; boné só são usados nas cidades industriais pelo mais jovens; quem não tem um chapéu, faz para si mesmo, com papelão, um gorro baixo e quadrangular” (Idem, p. 108)
Bibliografia
HILL, Christopher. A Revolução Inglesa de 1640. 2 ed. Lisboa, . Presença, 1983.
MARX, Karl. A origem do capital. A acumulação primitiva. São Paulo: Global, (1a ed. 1978), 1989.
BRAUDEL, Fernand. Civilização material, economia e capitalismo. Séculos XV-XVIII. São Paulo: Martins Fontes, 3 vols., 1997.
ENGELS, Friedrich. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra. SP: Boitempo, 2008.
HOBSBAWN, Eric J. A era das revoluções (1748-1848). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981.


domingo, 11 de setembro de 2016

Revoluções Inglesas: notas historiográficas. Igor de Lima

Após a segunda metade do quartel do século XVI, sob o governo dos Tudor constituía-se uma nova aristocracia de funcionários e militares que adquiriam terras, geralmente proveniente da Igreja Católica dos monastérios e retiradas pela Igreja Anglicana de Henrique VIII.
Durante os anos de 1540 à 1640, havia uma ascensão social na sociedade inglesa. Dentre as camadas sociais que se enriqueciam estava a gentry, proprietárias de terras e bens de consumo. Também destacava-se o crescimento da burguesia, a ascensão social das camadas médias e o empobrecimento geral, havendo, portanto, uma acentuação das diferenciações sociais.
Desse modo, a sociedade inglesa passava por disfunções múltiplas, caracterizadas, em síntese, por forças e tendências sociais, econômicas, religiosas e políticas governamentais a longo prazo.  A política econômica dos governos Tudor e Stuart eram marcadas pela dificuldade de tributação, pela falta de tropas, pela crise das instituições políticas e religiosas, bem como os conflitos entre as elites.
No plano religioso, a instituição do clero anglicano, o aumento do protestantismo e a presença da minoria católica de nobres faziam com que os conflitos e as tensões acirrassem ainda mais os ânimos do parlamento na década de 1630.
Analisando as Origens Intelectuais da Revolução Inglesa, Christopher Hill observa para a expansão do “sistema de educação” e do ensino de ciência e medicina, perpassada por debates teológicos e religiosos presentes no período. E, até mesmo, esses conhecimentos foram financiados pelo próprio governo monárquico. (HILL, 1983, pp. 25-39)
Ademais, os conflitos ideológicos e a tensão entre o Parlamento e a Realeza eram acentuados ainda pela circulação de ideias com os panfletos puritanos, o contrabando de livros das gráficas clandestinas e os sermões nos púlpitos nas paróquias locais. Assim, conforme Stone, o “particularismo local foi crescendo par e par com o crescimento do governo central”. (STONE, p. 124)
No governo dos Stuart do início do século XVII, a crise política acirrava-se com o distanciamento entre a Coroa e os grupos do parlamento, formados também por diversidades religiosas.
Destacava-se, no conhecimento científico aproximado com a História e Política Sir Walter Raleigh. Nascido em 1554 e terminou sua carreira com a morte da rainha Elizabeth I, em 1603. Preso na Torre de Londres, escrevia History of the World, obra em que descrevia as viagens no ultramar. E, uma das características que marcavam suas reflexões e que repercutiram nas Revoluções Inglesas foram, de acordo com Hill, a diminuição do poder real frente ao parlamento, uma agressiva política ultramarina, redistribuição de impostos e formação de uma tolerância religiosa.
