sábado, 16 de dezembro de 2017

"Historicidade" em HARTOG, François. Regime de Historicidade. Presentismo e experiência do tempo. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2015.

     “Historicidade’, por que? Que Hegel a Ricoeur, passando por Dilthey e Heidegger, o termo remete a uma longa e pesada história filosófica. Pode-se enfatizar seja a presença do homem para si mesmo enquanto história, seja sua finitude, seja sua abertura para o futuro (com o ser-para-a morte em Heidegger). Retenhamos aqui que o termo expressa a forma de condição histórica, a maneira como um indivíduo ou uma coletividade se instaura e se desenvolve no tempo. É legítima, observarão, falar de historicidade antes da formação do conceito moderno de história, entre o fim do século XVIII e o início do século XIX? Sim, e por ‘historicidade’ se entender esta primeira experiência de estrangment , de distância de si para si mesmo que, justamente, as categorias do passado, presente e futuro permitem a aprender a dizer, ordenando-a e dando-lhe sentido. Assim, remontando bastante, até Homero, é a experiência que Ulisses faz diante do barbo dos feácios contando as façanhas: ele se encontra repentinamente confrontando com a incapacidade de unir o Ulisses glorioso que ele era (aquele que tomou Tróia) ao náufrago que perdeu tudo, até seu nome, que ele é agora. Falta-lhe justamente a categoria de passado, que permitiria reconhecer-se neste outro que é, no entanto, ele mesmo. É também, no início do século V, a experiência (diferente) relatada por Santo Agostinho. Lançado em sua grande meditação sobre o tempo, no livro XI das Confissões, ele se encontra inicialmente incapaz de dizer, não em um tempo abstrato, mas esse tempo que é ele, sob esses três modos: a memória (presente do passado), a atenção (presente do presente) e a expectativa (presente do futuro). Podemos nos servir da noção de regime de historicidade antes ou independente da formulação do conceito moderno de história, tal como a delineou bem o historiador alemão Reinhart Koselleck” (p. 12)
        “O uso que proponho do regime de historicidade pode ser tanto amplo, como restrito: macro ou micro-histórico. Ele pode ser um artefato para esclarecer a biografia de um personagem histórico (tal como Napoleão, que se encontrou entre o regime moderno, trazido pela Revolução, e o regime antigo, simbolizando pela escolha do Império e pelo casamento com Maria-Luisa da Áustria), ou a de um homem comum; com ele, pode-se atravessar uma grande obra ( literária ou outra), tal como as Mémoires d’autre-tombe de Chateaubriand Conde ele se apresenta como o ‘nadador que mergulhou entre duas margens do rio do tempo’), pode-se questionar a arquitetura de uma cidade, ontem e hoje, ou então comparar as grandes escansões em relação com o tempo de diferentes sociedades próximas ou distantes. E, cada vez, por meio de atenção muito particular dando aos momentos de crise do tempo, e às suas expressões, via-se produzir mais inteligibilidade”.

sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

RICOEUR, Paul. Objetividade e subjetividade na História. In: História e Verdade. Rio de Janeiro: Cia. Forense, 1968, pp. 23-44

           "(...) A história faz o historiador tanto quantoo historiador faz a história. Ou antes, o mister do historiador faz a história e o historiador. Outrora, impunha-se a razão ao sentimento, à imaginação, hoje, reintroduzimos de certo modo a imaginação e sentimento na racionalidade pela qual optou o historiador que faz com que a linha de clivagem passe pelo próprio cerne do sentimento e da imaginação, cindindo aquilo que eu chamaria um eu de pesquisa e um eu patético: o eu do ressentimentos, dos ódios, dos requisitórios. Ouçamos uma última vez Marc Bloch ‘compreender não é julgar’. (...)” (p. 34)