domingo, 1 de julho de 2012

A HISTÓRIA DA HISTÓRIA DAS MULHERES EM SÃO PAULO NA DÉCADA DE 1980. IGOR RENATO MACHADO DE LIMA



Com o avanço das pesquisas de pós-graduação e a partir dos movimentos pela igualdade de direito das mulheres na década de 1980, o estudo sobre a História das Mulheres avançou consideravelmente naquele momento.
Nesse contexto, foi importante a pesquisa de Maria Odila Leite da Silva Dias, em Quotidiano e poder em São Paulo no século XIX, publicado em 1984 e novamente em 1995, com uma revisão. A autora relatou as tramas e as tensões das mulheres no dia-a-dia da vida urbana paulista. Retomando as leituras de Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Junior, a autora insere as mulheres no interior da vida colonial em São Paulo que permanece na longa duração até meados do século XIX.
Nesse sentido, para Dias, uma vasta camada da população feminina livre pobre atuava na economia informal de venda de produtos alimentícios, e por isso, acabava gerando tensões com as autoridades locais. Por meio de uma abordagem do quotidiano, a historiadora retrata os modos de vida das quitandeiras, lavadeiras, tecelãs, costureiras e vendedoras. Essas mulheres alugavam escravas, trabalhavam em roças e conseguiam acumular pequenos pecúlios.[1]
Mesmo abordando sobre a atuação feminina no século XIX, Silva Dias fez referencias à condição das mulheres no período colonial. A sobrevivência das camadas despossuídas, que estavam "nas fímbrias do sistema", dependia do labor diário. O trabalho das mulheres solteiras, viúvas, de maridos ausentes, concubinas, senhoras, forras, escravas, brancas, pardas e mulatas fazia parte da dura realidade quotidiana do espaço público da São Paulo colonial.[2] Conforme a historiadora

"alguns poucos pomares proibidos, muitas matas, cipós, frutos, pesca, palmitos...Era o que garantia às mulheres mais pobres, não somente a sobrevivência quotidiana mas o convívio a distância tolerado, com a flexibilidade dos laços sociais que a escravidão fomentava: pessoais, violentos, tolerantes no sentido de arroubos contidos...de convívio contíguo e distante; a sua pobreza as marginalizava e as mantinha intactas no convívio forçado da cidade; um capitalismo incipiente e precário, a organização administrativa e policial frouxa, ineficiente; o ver a distância dos mais poderosos...a incapacidade de enfrentar posturas, cercamentos e multas".

