“...a nove dias do mês de
agosto de mil e seiscentos e três anos nesta vila na casa da câmara estando ai
os oficiais para fazerem câmara e acordarão o seguinte – que era necessário
haver nesta vila uma mulher que vendesse para parecer bem Francisca Rodrigues
cigana que o fará muito bem e logo lhe foi dado juramento de santos evangelhos
para o vereador Francisco Viegas para que bem e verdadeiramente sirva de venda
tratado verdade e dando a cada um o seu
e levara de premio de cada tostão seis reis e ela o prometeu fazer para não
saber assinar e assinei eu tabelião pr ela a seu rogo – Antonio Rodrigues
tabelião que o escrevi...”.[1]
Ata da Câmara da vila de São
Paulo, 1603.
As mulheres senhoriais paulistas
realizavam inúmeras atividades econômicas. Cuidar das boiadas, das lavouras,
negociar por intermédio das redes de crédito e débito eram tarefas que marcavam
o cotidiano feminino dos estamentos senhoriais. A partir disso, as senhoras
tinham papéis fundamentais na acumulação de patrimônio e na subsistência das
famílias.
No fim do quinhentos e início do
século posterior, as boiadas eram levadas para o litoral através do Caminho do
Mar, os quais se originaram das antigas trilhas indígenas. As vendas de gado
tornaram-se fonte de riqueza para as primeiras famílias senhoriais paulistas.
Nessas tramas de mercantilização incipiente, as mulheres senhorias negociavam
geralmente com os homens de mercancia, que saíam em direção ao litoral.[2]
Logo no início do Seiscentos,
formava-se também uma rede de pequenos negócios de produtos alimentícios,
chegando uma dessas atividades a ter participação feminina, conforme informou a
ata de 1603, que expressava a atuação da Cigana Francisca Rodrigues, “mulher
que vendesse para parecer bem”, o que faria “muito bem”, segundo a própria
expressão da instituição.
As lojas espalhavam-se pela vila
com a inserção dos oficiais mecânicos como alfaiates, marceneiros e forasteiros
que compareciam à câmara para prestar “juramentos” e “fianças”.[3] A atuação das mulheres nas pequenas vendas e
comércio era inferior aos negócios de maior vulto.[4] Seis anos depois, do pedido da cigana
Francisca Rodrigues, os oficiais camarários relatavam que “...nesta vila avia
muitas tavernas em as quais se vendia vinho muito ruim e muito caro por medidas
muitos ruins e pequenas”.[5]
As carnes do gado da terra eram
vendidas conjuntamente com os mercados de vinho e de produtos externos à vila.
As autoridades da Câmara procuravam constantemente controlar essas atividades
por meio da cobrança de taxas, além de tentar impedir a saída de gado da vila.
De acordo com a ata de 1610,
“e assim assentarão os ditos oficiais no mesmo dia
atrás declarado que porquanto a casa do
conselho e a cadeia e açougue se avia de fazer ente ano por de todo haver
necessidade assentarão que todos os mercadores que de fora viessem a esta vila
vender vinhos de entrada de cada peroleiro pagassem meio tostão de cada
peroleiro para as ditas obras isto sendo mercadores de fora ou da terra que
vinho do reino vendam para iso cada um juramento dos peroleiros que na vila
meter para vender sob pena de quem o contrario fizer perca todo o vinho que e
acusador e de como assim assentarão o assinarão eu Simão Borges escrivão da câmara
o escrevi – Belchior da Costa – Garcia Rodrigues – Francisco da Gama – Belchior
de Quadros”.[6]
Apesar de ser proibido o acesso dos
oficiais mecânicos à administração das Câmaras, tal fato ocorria comumente nas
regiões mais distantes do centro do Império Metropolitano Colonial.[7] Manuel Esteves, membro da governança, era
também “mercador com loja aberta e venda”.[8] Lucrecia Leme, senhora de 16 escravos, era proveniente de uma família de prestígio
social. Casada com o comerciante Francisco Barreto, senhor de grandes negócios
tanto em Santos como no Rio de Janeiro, entrava para o universo da mercancia.
