Com
o avanço das pesquisas de pós-graduação e a partir dos movimentos pela
igualdade de direito das mulheres na década de 1980, o estudo sobre a História
das Mulheres avançou consideravelmente naquele momento.
Nesse
contexto, foi importante a pesquisa de Maria Odila Leite da Silva Dias, em Quotidiano
e poder em São Paulo no século XIX, publicado em 1984 e novamente em 1995,
com uma revisão. A autora relatou as tramas e as tensões das mulheres no dia-a-dia
da vida urbana paulista. Retomando as leituras de Sérgio Buarque de Holanda e
Caio Prado Junior, a autora insere as mulheres no interior da vida colonial em
São Paulo que permanece na longa duração até meados do século XIX.
Nesse
sentido, para Dias, uma vasta camada da população feminina livre pobre atuava
na economia informal de venda de produtos alimentícios, e por isso, acabava
gerando tensões com as autoridades locais. Por meio de uma abordagem do
quotidiano, a historiadora retrata os modos de vida das quitandeiras,
lavadeiras, tecelãs, costureiras e vendedoras. Essas mulheres alugavam
escravas, trabalhavam em roças e conseguiam acumular pequenos pecúlios.[1]
Mesmo abordando sobre a atuação feminina no século XIX, Silva Dias fez
referencias à condição das mulheres no período colonial. A sobrevivência das
camadas despossuídas, que estavam "nas fímbrias do sistema", dependia
do labor diário. O trabalho das mulheres solteiras, viúvas, de maridos
ausentes, concubinas, senhoras, forras, escravas, brancas, pardas e mulatas
fazia parte da dura realidade quotidiana do espaço público da São Paulo
colonial.[2] Conforme
a historiadora
"alguns poucos pomares proibidos, muitas
matas, cipós, frutos, pesca, palmitos...Era o que garantia às mulheres mais
pobres, não somente a sobrevivência quotidiana mas o convívio a distância
tolerado, com a flexibilidade dos laços sociais que a escravidão fomentava:
pessoais, violentos, tolerantes no sentido de arroubos contidos...de convívio
contíguo e distante; a sua pobreza as marginalizava e as mantinha intactas no
convívio forçado da cidade; um capitalismo incipiente e precário, a organização
administrativa e policial frouxa, ineficiente; o ver a distância dos mais
poderosos...a incapacidade de enfrentar posturas, cercamentos e multas".
Com a sua análise, a historiadora escova a história das mulheres a
"contrapelo", desmontando as imagens cristalizadas e o “mito da dona
ausente”. Realiza, assim, uma história dos subalternos e da população livre
pobre feminina.
Embora as mulheres das camadas subalternas conseguissem acumular pecúlio,
Silva Dias percebe que, de certa forma, estavam envolvidas nas contradições do
sistema colonial, no qual as mulheres sem posses, por um lado, mantinham uma
certa autonomia, e, por outro, estavam enredadas às condições de uma economia
escravista e rigidamente hierárquica.[3]
Ao abordar essa temática, Silva Dias retomou o debate historiográfico
centrado nas questões econômicas e sociais do período colonial. Contudo, chamou
atenção para novos caminhos de pesquisa. Embora destaque o papel das mulheres livres pobres na cidade de
São Paulo no Dezenove, assinalou a necessidade de se estudar a história da
atuação feminina no universo da administração do patrimônio e da gerência da
mão-de-obra indígena. Segundo a autora, “uma tarefa pendente na historiografia
brasileira é justamente a construção do seu papel social, para o que seria
necessário separá-lo, à medida do possível, dos mesmos estereótipos, à medida
das tensões sociais do processo de colonização”.[4]
A
historiadora ainda coloca em questão a necessidade da integração das mulheres
das camadas dominantes nas “conjunturas regionais, tendo simultaneamente
presentes os valores ideológicos que as identificaram com o projeto mesmo da
colonização dos portugueses, mais a sensibilidade de captar peculiaridades de sua
atuação cotidiana e improvisadora”.[5]
Os
balanços das pesquisas sobre as mulheres na América Latina estavam presentes
nos meados da década de 1980, como descreve June Nash. A autora declarava as
apresentações em conferências como, Bogotá (1976), Cidade do México (1977) e
Rio de Janeiro (1978). Faziam parte dos temas discutidos o desenvolvimento do
patriarcalismo, a presença de atividades femininas não remuneradas no interior
da modernização e da implementação capitalista...