Dentre as reflexões de Raleigh estavam a expansão das ideias científicas notata em seus versos:
“Que artesão e letrados abraçam
e vestem as matemáticas com ricos ornamentos,
essa admirável destreza matemática,
familiarizada com as estrelas do zodíaco”. (HILL, p. 167)
A obra de Raleigh parece ter repercutido durante o século XVII, aparecendo novas edições de suas obras e mesmo Oliver Cromwell recomendava a leitura de History of the World ao primogênito Richard. (HILL, idem, p. 143)
Assim, Cromwell, fidalgo, criado com modéstia em um ambiente anti-católico, e anti-espanhol, participava da luta contra Carlos I. Fizera parte com seus primos da Câmara dos Comuns. Com uma agilidade política adquirida com o tempo no exército revolucionário, apoiava-se em 1644, na autoridade do Parlamento, Falava em 5 de setembro ao coronel Walton “jamais pude satisfazer-me com a justeza desta guerra, se não fora pela autoridade do Parlamento, em manter-se na posse dos meus direitos, quanto a esta causa, espero dar provas de ser um homem honesto e de coração leal”. (Apud. Hill, p. 49).
Com estes “cavaleiros de ferro”, Cromwell em 1644 era eleito general. Quatro anos depois, o rei Carlos I era executado, segundo Hill, por motivos pragmáticos e não ideológicos e o general invadia a Irlanda com uma baixa de 1.500 a 2.000 pessoas.
O general, nesse momento, poderia aderir a algumas das ideias de Ralegh apoiando uma política mercantil, como o Ato de Navegação, em 1651, que o Parlamento declarava o monopólio imperial sobre o comércio e a frota mercante.
Em 1653, Cromwell tornava-se Lorde Protetor. Os radicais, representados em sua maioria pelos Baptistas e Quacres eram derrotados. Contudo, a ideia de que a Inglaterra era uma nação predestinada estava presente. O protetor afirmava que as benesses do Senhor “recaem sobre nós como se Ele dissesse: a Inglaterra é minha primogênita, minha alegria entre as nações, e sob este céu que nos Cobre o Senhor jamais deu esse tratamento a nenhum dos povos que nos rodeiam”(Apud. Hill, pp. 123-126).
(HILL, 1983, p. 79)
“Uma vez iniciada a guerra contra o rei, surgiram divisões no seio e no exterior do Parlamento, quanto ao modo de a conduzir. As tropas da pequena nobreza realista (os Cavaleiros) tinham determinadas vantagens militares. Os cabeças redondas [este nome tem uma conotação com o escárnio social] eram mais fortes nas cidades, mas se bem que os habitantes dos burgos trouxessem dinheiro para a causa, não eram inicialmente homens experimentados na luta. Os cavaleiros, por outro lado, contavam principalmente com o norte e o oeste da Inglaterra, economicamente atrasados e mal administrados; e, juntamente com os seus arrendatários e vassalos, estavam habituados a cavalgar e a combater duramente”. (Idem, p. 79)
“Durante muito tempo, contudo, o Parlamento procurou lutar contra os Cavaleiros com as próprias armas destes – chamando as milícias feudais dos condados leais ao Parlamento, utilizando o velho aparelho financeiro e administrativo dos condados para continuar a guerra. Porém, deste modo, os verdadeiros recursos do Parlamento não foram aproveitados – a imensa riqueza de Londres, as capacidades administrativas da burguesia, e, em particular, a iniciativa de recursos da massa do povo que finalmente apoiava a causa, - sendo defraudados pelo sistema de casta que estava na base do fornecimento de oficiais às milícias e pelos caciques locais. Um avanço realista sobre Londres apenas foi impelido pela resistência obstinada de três grandes portos – Hull, Plymouth e Gloucester – e pela corajosa frente feita pelos cidadãos de Londres em Turnham Green (1642) e a marcha destemida em socorro de Gloucester. Porém, estes esforços espontâneos tiveram uma coordenação inadequada” (Idem, p. 80)
Segundo Hill, a burguesia necessitava do povo no início das batalhas contra os Cavaleiros. Em abril de 1645, “todos os membros do Parlamento foram obrigados pelo ‘Self-Denying Ordinance’ (Decreto de Abnegação) a renunciar ao comando. Este fato atingiu principalmente os nobres; a renúncia ao seu direito tradicional de comandar as forças armadas do pais constituía só por si uma revolução social secundária. Formou-se o Novo Exército Modelo, com a carreira aberta a talentos, organizada a nível nacional e financiado por um novo imposto nacional”. (Idem, p. 83)
