terça-feira, 29 de maio de 2012

HISTÓRIA DA MODA NA FORMAÇÃO DA IDADE MODERNA. IGOR RENATO MACHADO DE LIMA


Os têxteis e as roupas no universo das sociedades pré-industriais eram peças de valores significativamente altos, bem como de preciosos significados simbólicos. Dessa forma, as práticas de produção, circulação e consumo indumentários e têxteis devem ser analisadas a partir de uma temporalidade longa, centrada basicamente dos séculos XII ao XVI, pois algumas modificações eram lentas, outras mais aceleradas.
 No plano das transformações das formas indumentárias, o debate historiográfico acirra-se em relação à construção da ideia de moda. Em meados da década de 1970, François Piponnier e Perrine Mane publicaram um trabalho importante sobre o vestir-se, analisando vários tipos documentais como iconografias, romances cavalheirescos, livros de contas, testamentos, inventários e evidências materiais.
Na interpretação realizada pelos autores não houve distinção entre vestir-se e o costume. Realizaram uma introdução ao tema da indumentária na Europa, indo além do período Medieval, informando sobre os materiais, os consumos vestuários ainda incipientes, os quais variavam conforme os diferentes estratos sócio-econômico, os ciclos de vida e as relações entre os gêneros. [1]
Tratando dos papéis femininos na economia indumentária, por meio da análise da literatura de cavalaria, Monica L. Wright, em “‘De fil d’Or ET de Soie’: making textiles in Twelfth-Century French Romance”, defende a ideia de que a partir da metade do século XII, o domínio da fabricação dos têxteis não era somente feminino, mas contava com o trabalho dos homens artesãos de ofício. As atividades de cuidado com as ovelhas, fiação, tecelagem e costura passavam a fazer parte dos ofícios masculinos.[2]
De uma maneira geral, dentre os materiais existentes, pesquisadores, como Popponier & Mane destacaram a presença da lã na fabricação dos tecidos medievais, revelando que a técnica da produção têxtil lanífera variava entre as diferentes regiões européias. Os autores apontaram ainda que, no reino de Aragão, os proprietários de terra criavam raças de merino [tipo de carneiro] que produziam produtos laníferos excepcionalmente finos.
            A descoberta e o uso do tear horizontal, além das técnicas de tecelagem no século X, foram as mais importantes revoluções na produção têxtil durante todo o período Medieval. Com relação às cores dos tecidos laníferos, no século XIII, aumentavam as tonalidades vibrantes nas cidades que no século seguinte, espalharam-se para o campo. Na Idade Média Tardia, as tinturas verdes e azuis escuras, violeta e o preto nos tecidos de lã tornaram-se mais populares, embora haja poucas evidências desses tecidos nos inventários e testamentos medievais.[3]
            Piponier e Mane afirmaram que as indumentárias laníferas eram utilizadas no cotidiano de todas as camadas sociais, diferentemente da seda, a qual era reservada, predominantemente, às cerimônias religiosas. Na Europa do Oeste, os tecidos sedosos eram produzidos em regiões como as da Sicília – mais próxima do comércio com o Oriente. A partir do século XIV, Palermo, Lucca, Florença, Veneza e Genova, consequentemente, passaram a ser grandes produtoras desse tecido.[4]
            A Península Ibérica, influenciada pela presença muçulmana, também produzia a seda. Um dos mais importantes têxteis realizados na região eram os brocados de carmesim aveludados e cetins, tingidos com corantes de cochinilha, que atingiam preços astronômicos. No fim do século XIV, quando o preto tornava-se moda, as sedas banhadas em séries de tinturas de ísatis e indigos tornaram-se predominantes.
            Além do brocado, o tafetá, ou cendal, fabricado também com a seda, tornara-se mais barato. A produção, a circulação e o consumo de seda, por causa do alto preço e das leis suntuárias, restringiam-se à alta nobreza e à burguesia das Monarquias européias. Têxteis laníferos sobrepujavam em muito a seda, com relação à quantidade de tecidos.[5]
Ao analisar o comércio têxtil de Paris no século XIII, Sharon Farmer, em “Biffes, tireatines and aumonières: the role of Paris in the international textile markets of the Thirteenth and Fourteen Centuries”, nota que em 1239, tecidos de lã parisiense, chamados de biffes, eram comercializados com várias regiões, como Aragão, Castela, Portugal, Genova, Veneza, Florença, Siena, Marcele e Provença. Também descreveu as mudanças ocorridas na fabricação e no comércio do tiretaine, espécie de mistura de tecido de lã e linho, ou lã e seda, produzido em Saint-Marcel, uma região do subúrbio de Paris. Esses tecidos eram de diferentes preços e qualidades, variando de acordo com as camadas sociais que os utilizavam. O tiretaine francês, a partir de 1314, era suplantado pelo florentino, sendo esse consumido pela aristocracia da corte do Norte da Europa.[6]
Na passagem do século XIII ao XIV, os têxteis de linho das cidades de Reins e Paris tinham preços superiores aos ingleses, destacando-se os mappa, tipos de tecidos laníferos vendidos à realeza inglesa, em 1303 a 1330, assim como ao papado de Avignon (1307-1417).[7]
Dentre os tecidos luxuosos feitos em Paris, estava a produção de seda, havendo seis corporações de ofício. Salientando-se também o papel das artesãs especializadas na produção de tecidos de seda para a confecção de véus (“ouvrieres de tissuz, tesserandes de soie”), bem como o velvet, tecido sedoso de feitura exclusivamente masculina.[8]
Os tecidos bordados eram outra produção artesanal luxuosa de Paris para o consumo da realeza e do alto clero, sendo esses últimos presenteados com preciosos têxteis pela aristocracia. Também os burgueses da cidade, segundo Farmer, começavam a consumi-los.[9]
Em Paris, havia o mercado de peças sarracenas das bolsas de almas, isto é, pequenas bolsas de pano bordadas com motivos cavalheirescos – de encontros entre damas e cavalheiros, este comércio chamado em francês de “faiseuses d’aumonières sarrazioises”. Era habitual senhoras da aristocracia presentearem seus familiares com essas bolsas, como o fazia a condessa de Mahaut de Artois. Para Farmer, Paris tornava-se o centro propagador de uma enorme variedade de têxteis, que circulavam entre reis, papas, aristocratas e burgueses durante o século XIV.[10]


[1] Françoise Piponnier & Perrine Mane. Dress in the Meddle Ages. Yale University, 1997. (tradução).
[2] Monica L. Wright. ‘De fil d’or et de soie’: making textiles in Twelth-Century. In: Robin Netherton & Owen-Crocker, Gale R. Medieval clothing and textiles. Woodbridge, U.K.: The Boydell Press, v.2, 2010, pp. 61-72.
[3] Françoise Piponnier & Perrine Mane. Op. Cit., pp. 18-19.
[4] Idem, pp. 19-20.
[5] Idem, pp. 20-21.
[6] Sharon Farmer. Biffes, tireatines and aumonières: the role fo Paris in the international textile markets of the Thirteenth and Fourteen Centuries. In: Robin Netherton & Gale R. Ower-Croker. Medieval Clothing and textiles. Woodbridge, U.K.: The Boydell Press, v.2, 2006, p. 78.
[7] Idem, p. 79.
[8] Idem, p. 83.
[9] Idem, p. 86.
[10] Idem, pp. 87-89.

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