Quando viúva, a mais abonada da vila com 651$280, ficou responsável, juntamente
com o cunhado João Barreto, comerciante de Angola, por receber o pagamento das
inúmeras dívidas ativas do seu esposo e cobrar o recebimento da fortuna
familiar com o juizado dos órfãos. Dentre os devedores, havia alguns do gênero
feminino: Benta Dias, mulher que era de Antonio Furtado devia 6$800; Beatriz Bicudo, esposa de Antonio Raposo Tavarez, 2$560; Paula
Maciel, 2$380; Agostinha Rodrigues cônjuge de Diogo Moreira, 3$600.[9]
Maria de Moraes, moradora do termo
da Mooca, casou-se pela primeira vez com o comerciante Francisco Ribeiro.
Cabia-lhe, portanto, na sua parte das benfeitorias: as quatro roças (33$000), o
sítio, no qual está em sua fazenda (25$000), os 40 alqueires de feijões
(6$400), o algodoal (1$500), o gado vacum (21$760), as casas em que mora nesta
vila (40$00). A égua castanha (3$200), o
cavalo castanho novo (4$500), os perus todos (1$840), 16 aves de galinhas
(1$000), toda a criação de porcos (14$820) perfilavam nas criações do
sítio. Faziam parte das ferramentas das
lavouras: as enxadas todas (5$240), as nove foices (1$800), as sete cunhas
(1$400), o machado ($400), a enxó ($200), os dois podões ($260), o alambique
(1$600), o espeto ($040), o almofariz ($800), e a prensa (1$280).
Do rol das suas dívidas
destacavam-se em mãos de Januário Ribeiro $440, em Custódio Aguiar $800, João
Pedroso 17$030, em Geraldo Correa 4$500, em Belchior de Ordas 11$520, em Luiz
Fernandes Bueno $640, em Jorge Hedra $500, em Christovão de Aguiar de Tanhanhe,
em Jorge Peres $120, em Paulo da Costa 3$840, em Diogo de Lara 1$320. [10] Dentre a parte da herança do marido, a viúva
ainda negociava os aluguéis das casas das filhas Ana e Sebastiana, que valiam
25$000.[11] E pagava ainda a Paulo da Silva uma vara de
carnequim.[12] No processo de partilhas de patrimônio, quando
perguntada pelo juiz dos órfãos Antonio Teles, respondia que
“determinava com os órfãos perante o dito
curador a qual respondeu que ela os queria ter em seu poder com consentimento
do dito curador e os queria alimentar á sua custa assim machos como fêmeas e
que os machos trazia na escola e que isso queria fazer por serem filhos sem
fazenda nem legítima dos ditos menores se gastar cousa alguma senão somente á
custa dela dita viúva e visto pelo dito curador andarem os meninos na escola e
sua mãe obrigar-se a os sustentar e alimentar e obrigar-se a isso sem os órfãos
gastarem de seu cousa alguma houve por bem com aprazimento do dito juiz que a
dita sua mãe os tivesse enquanto ela quisesse e a justiça não determinasse
outra cousa a requerimento do dito curador e o assinaram...."[13]
Casou-se novamente com outro mercante,
Domingos de Abreu, que em Santos, no Rio de Janeiro, na Bahia e em Pernambuco,
negociava com os mais variados produtos: sal, pimenta, cravo, louças, vinhos e
os tecidos da terra e do ultramar.