“Por sua vez, isto conduziu a mudanças correspondentes no aparelho do Estado. A destruição da burocracia real deixara um vazio que deveria ser preenchido po funcionários da classe média. Porém, a expressão das necessidades revolucionárias levava à criação de uma série de comités revolucionários nas várias localidades. (...)”. Para Hill, “estes comités estavam agora organizados centralizados e submetidos ao controlo geral dos grandes comités do Parlamento, que realmente conduziam a Guerra Civil – o comité de ambos os reinos, o comité para o empréstimo de dinheiro, etc. O velho sistema estatal foi parcialmente destruído e modificado; novas instituições surgiram sob a pressão dos acontecimentos”. (Idem, p. 84)
A guerra fora ganha pela artilharia de alta qualidade de Cromwell, constituída por pequenos proprietários contra os cavaleiros realistas. A disciplinas dos mais humildes de Cromwell ganhavam os confrontos. Conforme Hill, “uma vez devidamente organizado e pago com regularidade, dotado de um comissário e de técnicas eficientes, e com Cromwell nomeado chefe indispensável, o Novo Exército Modelo avançava rapidamente para a vitória, e os realistas foram derrotados em Naseby (1645). A guerra acabou pouco depois. (...)”. (Idem, p. 85)
“(...) Uma vez terminada a luta, os ‘Presbiterianos’ partidários do compromisso recomeçaram a levantar a cabeça, dentro e fora do Parlamento. Carlos tinha-se rendido em 1646 ao exército escocês, que o negociou com o Parlamento inglês. Logo a seguir, os ‘Presbiterianos’ começaram a negociar com o rei no cativeiro: propuseram livrar-se do exército vitorioso enviando-o à conquista da Irlanda, sem pagarem os salários; não realizaram reformas sociais, nem sequer indenizaram pelos actos cometidos durante a guerra, perante os tribunais para responder pelo que tinham feito ao serviço do Parlamento”. (Idem, pp. 85-86)
Em Londres surgia um partido político representando os interesses dos pequenos proprietários, eram os Levellers, os quais contactavam-se com os agitadores do exército.  “A agitação no exército atingiu o seu ponto culminante na primavera de 1647, com a tentativa para dissolver os regimentos existentes e formar outros destinados à Irlanda. Conduzidos pela cavalaria formada pelos pequenos proprietários rurais, os soldados rasos organizavam-se, nomearam deputados de cada regimentos (‘agitadores’, como lhes chamavam) para um conselho central, empenhados em manter a solidariedade e não entrarem de licença até as suas exigências serem satisfeitas. O grau de organização era muito elevado – fundos para o partido, recrutamento de membros, uma tipografia, contatos com Londres, com os outros exércitos e guarnições e com a armada. Parece não haver dúvidas de que a iniciativa para este movimento de massas veio dos soldados rasos, se bem que muitos dos oficiais menos graduados cooperassem dede o início com entusiasmo. Os generais ( ‘os grandes’, como os Levellers lhes chamavam) hesitaram durante algum tempo, procurando servir de medianeiros entre a maioria ‘Presbiteriana’ no Parlamento e os soldados do exército. Mas quando viram que estes estavam decididos a avançar, participaram do movimento e concentraram-se daí em diante em canalizar as suas energias. Procuravam sobretudo limitar as exigências dos soldados aos aspectos profissional e politico e minimizar o programa social e econômico que os Levellers faziam para enxertar no movimento dos soldados”. (Idem, pp. 86-87)
