“Historicidade’, por que? Que Hegel a Ricoeur,
passando por Dilthey e Heidegger, o termo remete a uma longa e pesada história
filosófica. Pode-se enfatizar seja a presença do homem para si mesmo enquanto
história, seja sua finitude, seja sua abertura para o futuro (com o ser-para-a
morte em Heidegger). Retenhamos aqui que o termo expressa a forma de condição
histórica, a maneira como um indivíduo ou uma coletividade se instaura e se
desenvolve no tempo. É legítima, observarão, falar de historicidade antes da
formação do conceito moderno de história, entre o fim do século XVIII e o
início do século XIX? Sim, e por ‘historicidade’ se entender esta primeira
experiência de estrangment , de distância de si para si mesmo que, justamente,
as categorias do passado, presente e futuro permitem a aprender a dizer,
ordenando-a e dando-lhe sentido. Assim, remontando bastante, até Homero, é a
experiência que Ulisses faz diante do barbo dos feácios contando as façanhas:
ele se encontra repentinamente confrontando com a incapacidade de unir o
Ulisses glorioso que ele era (aquele que tomou Tróia) ao náufrago que perdeu
tudo, até seu nome, que ele é agora. Falta-lhe justamente a categoria de
passado, que permitiria reconhecer-se neste outro que é, no entanto, ele mesmo.
É também, no início do século V, a experiência (diferente) relatada por Santo
Agostinho. Lançado em sua grande meditação sobre o tempo, no livro XI das
Confissões, ele se encontra inicialmente incapaz de dizer, não em um tempo
abstrato, mas esse tempo que é ele, sob esses três modos: a memória (presente
do passado), a atenção (presente do presente) e a expectativa (presente do
futuro). Podemos nos servir da noção de regime de historicidade antes ou independente
da formulação do conceito moderno de história, tal como a delineou bem o
historiador alemão Reinhart Koselleck” (p. 12)
“O uso que proponho do regime de historicidade pode ser tanto amplo, como restrito: macro ou micro-histórico. Ele pode ser um artefato para esclarecer a biografia de um personagem histórico (tal como Napoleão, que se encontrou entre o regime moderno, trazido pela Revolução, e o regime antigo, simbolizando pela escolha do Império e pelo casamento com Maria-Luisa da Áustria), ou a de um homem comum; com ele, pode-se atravessar uma grande obra ( literária ou outra), tal como as Mémoires d’autre-tombe de Chateaubriand Conde ele se apresenta como o ‘nadador que mergulhou entre duas margens do rio do tempo’), pode-se questionar a arquitetura de uma cidade, ontem e hoje, ou então comparar as grandes escansões em relação com o tempo de diferentes sociedades próximas ou distantes. E, cada vez, por meio de atenção muito particular dando aos momentos de crise do tempo, e às suas expressões, via-se produzir mais inteligibilidade”.
“O uso que proponho do regime de historicidade pode ser tanto amplo, como restrito: macro ou micro-histórico. Ele pode ser um artefato para esclarecer a biografia de um personagem histórico (tal como Napoleão, que se encontrou entre o regime moderno, trazido pela Revolução, e o regime antigo, simbolizando pela escolha do Império e pelo casamento com Maria-Luisa da Áustria), ou a de um homem comum; com ele, pode-se atravessar uma grande obra ( literária ou outra), tal como as Mémoires d’autre-tombe de Chateaubriand Conde ele se apresenta como o ‘nadador que mergulhou entre duas margens do rio do tempo’), pode-se questionar a arquitetura de uma cidade, ontem e hoje, ou então comparar as grandes escansões em relação com o tempo de diferentes sociedades próximas ou distantes. E, cada vez, por meio de atenção muito particular dando aos momentos de crise do tempo, e às suas expressões, via-se produzir mais inteligibilidade”.