Ao Pero Dias, a viúva Maria devia 41
arrobas de carne de porco posta em Cubatão e cem varas de lingüiça (30$240), ao
Fernão Dias, o velho, 40 arrobas e três arretéis de carne de Porco (25$840), ao
Manuel Preto devia 25 arrobas de carne de porco postas em Cubatão (16$000), à
velha viúva Leonor Leme das carnes que lhe vendia 4$300, ao Manuel Esteves 1$120, ao Fernão Dias, o
moço $640, ao Gonçalo Freire 6$480, ao Romão Freire 18 côvados de tafetá preto
e duas oitavas de retrós pretos (5$200), ao João Clemente 1$620, ao Gonçalo
Madeira $400, Manuel Ribeiro Boto $320, ao Gonçalo Pires 35$760, ao Custodio
Nunes 6$000, às Bulas da Santa Cruzada 12$670. Tinha ainda dívidas com os
filhos do primeiro marido Francisco Ribeiro, relativas à partilha, no valor de
107$048.
Maria de Moraes possuía extensa rede de
créditos, das quais destacam-se as com Gaspar Dias, de Pernambuco 3$420, e com
Jorge de Souza 10$240 em 4 alqueires de farinha de guerra embarcados. André
Fernades de Parnaíba devia ao espólio 40 peroleiras de vinho (2$040); Rodrigo
Fernandes Gomes $320 do sal que vendeu em Santos; Antonio Corrêa de Santos, uma
dúzia de galinhas que se levou ao Rio de Janeiro 1$200; João da Silveira,
morador do Rio de Janeiro, 2$000; Lazaro Fernandes, morador do Rio de Janeiro,
11$680; Antonio de Sampaio, morador do Rio de Janeiro, 2$000; Antonio Rodrigues
$160 de sal que se vendeu em Santos.[14]
A senhora também chegava a entrar em
litígios jurídicos caso necessitasse, pois processou a viúva Ana Ribeiro dos
$560 que lhe devia do inventário do marido Manuel Requeixo, o qual fora soldado
do capitão André Fernandes.[15]
Embora tivesse uma rede de comércio
significativa, o seu patrimônio diminuía consideravelmente de 278$7000 no
inventário do primeiro cônjuge, em 1615, para 95$799 do segundo, depois de dez
anos. A escravaria indígena também decrescera de 35 para 20. Todavia, “senhora
nobre” ainda tinha grande prestígio entre as autoridades, encaminhando o termo
de curadoria, para criar os seus filhos, ao Juiz Antonio de Brito Cassão, que a
mandava jurar
“aos Santos Evangelhos sobre um livro
deles para que fosse curadora de todos seus filhos assim dos primeiros como
deste pequeno agora filho do defunto Domingos de Abreu porquanto Francisco
Rodrigues seu primo do dito defunto requereu ao dito juiz que fizesse a dita
viúva curadora por ser mulher nobre honrada apta e suficiente e das qualidades
que Sua Majestade em sua ordenação manda para o poder ser e que o dito
Francisco Rodrigues desistia de qualquer direito que para o ser podia ter o que
visto pelo dito juiz o houve por assim por bem e a houve a dita viúva Maria de
Moraes por encarregada na dita curadoria e fazenda obrigação que os alimentará
com todo o ensino necessário como mãe que é a que tudo se obrigou fazer e
guardar e cumprir e dará fiança a tudo e de tudo assinou aqui seu procurador
Pedro Taques..."[16]
A viúva recebia toda a fazenda e dinheiro
proveniente da herança. Pero de Moraes trazia da Bahia 72$720 em produtos de
luxo, dando 5$000 em pimenta e cravo, para a sogra Maria de Moraes.[17]
Dentre as dívidas passivas do segundo marido contavam 29$000 em dinheiro e
15$000 em um vestido de melcochoado, que tinha com Francisco Álvares, natural
da cidade do Porto, e morador e dono de uma loja no Rio de Janeiro.[18]
Também dizia a senhora, ainda seis anos depois de iniciado o inventário, que
era
“paga e satisfeita de Manuel Mourato
Coelho de dois conhecimentos que era a dever a meu marido Domingos de Abreu que
Deus haja os quais estão botados em inventário e por assim ser paga lhe passei
a presente e pedi a meu genro procurador Pero de Moraes esta passasse por mim e
assinasse o qual pagamento fez o dito a João Clemente..." [19]
Ressalta-se a importância da viúva Maria
de Moraes na vila de São Paulo. Senhora de escravos, ativa na rede mercantil da
vila e ainda bem relacionada com as autoridades administrativas como o Juizado
de Órfãos, fazia parte, portanto, do restrito estamento dominante paulista.