“O exército e o Parlamento coexistiam agora no Estado como poderes rivais. Em junho de 1647, a fim de evitar que os ‘Presbiterianos’ que faziam parte do Parlamento chegassem a um acordo com o rei nas costas do exército, o alferes de cavalaria Joyce foi enviado pelos agitadores (provavelmente, com a conivência de Cromwell) para render Carlos I. Numa reunião geral que teve lugar no dia seguinte, todo o exército se comprometeu solenemente a não se desagregar até que estivessem asseguradas as liberdades em Inglaterra. Foi formado um Conselho do Exército, no qual se sentavam lado a lado representantes eleitos dos soldados oficiais, com a finalidade de decidirem sobre questões políticas. A Inglaterra nunca mais voltou a ver um controle democrático do exército como o que existiu durante os seis meses seguintes. Empregando o rei como uma arma, o exército marchou sobre Londres. Os principais chefes ‘Presbiterianos’ afastaram-se da Câmara dos Comuns, deixando Cromwell e os ‘Independentes’, temporariamente, com a situação sob  controle; o exército estava definitivamente em posição de influenciar a atuação política”. (Idem, p. 88)
“...a burguesia, cujos interesses os Levellers representavam cada vez mais, desejava grandes modificações. Ao mesmo tempo, a influencia dos Levellers no exército crescia rapidamente. Pretendiam um livre câmbio absoluto para os pequenos produtores, assim como a libertação das grandes companhias mercantis dos monopólios corruptos, que o Parlamento já abolira; exigiam a separação da Igreja e do Estado e a abolição das dizimas; a proteção da pequena propriedade e a reforma da lei dos devedores; e, para assegurarem tudo isto queriam uma república, a extensão dos direitos parlamentares e o direito de voto para todos os homens”. (Idem, pp. 88-89)
“(...) Uma tentativa dos Levellers para ficarem no controle do exército foi frustrada pelos ‘Grandes’ em Ware, em Novembro de 1647, dai resultando a dissolução do Conselho do Exército e o fim da democracia no exército. Entretanto, o rei fugiu da prisão, a guerra civil recomeçou em maio do ano seguinte, e o exército voltou a formar-se com Cromwell à frente”. (Idem, pp. 89-90)
“Após a vitória do exército nessa segunda guerra civil, os ‘Grandes’ e os ‘Levellers’ aliaram-se para afastarem do Parlamento os partidários do compromisso (Pride’s Purge) e levaram o rei a tribunal. Depois de um julgamento sumário, o rei foi executado em 30 de janeiro de 1649, como ‘inimigo da nação. A monarquia foi declarada ‘desnecessária, opressiva e perigosa para a liberdade, segurança e interesse público do povo’ e foi abolida. A Câmara dos Pares, igualmente abolida, era simplesmente ‘inútil e perigosa’. Em 19 de maio de 1649 foi proclamada a república. Mas o Agreement of the People, a extensão dos direitos parlamentares, as exigências econômicas e sociais dos Levellers estavam tão longe de terem sido alcançadas como sempre; sentiram, pois, que tinham sido traídos. Os ‘Grandes’ conseguiram leva-los a uma revolta malograda, que foi isolada e dominada, sendo os seus chefes executados em Burford, em maio de 1649”. (Idem, p. 90)
Relatando a respeito dos interesses dos grupos revolucionários, Hill observa que “no seio da revolução burguesa inglesa, foi o movimento dos Diggers que representou ao máximo os interesses dos que não possuíam bens. Constituiu numa tentativa de proceder por meio da ação direta a uma forma de comunismo agrário, tentativa essa realizada por membros do proletariado rural expropriado, que argumentavam que os grandes senhores tinham sido tão derrotados como o rei, que a vitória do povo tinha liberto o solo de Inglaterra, que lhes cabia agora cultivar”. (Idem, pp. 92-93)
“(...) Na primavera de 1649, um grupo de Diggers começou a cavar um terreno abandonado de St. George’s Hill, no Surrey. Os gentis-homens e os párocos locais, indignados, chamaram a tropa e a colônia comunista foi posta em debanda. Houve tentativas semelhantes em Kent, em Buclinghamshire e em Norhamptonshire, mas o movimento não atingiu grandes dimensões, por representar uma classe pequena, embora em crescimento; o pacifismo e a resistência passiva pregados pelos seus chefes evidenciavam a sua debilidade”. (Idem, p. 93)
