terça-feira, 29 de maio de 2012

A LINGUAGEM DAS ROUPAS E A MODA NA ALTA IDADE MODERNA. IGOR RENATO MACHADO DE LIMA


Não existe uma distinção clara em relação ao significado da linguagem no período renascentista para o historiador atual quando os assuntos são têxteis, vestimentas e os modos de vestir. No século XVI, os termos trajo, vestuário, costume, habitus e mesmo a palavra moda – se bem que mais rara – eram utilizados, não existindo, nesse momento, uma compreensão e explicação exata dos seus significados. Por isso, é preciso constituir uma aproximação abrangente dos significados das peças e aos poucos reconstituir as relações entre gênero, economia e cultura indumentária durante tempos e espaços específicos, de forma que as análises desses artefatos tridimensionais não se distanciem da perspectiva histórica.
A palavra habitus, encontrada como título da obra de Cesare Vecellio, de 1590, Habitus Antichi et Moderni, significa em latim aparência, aspecto.[1] A mesma expressão originou abito em italiano, isto é, modo de pensar.[2] Mas em francês, transformou-se em habit, traje, ou mesmo no verbo s'habiller, vestir-se no século XVI. Esse último poderia ter o significado de costumeiro, como em português.[3] O termo habitus, utilizado de maneira constante pelas ordens religiosas na Idade Média podia também ser entendido somente como vestimenta.[4]
Jean Claude Bologne, em História do pudor, observa o limite tênue entre o ethos, entendido como regras de condutas individuais, próximo ao pudor, e o habitus, definido como regras de vida social relacionadas à decência.[5]
Também era ambíguo o termo costume em português, correspondendo à prática comum, ou mesmo traje.[6] Na historiografia do costume, principalmente do século XIX e mesmo do seguinte, o termo aproximava-se ao folclore e à constituição do Estado Nacional. Na interessante obra de Boucher, Histoire du costume en Occident (com publicação revisada em 1986) havia a vinculação entre costume, tradição e Nação, representandodo, durante o Quatrocentos, as vestes inventadas nas origens dos Estados como França, Itália, Espanha e Inglaterra.[7] Não obstante, em sua obra tratou de algumas circularidades no modo de vestir, sendo que  para o mesmo, “Da Espanha vem também [para a Itália] a moda do preto, que predomina no traje masculino, como atestam os retratos pintados por Ticiano. As damas usam preferencialmente roupas verdes ou azuladas ou num púrpura-escuro, mas Lucrecia Bórgia denota uma nítida queda pela combinação do preto com o ouro; em uma carta de Laura Bentivoglia a Isabela d’Este (após 1502) o autor descreve-a deitada em sua cama de vestido de seda preta com mangas estreitas deixando passar os punhos de camisa. (...)”.[8]
Essas modas espanholas difundiam-se para a Inglaterra Tudor mesmo depois da derrota da Incrível Armada, em 1588, com “a propensão à rigidez à solenidade, simbolizada pelo rufo e a vertugade, tem sua origem na corte de Filipe II.”[9]
Para Boucher, a evolução dos costumes possuía um aspecto quase de espírito religioso até o século XIV, quando aparece um costume civil, o qual se tornava cada vez mais relacionado com valores econômicos. A moda tornava-se, então, regional, havendo modas italianas, alemãs, inglesas, espanholas.[10] O costume indumentário do Novo Mundo, segundo o autor, era marcado pelas limitações na produção, pela importação de têxteis luxuosos, exportação de matéria prima como as peles de animais e a produção de algodão e “os trajes de festa americanizam-se” com peles de bisão e diademas de plumas.[11] 
Mas o costume possuia um significado ambíguo. Por um lado, representava a vida cotidiana, ou seja, o dia a dia das populações, tais como os modos de comer e vestir-se. Por outro, significa os formatos das vestimentas, mais relacionados ao folclore e às construções das vestes dos Estados Nacionais em formação, ou mesmo dos tradicionais costumes antigos.

[1] Cesare Vecellio. Habitus Antiqui et Moderni. The clothing of the Renaissance world. London: U.K.Tames & Hudson, 2008.
[2] Salvatore Battaglia. Grande Dizionario della lingua italiana. Torino: Unione Tipografico, 1978, vol. 8, p. 186.
[3] Dictionnaire de l'ancienne langue française et de tous ses dialectes. Du IX au XV siècle. Paris, vol. 4, 1938, p. 394.
[4] Ann Rosalind Jones & Peter Stallybrass. Renaissance clothing and materials of memory. Cambridge, UK., 2000, p. 6.
[5] Agradeço a Ronaldo Vainfas a indicação do livro: Jean Claude Bologne. História do pudor. Rio de Janeiro: Elfos, 1990, p. 14 e 58. (tradução)
[6] Dictionnaire de l'ancienne langue française et de tous ses dialectes.Op. Cit., vol. 2, 1938, p. 327.
[7] François Boucher. História do Vestuário do Ocidente. São Paulo: CosacNaify, 2010.
[8] Idem, p. 184.
[9] Idem, p. 202.
[10] Idem, p. 13-17
[11] Idem, p. 255.

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