A vila de Piratininga cresceu
consideravelmente durante os anos de 1595 a 1625, assim como expandiu a sua
economia com a presença cada vez mais intensiva de trocas comerciais, sendo
importado com mais regularidade sal e objetos de luxo que, segundo French,
“vinham de várias partes do mundo,
mostrando que o comércio mundial avançava mesmo nos lugares mais remotos.
Vestidos, tecido, ferragoulos, e cobertores de Londres, Florença, Flandres e
Holanda chegavam ao planalto juntamente com machados de França, sal e vinho de
Portugal, canequin das Índias Orientais, e goma e porcelana da Índia. Esta
relação como os mercados coloniais era importante para Piratininga, pois
incentivavam uma maior participação do comércio (...)”.[20]
No avançar da década de 1630, a economia
senhorial paulista passou a intensificar a sua rede de crédito e débito em
conseqüência do crescimento das trocas comerciais. A partir de então, as
mulheres senhoriais começaram a intensificar a sua participação também nas
relações mercantis em formação, pois os negócios da vila atingiram uma
complexidade maior devido à trama de comércio com a região litorânea da América
Portuguesa.
Algumas das senhoras e suas
famílias concentravam grande parte da riqueza da vila. No inventário de
Catharina de Siqueira, havia um monte-mor avaliado em 1:194$980, que era
elevado também devido aos 450$000 adquiridos da fazenda que possuía no Rio de
Janeiro.[21]
Muitas vezes os negócios femininos
eram realizados no interior da própria família, como também ocorreu com Izabel
de Ribeiro que pagou à sogra a quantia de 40$000 em uma pipa e meia de vinho,
proveniente da mercancia com o Rio.[22]
Essas “senhoras negociantes”,
parafraseando Belmonte, auxiliavam seus esposos nas vendas da vila, pois estes
mantiverem-se, muitas vezes, afastados nas veredas dos sertões ou nas redes de
comércio do Caminho do Mar.[23] Nessas trilhas, comercializavam farinha, carne
e gado e trafegavam mesmo com dificuldades constantes como ataques de
onças, surtos de sarampo e pestes.[24]
Para a utilização dos caminhos, as
autoridades camarárias pediam, freqüentemente, às senhoras da vila que
deixassem seus quintais, sítios e fazendas livres para as passagens das
boiadas, sendo que em ata do dia 12 de março de 1594, os oficiais mandavam
Maria da Pena limpar o caminho.[25] Essas constantes requisições, segundo Ilana
Blaj, demonstravam a importância da ampliação das trilhas para os contatos de
comércio e a manutenção do domínio das autoridades administrativas da Coroa.[26]
Embora a economia paulista não
fosse diretamente agro-exportadora para a Metrópole, como ocorria em outros
locais da Colônia, o planalto e a vila começavam a manter estreitas relações
nas praças mercantis do Atlântico Sul. Nas tramas de negócios ultramarinos,
alguns negros africanos eram trocados por produtos como água ardente, farinha
de mandioca e carnes salgadas originárias do comércio da Serra do Mar.[27]
Na vila de São Paulo de Piratininga
constituía-se uma sociedade escravista, na qual imperavam variados tamanhos de
escravarias. Os cativos eram constantemente partilhados nas heranças das
famílias senhoriais. Como força de
trabalho deviam auxiliar nas roças e nas atividades de artesanato. Com o
aumento das escravarias que ocorreu marcantemente a partir de 1610, também
floresceu a formação das atividades comerciais de produtos alimentícios. As
redes de trocas se davam por meio de mecanismos de créditos e débitos, nos
quais havia uma série de empréstimos e dívidas de bens produzidos na vila com outras áreas da colônia.