Ainda tratando desses movimentos e ideais comunistas, Hill declara que o “ideal comunista de Winstanley foi certo sentido um tanto retrógrado, uma vez que tinham origem na comunidade de aldeia que o capitalismo estava em vias de desintegrar. Porém, os Diggers eram os opositores mais radicais e igualitários da ordem social feudal. As afirmações claras e simples de Winstanley têm ressonâncias contemporâneas. (....) E Winstanley não olhava aprenas para o passado, vislumbrava um futuro...”. (Idem, p. 94)
Christopher Hill levanta alguns pontos importantes para o avanço da economia e do imperialismo inglês em detrimento da democracia e da constituição republicana:
1.              “A  conquista da Irlanda, com a expropriação dos proprietários de terras, e dos camponeses (...)”;
2.              A conquista da Escócia, restabelecendo à antiga relação econômica aberta aos comerciantes ingleses;
3.              A política comercial avançada com o Acto de Navegação de 1651, o qual definia o monopólio inglês de comércio e o confronto contra os holandeses pelos domínios comerciais e coloniais;
4.              Política colonial intensiva, sendo que a Inglaterra passava a dominar a Jamaica e Dunquerque;
5.              Abolição dos domínios feudais, com a mercantilização das terras;
6.              Desarmamento dos Cavaleiros e tomada de terras dos realistas, da Igreja e da Coroa. (Idem, pp. 94-97)
Contudo, em 1653, Cromwell dissolvia o Parlamento Longo e convocou uma assembleia de seus próprios partidários (Barebones Parliament), restabelecendo os interesses da pequena burguesia. Dissolvida novamente a assembleia, foi declarado Lorde Protetor. (Idem, p. 98)
Com o Protetorado, a Igreja passava a ser controlada diretamente pelo Estado, o exército comandava a imprensa em 1655, e, consequentemente, os panfletos oposicionistas tornavam-se ilegais. Assim, o governo fixava-se em torno da baioneta com a profissionalização do exército.
No plano externo, a política econômica sob a liderança do Lorde Protetor tornava-se anti holandesa, pois ambos os países disputavam o comércio. Os Países Baixos, nesse contexto, controlavam regiões coloniais no Novo Mundo, como a Capitania de Pernambuco. Nessa expansão mercantil inglesa, os holandeses e escoceses eram enviados para o domínio ultramarino. Nessa mesma mercantilização, os comerciantes apoiavam e eram apoiados pelo Estado. Como exemplo dos investimentos dos comerciantes, Hill aponta a prosperidade manufatureira de Bristol e Liverpool graças ao tráfico de escravos na segunda metade do século XVII.
Nessa política externa, era significativo o apoio internacional do Protetorado conservador à França. Além disso, as condições internacionais inglesas fortaleceram-se no governo de Cromwell. A preocupação política da sucessão de Cromwell acontecia durante os anos de 1658 e 1659. Também a igreja tolerante do Estado do Lorde Protetor ganhava dissidentes penta-monarquiastas, batistas e quacres. Desse modo, Igreja e Estado de Cromwell, conforme Christopher Hill, era “uma instituição rodeada por igrejas não conformistas, que tinham condições de se sustentar a si mesmas e eram toleradas pelo Estado”. Porém, com a crise da sua sucessão, esses dissidentes ficaram cada vez mais descontentes depois da sua morte em 3 de setembro de 1658. (Hilll, Eleito de Deus, p. 153).
Dois anos depois da morte de Cromwell, seu filho Richard foi deposto. Carlos II assumia o poder por meio do auxílio dos grandes da burguesia. Não obstante, conforme Hill, em As Revoluções Inglesas, “a Restauração não foi de modo nenhum uma restauração do Antigo Regime, tornando evidente, não a fraqueza da burguesia e da pequena nobreza, mas sua força” (HILL, 1989, p. 109). Na perspectiva desse autor, poucas transformações aconteceram a partir do retorno de Carlos II, que possuía apoio entre os mercadores e a nobreza rural.
A Igreja, com a restauração, tornava-se mais rica, dependente do Parlamento. E os realistas, adeptos da Monarquia Antiga, adaptavam-se às novas regras do mercado livre, tornando-se “agricultores capitalistas”, conforme Hill, ou sucumbiam na competitividade.
O rei, com a restauração, tornava-se o primeiro funcionário público e não mais um rico proprietário de terras com rendimento próprios.
