Os têxteis e as roupas no universo das sociedades pré-industriais eram
peças de valores significativamente altos, bem como de preciosos significados
simbólicos. Dessa forma, as práticas de produção, circulação e consumo
indumentários e têxteis devem ser analisadas a partir de uma temporalidade
longa, centrada basicamente dos séculos XII ao XVI, pois algumas modificações
eram lentas, outras mais aceleradas.
No plano das transformações das
formas indumentárias, o debate historiográfico acirra-se em relação à
construção da ideia de moda. Em meados da década de 1970, François Piponnier e
Perrine Mane publicaram um trabalho importante sobre o vestir-se, analisando
vários tipos documentais como iconografias, romances cavalheirescos, livros de
contas, testamentos, inventários e evidências materiais.
Na interpretação realizada pelos autores não houve distinção entre vestir-se
e o costume. Realizaram uma introdução ao tema da indumentária na Europa, indo
além do período Medieval, informando sobre os materiais, os consumos vestuários
ainda incipientes, os quais variavam conforme os diferentes estratos
sócio-econômico, os ciclos de vida e as relações entre os gêneros. [1]
Tratando dos papéis femininos na economia indumentária, por meio da
análise da literatura de cavalaria, Monica L. Wright, em “‘De fil d’Or ET de
Soie’: making textiles in Twelfth-Century French Romance”, defende a ideia de
que a partir da metade do século XII, o domínio da fabricação dos têxteis não
era somente feminino, mas contava com o trabalho dos homens artesãos de ofício.
As atividades de cuidado com as ovelhas, fiação, tecelagem e costura passavam a
fazer parte dos ofícios masculinos.[2]
De uma maneira geral, dentre os materiais existentes, pesquisadores, como
Popponier & Mane destacaram a presença da lã na fabricação dos tecidos
medievais, revelando que a técnica da produção têxtil lanífera variava entre as
diferentes regiões européias. Os autores apontaram ainda que, no reino de
Aragão, os proprietários de terra criavam raças de merino [tipo de carneiro]
que produziam produtos laníferos excepcionalmente finos.
A descoberta e o uso do tear
horizontal, além das técnicas de tecelagem no século X, foram as mais importantes
revoluções na produção têxtil durante todo o período Medieval. Com relação às
cores dos tecidos laníferos, no século XIII, aumentavam as tonalidades
vibrantes nas cidades que no século seguinte, espalharam-se para o campo. Na
Idade Média Tardia, as tinturas verdes e azuis escuras, violeta e o preto nos
tecidos de lã tornaram-se mais populares, embora haja poucas evidências desses
tecidos nos inventários e testamentos medievais.[3]
Piponier e Mane afirmaram que as
indumentárias laníferas eram utilizadas no cotidiano de todas as camadas
sociais, diferentemente da seda, a qual era reservada, predominantemente, às
cerimônias religiosas. Na Europa do Oeste, os tecidos sedosos eram produzidos
em regiões como as da Sicília – mais próxima do comércio com o Oriente. A
partir do século XIV, Palermo, Lucca, Florença, Veneza e Genova,
consequentemente, passaram a ser grandes produtoras desse tecido.[4]
A Península Ibérica, influenciada
pela presença muçulmana, também produzia a seda. Um dos mais importantes
têxteis realizados na região eram os brocados de carmesim aveludados e cetins,
tingidos com corantes de cochinilha, que atingiam preços astronômicos. No fim
do século XIV, quando o preto tornava-se moda, as sedas banhadas em séries de
tinturas de ísatis e indigos tornaram-se predominantes.
Além do brocado, o tafetá, ou cendal, fabricado também com a seda,
tornara-se mais barato. A produção, a circulação e o consumo de seda, por causa
do alto preço e das leis suntuárias, restringiam-se à alta nobreza e à
burguesia das Monarquias européias. Têxteis laníferos sobrepujavam em muito a
seda, com relação à quantidade de tecidos.[5]
Ao analisar o comércio têxtil de Paris no século XIII, Sharon Farmer, em “Biffes,
tireatines and aumonières: the role of Paris in the international textile
markets of the Thirteenth and Fourteen Centuries”, nota que em 1239, tecidos de
lã parisiense, chamados de biffes,
eram comercializados com várias regiões, como Aragão, Castela, Portugal,
Genova, Veneza, Florença, Siena, Marcele e Provença. Também descreveu as
mudanças ocorridas na fabricação e no comércio do tiretaine, espécie de mistura de tecido de lã e linho, ou lã e
seda, produzido em Saint-Marcel, uma região do subúrbio de Paris. Esses tecidos
eram de diferentes preços e qualidades, variando de acordo com as camadas
sociais que os utilizavam. O tiretaine francês, a partir de 1314, era
suplantado pelo florentino, sendo esse consumido pela aristocracia da corte do
Norte da Europa.[6]
Na passagem do século XIII ao XIV, os têxteis de linho das cidades de
Reins e Paris tinham preços superiores aos ingleses, destacando-se os mappa, tipos de tecidos laníferos
vendidos à realeza inglesa, em 1303 a 1330, assim como ao papado de Avignon
(1307-1417).[7]
Dentre os tecidos luxuosos feitos em Paris, estava a produção de seda,
havendo seis corporações de ofício. Salientando-se também o papel das artesãs
especializadas na produção de tecidos de seda para a confecção de véus (“ouvrieres
de tissuz, tesserandes de soie”), bem como o velvet, tecido sedoso de feitura exclusivamente masculina.[8]
Os tecidos bordados eram outra produção artesanal luxuosa de Paris para o
consumo da realeza e do alto clero, sendo esses últimos presenteados com
preciosos têxteis pela aristocracia. Também os burgueses da cidade, segundo
Farmer, começavam a consumi-los.[9]
Em Paris, havia o mercado de peças sarracenas das bolsas de almas, isto
é, pequenas bolsas de pano bordadas com motivos cavalheirescos – de encontros
entre damas e cavalheiros, este comércio chamado em francês de “faiseuses d’aumonières
sarrazioises”. Era habitual senhoras da aristocracia presentearem seus
familiares com essas bolsas, como o fazia a condessa de Mahaut de Artois. Para
Farmer, Paris tornava-se o centro propagador de uma enorme variedade de
têxteis, que circulavam entre reis, papas, aristocratas e burgueses durante o
século XIV.[10]
[1] Françoise Piponnier & Perrine
Mane. Dress in the Meddle Ages. Yale
University, 1997. (tradução).
[2] Monica L. Wright. ‘De fil d’or et
de soie’: making textiles in Twelth-Century. In: Robin Netherton & Owen-Crocker,
Gale R. Medieval clothing and textiles.
Woodbridge, U.K.: The Boydell Press, v.2, 2010, pp.
61-72.
[3] Françoise Piponnier & Perrine
Mane. Op. Cit., pp. 18-19.
[4]
Idem, pp. 19-20.
[5]
Idem, pp. 20-21.
[6] Sharon Farmer. Biffes, tireatines
and aumonières: the role fo Paris in the international textile markets of the
Thirteenth and Fourteen Centuries. In: Robin
Netherton & Gale R. Ower-Croker.
Medieval Clothing and textiles. Woodbridge, U.K.: The Boydell Press, v.2,
2006, p. 78.
[7] Idem, p. 79.
[8] Idem, p.
83.
[9] Idem, p.
86.
[10] Idem,
pp. 87-89.
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