Segundo Nazzari, “os débitos
pendentes eram parte importante da maioria dos inventários, constituindo em
geral em legítimas, dotes, dízimos e empréstimos tomados do juízo dos órfãos,
ou de mercadorias compradas e não pagas”.[28]
Em São Paulo, assim como no resto
da colônia, havia dificuldades de se conseguir moeda. Tal acontecimento deve-se
à existência do sistema de crédito, no qual as operações eram feitas em base da
troca, mas tendo o dinheiro como o valor referencial.[29]
Conforme percebe-se nas atas
camarárias, que se faziam sob a ótica dos interesses das autoridades da
governança da terra, os mercadores atingiam os seus tentáculos na vila de São
Paulo, pois era esse o mais importante entreposto entre o mar e o sertão, onde
se configurava ponto estratégico para a expansão colonial. Conquistar, povoar,
produzir o botim e depois explorá-la, foi um processo fundamental na realidade
da vida material da colônia.
A vila tornava-se de maneira
contraditória o mais importante núcleo de povoamento de disperssão e de
sedimentação populacional da América Portuguesa. Por meio desse centro, dava-se
a utilização da mão-de-obra cativa e o início da agricultura comercial.[30] Em meados do século XVII, a mercantilização em
formação da vila fazia com que despontasse uma reduzida rede de abastecimento
integrada à exploração do Antigo Sistema Colonial.[31]
Comandar
as roças, administrar a pecuária e realizar os negócios eram atividades que as
mulheres senhoriais paulistas faziam no dia-a-dia. Dessa forma, essas senhoras
conseguiam manter uma relativa autonomia na conjuntura econômica da vila de São
Paulo, centrada na incipiente mercantilização dos produtos alimentícios e na
força de trabalho escravista indígena para a acumulação de patrimônio.
No entanto, havia na sociedade
paulista valores extra-econômicos, como a distribuição de honras e mercês e da
capacidade dos senhores paulistas de comandar as expedições, pois para além dos
ideais nobiliárquicos que os estamentos senhoriais paulistas tinham e o desejo
de se tornarem senhores de escravos, havia também o anseio por chefiarem as
guerras no sertão.[32]
As mulheres senhoriais obtinham
além da posse de escravos, jóias, vestidos importados e outros artigos de luxo,
como as roupas importadas da Metrópole, Flandres e de outras paragens. As
vestes e adereços davam-lhes uma posição social destacada da população indígena
e dos livres pobres.[33] Por fim, as senhoras acabavam por assumir os
papeis designados aos senhores. Formava-se, então, uma sociedade
hierárquico-estamental, na qual, segundo Blaj, “é todo um estilo de vida, a
predominância de um código de honra e valores, que pode ser sintetizado na
expressão ‘viver à lei da nobreza’. Formas de tratamento diferenciadas conforme
o estamento, obtenção de cargos, dignidades e mercês, privilégios nas
vestimentas e no porte de armas...”.[34]
O estilo de vida “nobre” era
dificultado pela necessidade das senhoras de fazer negócios com os mercadores
coloniais. Dessa forma, as senhoras-mercantes realizavam serviços mecânicos e
na prática distanciavam-se dos ideais de nobreza presentes nos altos estamentos.
Embora fosse em número ainda reduzido, a atuação feminina nos negócios
auxiliava na formação da incipiente mercantilização da vila.[35] Entretanto, além da diferença de status,
havia uma diferença de gênero, pois existia um número bem menor de
mulheres no comércio, principalmente quando se tratava da mercancia através do
Caminho do Mar.[36]
Enfim, nos estamentos senhoriais, a
atuação econômica feminina era centrada no auxílio aos familiares, criando
animais, explorando a mão-de-obra escrava indígena e negociando com os agentes
das redes comerciais do Atlântico Sul. Diferentemente da participação
masculina, essas atividades eram realizadas no universo da casa e do sítio das
famílias senhoriais paulistas. Logo, as mulheres senhoriais tinham um poder
intermediário, localizado no espaço doméstico, onde também alocavam-se as
tecelagens de algodão da terra.
