Não existe uma distinção clara em relação ao significado da linguagem no
período renascentista para o historiador atual quando os assuntos são têxteis,
vestimentas e os modos de vestir. No século XVI, os termos trajo, vestuário,
costume, habitus e mesmo a palavra
moda – se bem que mais rara – eram utilizados, não existindo, nesse momento,
uma compreensão e explicação exata dos seus significados. Por isso, é preciso
constituir uma aproximação abrangente dos significados das peças e aos poucos
reconstituir as relações entre gênero, economia e cultura indumentária durante
tempos e espaços específicos, de forma que as análises desses artefatos
tridimensionais não se distanciem da perspectiva histórica.
A palavra habitus, encontrada como título da obra de Cesare Vecellio, de
1590, Habitus Antichi et Moderni,
significa em latim aparência, aspecto.[1]
A mesma expressão originou abito em
italiano, isto é, modo de pensar.[2]
Mas em francês, transformou-se em habit,
traje, ou mesmo no verbo s'habiller,
vestir-se no século XVI. Esse último poderia ter o significado de costumeiro,
como em português.[3]
O termo habitus, utilizado de maneira constante pelas ordens religiosas na
Idade Média podia também ser entendido somente como vestimenta.[4]
Jean Claude Bologne, em História do
pudor, observa o limite tênue entre o ethos, entendido como regras de
condutas individuais, próximo ao pudor, e o habitus, definido como regras de
vida social relacionadas à decência.[5]
Também era ambíguo o termo costume em português, correspondendo à prática
comum, ou mesmo traje.[6]
Na historiografia do costume, principalmente do século XIX e mesmo do seguinte,
o termo aproximava-se ao folclore e à constituição do Estado Nacional. Na
interessante obra de Boucher, Histoire
du costume en Occident (com publicação revisada em 1986)
havia a vinculação entre costume, tradição e Nação, representandodo, durante o
Quatrocentos, as vestes inventadas nas origens dos Estados como França, Itália,
Espanha e Inglaterra.[7]
Não obstante, em sua obra tratou de algumas circularidades no modo de vestir,
sendo que para o mesmo, “Da Espanha vem
também [para a Itália] a moda do preto, que predomina no traje masculino, como
atestam os retratos pintados por Ticiano. As damas usam preferencialmente roupas
verdes ou azuladas ou num púrpura-escuro, mas Lucrecia Bórgia denota uma nítida
queda pela combinação do preto com o ouro; em uma carta de Laura Bentivoglia a
Isabela d’Este (após 1502) o autor descreve-a deitada em sua cama de vestido de
seda preta com mangas estreitas deixando passar os punhos de camisa. (...)”.[8]
Essas modas espanholas difundiam-se para a Inglaterra Tudor mesmo depois
da derrota da Incrível Armada, em 1588, com “a propensão à rigidez à
solenidade, simbolizada pelo rufo e a vertugade,
tem sua origem na corte de Filipe II.”[9]
Para Boucher, a evolução dos costumes possuía um aspecto quase de
espírito religioso até o século XIV, quando aparece um costume civil, o qual se
tornava cada vez mais relacionado com valores econômicos. A moda tornava-se,
então, regional, havendo modas italianas, alemãs, inglesas, espanholas.[10]
O costume indumentário do Novo Mundo, segundo o autor, era marcado pelas
limitações na produção, pela importação de têxteis luxuosos, exportação de
matéria prima como as peles de animais e a produção de algodão e “os trajes de
festa americanizam-se” com peles de bisão e diademas de plumas.[11]
Mas o costume possuia um significado ambíguo. Por um lado, representava a vida cotidiana, ou seja, o dia a dia das populações, tais como os modos de comer e vestir-se. Por outro, significa os formatos das vestimentas, mais relacionados ao folclore e às construções das vestes dos Estados Nacionais em formação, ou mesmo dos tradicionais costumes antigos.
[1]
Cesare Vecellio. Habitus Antiqui et Moderni. The clothing of the
Renaissance world. London:
U.K.Tames & Hudson, 2008.
[2]
Salvatore Battaglia. Grande Dizionario
della lingua italiana. Torino: Unione Tipografico, 1978, vol. 8, p. 186.
[3]
Dictionnaire de l'ancienne langue
française et de tous ses dialectes. Du
IX au XV siècle. Paris, vol. 4, 1938, p. 394.
[4]
Ann Rosalind Jones & Peter Stallybrass. Renaissance clothing and materials
of memory. Cambridge,
UK., 2000, p. 6.
[5]
Agradeço a Ronaldo Vainfas a indicação do livro: Jean Claude Bologne. História do pudor. Rio de Janeiro:
Elfos, 1990, p. 14 e 58. (tradução)
[6]
Dictionnaire de l'ancienne langue
française et de tous ses dialectes.Op. Cit., vol. 2, 1938, p. 327.
[7]
François Boucher. História do Vestuário
do Ocidente. São Paulo: CosacNaify, 2010.
[8]
Idem, p. 184.
[9]
Idem, p. 202.
[10]
Idem, p. 13-17
[11]
Idem, p. 255.
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