Com a sua análise, a historiadora escova a história das mulheres a "contrapelo", desmontando as imagens cristalizadas e o “mito da dona ausente”. Realiza, assim, uma história dos subalternos e da população livre pobre feminina. 
Embora as mulheres das camadas subalternas conseguissem acumular pecúlio, Silva Dias percebe que, de certa forma, estavam envolvidas nas contradições do sistema colonial, no qual as mulheres sem posses, por um lado, mantinham uma certa autonomia, e, por outro, estavam enredadas às condições de uma economia escravista e rigidamente hierárquica.[3]
Ao abordar essa temática, Silva Dias retomou o debate historiográfico centrado nas questões econômicas e sociais do período colonial. Contudo, chamou atenção para novos caminhos de pesquisa. Embora destaque o papel das mulheres livres pobres na cidade de São Paulo no Dezenove, assinalou a necessidade de se estudar a história da atuação feminina no universo da administração do patrimônio e da gerência da mão-de-obra indígena. Segundo a autora, “uma tarefa pendente na historiografia brasileira é justamente a construção do seu papel social, para o que seria necessário separá-lo, à medida do possível, dos mesmos estereótipos, à medida das tensões sociais do processo de colonização”.[4]
A historiadora ainda coloca em questão a necessidade da integração das mulheres das camadas dominantes nas “conjunturas regionais, tendo simultaneamente presentes os valores ideológicos que as identificaram com o projeto mesmo da colonização dos portugueses, mais a sensibilidade de captar peculiaridades de sua atuação cotidiana e improvisadora”.[5]
Os balanços das pesquisas sobre as mulheres na América Latina estavam presentes nos meados da década de 1980, como descreve June Nash. A autora declarava as apresentações em conferências como, Bogotá (1976), Cidade do México (1977) e Rio de Janeiro (1978). Faziam parte dos temas discutidos o desenvolvimento do patriarcalismo, a presença de atividades femininas não remuneradas no interior da modernização e da implementação capitalista...
Dentre os problemas levantados estavam as dificuldades no tratamento das fontes quantitativas, devido ao fato dos censores não estarem preocupados em detalhar e questionar a força de trabalho não remunerado das mulheres. Ainda nessa linha de reflexão, Nash destacava as atividades femininas nos diferentes modos de produção nos países do Terceiro Mundo, como os objetivos econômicos das mulheres na agricultura comercial, para preservar a subsistência dos seus filhos.[6]
Outro campo de estudo abordado era a relação social na produção e reprodução da sociedade. Em outras palavras, os papéis femininos na produção e reprodução nas contradições inerentes do capitalismo, como no processo de acumulação de capital e de população excedente para a sua expansão. Segundo Nash, “The contradiction in capitalism between production for use in household economy and production for exchange was obscured in the resurgence of feminist intellectual movements in the post World War II period by the proposition that subordination of women is universal. (…)”.[7]
No contexto dos movimentos sociais de democracia da crítica dos intelectuais à universal subordinação feminina estavam as obras de Heleit Safiotti, Nona Etienne e Eleanor Leacock. Essas duas últimas destacavam os papéis de gênero e status na formação colonial, mas as suas referências à realidade pré-coloniais e etnográficas da América Espanhola.[8]
As mulheres na articulação dos modos de produção e o impacto da industrialização nas grandes cidades também eram grandes temas de pesquisa presente nesse levantamento. A posição marginal posição das mulheres no processo produtivo e no consumo modernizador, a ideologia do patriarcado e a exploração da mão-de-obra feminina pelo capitalismo eram sub-temas recorrentes naquele momento.[9] 
O tema da História das Mulheres também avançou na década de 1980 com o trabalho de sistematização e tratamento de diferentes conjuntos documentais. Avançando nas pesquisas em fontes primárias e na análise da Família e Demografia Histórica, Eni de Mesquita Samara, em As mulheres, o poder e a família, tratou das organizações e estruturas familiares, assim como da atuação feminina no âmbito doméstico.  Por intermédio da análise da população nas listas nominativas, nos processos crimes, testamentos e nas Ordenações Filipinas, encontrou inúmeras mulheres livres pobres e chefes de fogos nucleares durante o início do século XIX. A partir do estudo das organizações familiares, Samara desenvolveu a abordagem e avançou os estudos sobre Família, ressaltando o papel dos grupos subordinados e dando vozes aos excluídos da História do Brasil Colonial. A autora também considerou a condição social de mulheres pobres, constatando a existência de camadas intermediárias que ultrapassavam a dicotomia social dos senhores e escravos. [10] 
           A respeito do período posterior, Esmeralda Bolsonaro Blanco de Moura, relacionava o estudo das mulheres com a  Esmeralda Bolsonaro Blanco de Moura. História da Infância na cidade operária do século XX, em  Mulheres e menores no trabalho industrial: os fatores sobre idade e sexo na dinâmica do capital. Nessa obra, a autora trata do trabalho feminino e infantil nas fábricas. Ou seja, as transformações em São Paulo e no país atingiam o cotidiano da população. O trabalho que era escravo tornou-se operário, a casa, espaço de moradia e trabalho, passava a ser local apenas de morada e a mão de obra naquele momento saía para o espaço público e relacionava-se com as máquinas. [11]   


 



[1] Maria Odila Leite da Silva Dias. Quotidiano e poder em São Paulo no século XIX. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1995, p.68.
[2] Idem, pp. 240-241.
[3] Idem, p. 74.
[4] Ibem, p. 104.
[5] Ibem, p. 105-106.
[6] June Nash. A decade of research in Latin America. In: June Nash, Helen Safa & Contributers. Women and change in Latin America. MAssachusets, U.S.A: Bergin & Garvey Publishers, 1986, pp. 4-6.
[7] Idem, p. 7.
[8] Idem, pp. 7-8.
[9] Idem, pp. 10-11.
[10] Eni de Mesquita Samara. As mulheres, o poder e a família: São Paulo, século XIX. São Paulo: Editora Marco Zero/Secretaria de Estado da Cultura, 1989. 
[11] Esmeralda Bolsonaro Blanco de Moura. História da Infância na cidade operária do século XX, em  Mulheres e menores no trabalho industrial: os fatores sobre idade e sexo na dinâmica do capital. Rio de Janeiro: Vozes, 1982.

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