[1] Ata do dia 09/06/1603. In: Atas
da câmara da vila de São Paulo (1596-1622). São Paulo: AMSP, vol. 2, 191,
pp.132-133.
[2]
Segundo Caio Prado Junior “existe, portanto, desde o início da colonização
paulista, um nítido deslocamento do seu centro, do litoral, onde teve começo,
para o planalto. Isto constituiu o primeiro fator que vai influir na
constituição e desenvolvimento e de todo o sul da colônia. E este seria São
Paulo”. Caio Prado Junior. Evolução Política do Brasil e outros estudos.
São Paulo: Ed. Brasiliense, 1969, p. 94-95.
[3]
Belmonte, p. 88.
[4] Sobre a atuação feminina nas
redes comerciais ver Maria Odila da Silva Dias. Quotidiano e poder em São
Paulo no século XIX. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1995.
[5] Ata do dia 09/06/1603. In: Atas
da câmara da vila de São Paulo (1596-1622). São Paulo: AMSP, vol. 1, 191,
p. 234.
[6] Ata do dia 07/02/1610. In: Atas
da câmara da vila de São Paulo (1596-1622). São Paulo: AMSP, vol. 1, 191,
pp. 259-260.
[7]
Segundo Prado, “...a antiga legislação portuguesa que lhe impunha algumas
diminuições, como a de não poder ocupar cargo
dos Senados das Câmaras (Câmaras Municipais). Caía em desuso no Brasil,
e encontramos mercadores nas Câmaras de todas as cidades e vilas da colônia.
Formavam mesmo uma categoria reconhecida e oficialmente prezada, e nesta
qualidade participavam dos conselhos da administração...” Caio Prado Júnior. Formação
do Brasil Contemporâneo. São Paulo: Brasiliense, 1999, pp. 295-296.
[8] Ata do dia 01/07/1623. In
Atas da câmara da vila de São Paulo (1623-1628). São Paulo: AMSP, vol.
2, 1915, p. 43.
[9]
“João Barreto, curador dos órfãos filhos que ficaram do defunto seu irmão
Gaspar Barreto que ele está no caminho de Angola por cujo respeito veio a esta
vila para dar contas da curadoria que lhe foi entregue e ora acha estarem as
contas do dito inventário erradas”. Inventário de Francisco Barreto (1629). São
Paulo: DAESP, 1920, vol. 8, p. 64.
[11] Idem,
p. 35.
[12] Idem,
p. 36.
[13] Ibidem,
p. 61.
[17]
Ibidem, pp. 378-388.
[18] Ibidem,
p. 399.
[19] Ibidem,
p. 424.
[20] John D. French, Op. Cit., p. 97.
[21]
Inventário de Catharina de Siqueira (1638). I.T. São Paulo: DAESP, 1921,
v.10, pp. 493-520.
[22]
Inventário de Manuel Fernandes Sardinha (1632). I.T. São Paulo: DAESP,
vol. 8, ps. 458, 483 e 484.