Dentre
os problemas levantados estavam as dificuldades no tratamento das fontes
quantitativas, devido ao fato dos censores não estarem preocupados em detalhar
e questionar a força de trabalho não remunerado das mulheres. Ainda nessa linha
de reflexão, Nash destacava as atividades femininas nos diferentes modos de
produção nos países do Terceiro Mundo, como os objetivos econômicos das
mulheres na agricultura comercial, para preservar a subsistência dos seus
filhos.[6]
Outro
campo de estudo abordado era a relação social na produção e reprodução da
sociedade. Em outras palavras, os papéis femininos na produção e reprodução nas
contradições inerentes do capitalismo, como no processo de acumulação de
capital e de população excedente para a sua expansão. Segundo Nash,
“The contradiction in capitalism between production for use in household
economy and production for exchange was obscured in the resurgence of feminist
intellectual movements in the post World War II period by the proposition that
subordination of women is universal. (…)”.[7]
No
contexto dos movimentos sociais de democracia da crítica dos intelectuais à
universal subordinação feminina estavam as obras de Heleit Safiotti, Nona
Etienne e Eleanor Leacock. Essas duas últimas destacavam os papéis de gênero e
status na formação colonial, mas as suas referências à realidade pré-coloniais
e etnográficas da América Espanhola.[8]
As
mulheres na articulação dos modos de produção e o impacto da industrialização
nas grandes cidades também eram grandes temas de pesquisa presente nesse
levantamento. A posição marginal posição das mulheres no processo produtivo e
no consumo modernizador, a ideologia do patriarcado e a exploração da
mão-de-obra feminina pelo capitalismo eram sub-temas recorrentes naquele
momento.[9]
O tema da História
das Mulheres também avançou na década de 1980 com o trabalho de sistematização
e tratamento de diferentes conjuntos documentais. Avançando nas pesquisas em
fontes primárias e na análise da Família e Demografia Histórica, Eni de
Mesquita Samara, em As mulheres, o poder e a família, tratou das
organizações e estruturas familiares, assim como da atuação feminina no âmbito
doméstico. Por intermédio da análise da
população nas listas nominativas, nos processos crimes, testamentos e nas Ordenações
Filipinas, encontrou inúmeras mulheres livres pobres e chefes de fogos
nucleares durante o início do século XIX. A partir do estudo das organizações
familiares, Samara desenvolveu a abordagem e avançou os estudos sobre Família,
ressaltando o papel dos grupos subordinados e dando vozes aos excluídos da
História do Brasil Colonial. A autora também considerou a condição social de
mulheres pobres, constatando a existência de camadas intermediárias que
ultrapassavam a dicotomia social dos senhores e escravos. [10]
A respeito do período posterior, Esmeralda Bolsonaro Blanco de Moura, relacionava o estudo das mulheres com a
Esmeralda
Bolsonaro Blanco de Moura.
História
da Infância na cidade operária do século XX, em Mulheres e menores no
trabalho industrial: os fatores sobre idade e sexo na dinâmica do capital. Nessa obra, a autora trata do trabalho feminino e infantil nas fábricas. Ou seja, as transformações em São Paulo e no país atingiam o cotidiano da população. O trabalho que era escravo tornou-se operário, a casa, espaço de moradia e trabalho, passava a ser local apenas de morada e a mão de obra naquele momento saía para o espaço público e relacionava-se com as máquinas.
[11]
[1] Maria Odila Leite da Silva Dias. Quotidiano e poder em São
Paulo no século XIX. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1995, p.68.
[2] Idem, pp. 240-241.
[3]
Idem, p. 74.
[4] Ibem, p. 104.
[5]
Ibem, p. 105-106.
[6] June Nash. A decade of
research in Latin America. In: June Nash, Helen Safa & Contributers. Women and change in Latin America. MAssachusets,
U.S.A: Bergin & Garvey Publishers, 1986, pp. 4-6.
[7]
Idem, p. 7.
[8]
Idem, pp. 7-8.
[9]
Idem, pp. 10-11.
[10] Eni de Mesquita Samara. As mulheres, o poder e a família: São Paulo,
século XIX. São Paulo: Editora Marco Zero/Secretaria de Estado da Cultura,
1989.
[11]
Esmeralda Bolsonaro Blanco de
Moura. História da Infância na cidade operária do século XX, em
Mulheres e menores no trabalho industrial: os fatores sobre idade e sexo na
dinâmica do capital. Rio de Janeiro:
Vozes, 1982.
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