No plano econômico, o controle real sobre os monopólios e as guildas (nota-se também a abolição do regime feudal durante as guerras civis) desfaz-se. Assim, para Hill, o comércio e a indústria agora livres expandiram-se rapidamente. Na Restauração não se deu qualquer ruptura na política comercial, imperial ou exterior.
O período da Restauração até a Revolução gloriosa de 1688, segundo Hill, constituíram uma época de austeridade. É significativo dessa situação econômica o receio do ministro Presbiteriano, que em 1666 declarava que “se bem que pouco tempo depois do estabelecimento da nação nos víssemos como a parte desprezada e defraudada. Todavia, de tudo quanto tenho sofrido desde aí, considero como ficando aquém de minha preocupação e receios de então. Nessa altura, estávamos a mercê e impulsos de uma multiplicação inconstante, violenta, sangrenta....”(p.115)
Com a possibilidade de Restauração da monarquia absoluta, Jaime II era expulso do governo e Guilherme de Orange, um estrangeiro, assumia o trono da Revolução Gloriosa de 1688. Esse nome, de acordo com Hill, era explicado pela ausência de “derramamento de sangue” e sem possibilidade de reviver as exigências revolucionárias democráticas.
Discutindo o significado de 1968, para Pocock, os magnatas ingleses articularam a vinda do príncipe, pois havia o risco de nova guerra civil. Também os grupos protestantes viam o perigo da aproximação de Jaime II com o papado. Entretanto, segundo Pocock, a Revolução de 1688, estabelecia o constitucionalismo e que a não ocorrência de uma guerra civil sangrenta na Inglaterra, não era significado de continuidade e de retorno aos grupos conservadores. Dessa maneira, na sua perspectiva, esse momento era marcado por “tensões e clivagens” entre a Igreja e o trono.
Assim, no ano de 1688 era um momento chave para Pocock, dado o florescimento do comércio e do avanço político e econômico externo da Inglaterra com o aperfeiçoamento técnico, principalmente da marinha, a emergência do poder imperial.
Também na Igreja, o impacto da Revolução de 1988 foi percebido por Pockock com a autoridade dos magistrados defendida pelos anglicanos. A igreja, desse modo, passava a defender a legalidade civil, aproximando-se das ideias iluministas na crença da humanidade.
Ainda na política externa, a Inglaterra expandia seu domínio incorporando a Escócia, as conquistas com guerras contra os Irlandeses e reorganizando o império colonial.
Em síntese, Pockock tenta desconstruir a interpretação historiográfica dos Whig, partido da reforma liberal, que precisavam distanciaras revoluções de 1648 e 1688, pois reivindicavam a causa parlamentar, o regicídio e o republicanismo. O autor aponta para uma “desconstrução” das ideias da história do Whig.
Concluindo, a historiografia sobre a Revolução inglesa passou por L. Stone que enfatiza o período pré- revolucionário e faz, segundo Florenzano, a história do “ponto de vista dos vencedores”. (Modesto Florenzano, in: STONE, p. 11-26)
Chistopher Hill compreende a trajetória de Oliver Cromwell no contexto das ideias e das atividades dos revolucionários, analisando a vida do Lorde Protetor relacionada com questões políticas e sociais mais amplas. Esse autor ainda constrói uma perspectiva multifacetada das ações da cultura política durante os períodos mais sangrentos, quando as movimentações sociais e a guerra civil radicalizavam-se.
Por fim, Pocock insere-se em uma perspectiva de compreender as mudanças nas ações políticas e da cultura política, retomando e desconstruindo a historiografia sobre a Revolução Inglesa, mas ao mesmo tempo faz uma história dos conceitos sem esquecer as características mais amplas do período e a circulação de ideias.

Bibliografia
HILL, Christopher. O Eleito de Deus. Oliver Cromwell e a Revolução Inglesa. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.
HILL, Christopher. A Revolução Inglesa de 1640. 2 ed. Lisboa, . Presença, 1983.
HILL, Christopher. Origens Intelectuais da Revolução Inglesa. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
STONE, Lawrence. Causas da Revolução Inglesa. Bauru: Edusc, 2000.