[23]
De acordo com Prado “A importância do Caminho do Mar é, portanto, considerável
desde o início da colonização. Por ele transitam não só a exportação e
importação do planalto, mais ainda os gêneros alimentares consumidos no
litoral, todos eles produzidos no interior. O litoral fornecia açúcar, gênero
de exportação; mas é do planalto que lhe provinham os mantimentos: a carne, a
farinha, a mandioca, os cereais. Até o trigo era então produzido no planalto;
exportava-se mesmo daí para os outros pontos do país, e o que é mais
interessante e verdadeiramente paradoxal, até para o Rio da Prata. Não se
prestava o litoral para tais culturas, e sua dependência do planalto neste
terreno foi sempre completa. (...)”. Continuando a sua interpretação sobre a
economia da vila, o autor afirma que “entre o planalto e o litoral, pelo
Caminho do Mar, há portanto um intercâmbio imenso. São Paulo, como ponto
intermediário, como escala necessária deste intercâmbio, aufere dele grandes
proveitos. Desde logo, há entre os dois núcleos, São Paulo e Santos, uma ação
recíproca permanente, e a importância de um se projeta fatalmente sobre o
outro. Ambos se complementam, e no sistema econômico da capitania satisfazem
cada qual uma destas funções conexas e inseparavelmente ligadas: centro natural
do planalto e porto marítimo. Não fosse a fatalidade da Serra do Mar, e estas
duas funções caberiam a um só centro, que englobaria o que hoje constitui as
duas cidades. A configuração geográfica do território apartou estas funções. O
Caminho do Mar que se articula, restabelecendo a unidade que necessariamente as
deve englobar, tirar daí toda a sua força considerável importância. E o sistema
São Paulo – Caminho do Mar torna-se o eixo, a base do organismo da capitania”.
Caio Prado Junior. Evolução Política do Brasil e outros estudos. São Paulo:
Brasiliense, 1969, p.p.106-107.
[24]
“A rota que descia a serra do Mar de São Paulo a Santos, ligando o planalto ao
litoral, também combinava transporte terrestre fluvial. O primeiro e mais
dificultoso trecho, de São Paulo a Cubatão, era percorrido a pé, enquanto o
resto de viagem até Santos era completado por canoa. Cubatão, situado ao pé da
serra, servia como ume espécie de pedágio. (...)”
“O caminho do Mar,
constituía, sem dúvida, o trecho que mais pesava no percurso entre São Paulo e
Santos. (...) Com certeza, a trilha para o mar permaneceu um ‘caminho fragoso’
– nas palavras de um nobre seiscentista – pelo menos até o final do século
seguinte, mas isto não chegou a isolar a economia paulista do resto da Colônia.
Na verdade, os carregadores índios superavam este obstáculo com freqüência e
velocidade, completando o percurso de São Paulo a Cubatão em aproximadamente
dois a quatro dias”. John Manuel
Monteiro. Negro da terra; índios e bandeirantes nas origens de São Paulo.
São Paulo: Companhia. das Letras, 1994, pp. 122-123.
[26]
Segundo Blaj, “o Caminho do Mar, na verdade, desempenha um papel fundamental,
tanto para a própria colonização portuguesa, quanto para a ascensão hegemônica
da região. De um lado, por este caminho, São Paulo assegurou a sobrevivência do
litoral, exportando para os núcleos costeiros gêneros alimentícios e gado.
Garantiu, assim, em última instância, a sobrevivência da colonização, uma vez
que, no período, as articulações Metrópole-Colônia se realizavam, basicamente,
com o litoral. Por outro lado, a manutenção das comunicações com Santos e
Cubatão viabilizaram a conquista e colonização interioranas, pois é pelo
Caminho do Mar que chegavam aos núcleos do planalto tanto os gêneros importados
quanto a própria ordem político-adminisrtativa. Este pode ser expressada pelas
visitas das autoridades reais, pela manutenção, em Santos de tropas prontas a
acudir a defesa do interior e pelas próprias correspondências das autoridades
metropolitanas e coloniais que continham determinações a serem cumpridas pelos
mandatários locais. Ainda mais, por se situar no ponto privilegiado desta rota,
a vila de São Paulo pôde se alcançar como núcleo hegemônico da região...” Ilana Blaj. A trama das
tensões. O processo de mercantilização de São Paulo Colonial (1681- 1721).
São Paulo: Humanitas/FFLCH/Fapesp, 2002, pp. 171-172.
[27] Conforme Alencastro, “São Paulo – zona
marginal do sistema atlântico – desenvolve-se como provedor de alimentos do
resto da Colônia, antecipando progresso análogo que impulsionará agricultura de
Minas no final do século XVIII. As praças do Norte e Angola importam de São
Paulo cal, farinha de mandioca e de trigo, milho feijão, carnes salgadas,
toicinhos, lingüiça, marmelada, tecidos rústicos e gibões de algodão à prova de
flechas. Tirante a cal marinha cavada dos sambaquis do litoral, os produtos
desciam da Serra do Mar nas costas dos índios. Em sentido inverso, subiam –
sempre carregados pelos índios – os importados: sal, tecidos, especiarias,
vinho, ferramentas e pólvora. Toda essa mercancia, toda essa carga,
intensificava o uso de cativos no transporte, nos pousos, roças e trigais
paulistas, onde a média de escravos indígenas por proprietários atinge maiores
índices históricos: 36,6 nos anos 1640 e 37,9, nos anos 1650. Números bastante
altos, mesmo comparados aos das áreas irrigadas pelo tráfico negreiro”. Luiz
Felipe de Alencastro. O trato dos viventes. São Paulo: Companhia das
Letras, 2000, pp. 194-195.
[28] Muriel Nazzari. O desaparecimento do dote.
Mulheres, famílias e mudança social em São Paulo, Brasil, 1600-1900. São Paulo: Companhia das
Letras, 2001, p. 179.
[29] Ilana Blaj, op. Cit, pp. 111-112.
[30] Ilana Blaj afirma que “aos poucos, as
vila de São Paulo venceu os problemas que ameaçavam a sua sobrevivência,
submeteu o indígena e estruturou uma pequena produção comercializável que a
transformou em núcleo de poder na região. A partir de meados do século XVII,
principalmente por intermediário do desenvolvimento do comércio com Santos, o
núcleo paulista se integrou, cada vez mais, numa economia de mercado, o que
criou condições para a própria expansão da colonização do interior, processo
este capitaneado pela vila de Piratininga, visível pela integração crescente
dos bairros e pela nomeação, via Câmara, dos seus respectivos capitães
juntamente com a instituições de suas capitanias”. Idem, p. 200.
[31] Ilana Blaj, Idem.
[32]
Eni de Mesquita Samara. Família, mulheres e povoamento. São Paulo:
EDUSC, 2003.
[33]
Braudel, analisando as transformações das roupas e os bens de artigo de luxo,
afirmou que “a história das roupas é menos amedótica do que parece. Levanta
todos os problemas, os das matérias-primas, dos processos de fabrico, dos custos
de produção, da fixidez cultural, das modas, das hierarquias sociais. Variado,
o traje por toda a parte se obstinha em denunciar posições sociais. Fernand Braudel, Op. Cit., p. 281.
[34] Ilana Blaj. Op. Cit, pp. 331-332.
[35] Charles Boxer, analisando a
atuação feminina no plano da expansão ibérica, relata que em Omuz, as viúvas
tornavam-se cabeças de casal e passavam a comandar as armadas de navio, sendo
por isso chamadas de “armadoras de navio”. C. R. Boxer. A mulher na expansão
ibérica. Lisboa: Livros horizontes, LTDA, 1975, p. 98.
[36] Dalene Abreu-Ferreira
demonstrou que no norte de Portugal, nas cidades de Aveiro, Vila do Conde,
Viana do Castelo e Ponte de Lima, durante o Quinhentos, existiam mulheres,
geralmente viúvas, que atuavam nas redes comerciais de peixes e de mercadorias
a longa distância. Essas mulheres comercantes investiam geralmente no comércio
com o morte da Europa, Inglaterra e Paises Baixos. Dessa forma, a historiadora
defende a idéia que apesar de não serem predominante, as mulheres possuíam um
papel mais atuante na mercancia do que afirmava a historiografia portuguesa. “Fishmongers and shipowners: women in
maritime of Early Modern Portugal”. In: Sixteenth Century Journal. Vol.
31, no. 1, Special edition: gender in Early Modern Europe. (Spring), 2000, pp.
7-23.
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