Na década de 1960, poucos trabalhos estudavam o assunto da ocupação
feminina. Saffioti, sob orientação de Florestan Fernandes, que fora aluna no
primeiro semestre de 1958, estudava em tese de livre-docência as mulheres na
sociedade de classes.[1] Preocupada com o “processo
de marginalização da mulher do sistema produtivo...”[2], enfocava a “massa
femininas no trabalho industrial” e na “exploração do trabalho feminino”[3]. Símbolo de uma
modernidade intelectual interna da sociedade paulista da época, o seu trabalho
obteve uma recepção importante na historiografia posterior, levando em
consideração temas pesquisados posteriormente, como a “moderna vida feminina”,
o uso de anti concepcionais, os cuidados com os filhos, o trabalho doméstico, a
relação do trabalho feminino com os modos de produção.
No sentido histórico, a autora construía a imagem da mulher branca como
supervisora das atividades domésticas. Segundo a mesma,
“ A senhora não
dirigia apenas o trabalho da escravaria na cozinha, mas também na fiação, na
tecelagem, na costura, supervisionava a confecção de rendas e o bordado, a
feitura da comida dos escravos, o serviço do pomar e do jardim, o cuidado das
crianças e dos animais domésticos, providenciava tudo para o brilho das
atividades comemorativas que reuniam a parentela (...)”.[4]
Com as referências ao mundo colonial, fazia referência às mulheres do
convento e ao alargamento dos papéis femininos nos sectores urbanos. As monjas
do Convento do Desterro na Bahia a partir de 1678, foram referenciados no
texto. Os conventos também eram locais de estudo, em que as mulheres aprendiam
as rezas e a “educação da agulha”.
No século XIX, segundo a autora, a instrução feminina abrangia o universo
católico. Era a partir da década de 1930, que o ensino começava a expandir em
algumas regiões. Uma profissão do universo feminino, ainda em número reduzido,
era das professoras na Escola Normal.
Mas é da marginalização da força de trabalho feminina que está o cerne do
debate, constituindo as donas de casa no exército de mão de obra que garantiam
a acumulação de capital obtendo salários inferiores aos homens. Nessa
perspectiva, afirmava que
“... impedida pelas condições econômicas, a mulher
rompe barreiras e penetra no mundo da profissão; fá-lo, entretanto, sob o signo
da inferioridade que o sexo feminino representa em relação masculino. É
ocupando as posições inferiores, recebendo os salários menos compensadores, não
aspirando aos postos de comando que a mulher resolve ou alivia as tensões que a
inconsistência de seu país origina”[5]
Era com a ampliação do ensino e com a mudança das representações dos ideais
masculinos e femininos que as mulheres da classe média inseriam-se na vida
moderna e integrando-se na sociedade de classes.
Assim, a dialética entre as mulheres economicamente ativas e as donas de
casa que se constituía o ponto alto da obra de Safiotti. E acrescenta a autora,
no tempos de crise, as mulheres pobres eram as mais atingidas. Ao trabalho
doméstico a autora o chama de “ alienado”.[6]
Destaca-se, além disso, a “mística feminina”, o universo cultural da
modernidade, a “constituição da ideologia do êxito pessoal”[7], os traços psicológicos e
o mito da passividade feminina. É sobretudo sobre a atividade feminina e a
crítica à sua posição submissa, a luta pelo poder e o combate à
discriminação e ao que caracterizam a
perspectiva das intelectuais modernas.
A ampliação dos financiamentos de pesquisas marcaram a vida acadêmica na
segunda metade da década de 1970, com o estabelecimento dos programas de
pós-graduação pelo país.
No contexto de crise internacional e dos movimentos sociais e culturais em
defesa da liberdade de expressão, da sexualidade e da democracia, em uma
coletânea de ensaios organizados por Ann
Pescatello no início do decênio, encontram-se preocupações em constituir uma
linha de pesquisa na História das Mulheres na América Latina. Pesquisadores, em
sua maioria norte-americanos, olhavam para as realidades femininas no contexto
das Ditaduras no Brasil, Chile e Argentina, comparando com os movimentos pela
igualdade de direitos nos Estados Unidos. Era nas universidades do centro
econômico e político que o interesse pela História das Mulheres na América
Latina parece ter ganhado inicialmente visibilidade.
Dentre os temas discutidos estavam: os conflitos entre as imagens e as
realidades feminas na América Latina; os conflitos entre os interesses das
mulheres das classes baixas e médias no processo de modernização; e a presença
das continuidades e rupturas nos padrões de comportamento femininos em relação
aos masculinos.[8]
Essa obra abarcava disciplinas além da História, como Literatura,
Sociologia, Política e Demografia. E, o tema dos padrões sociais, econômicos e
demográficos das mulheres latino-americanas tinham que considerados com as
diferenças de classe, étnicas e de origem (geográficas e históricas).
Naquele momento, obervavam como dificuldades encontradas as raras pesquisas
localizadas, as várias distinções de espaço, hierarquicas e de interesses entre
as populações latino-americanas e a impossibilidade de estabelcer
generalizações dada a sua diversidade.[9]
Os esteriótipos e o ideal de
comportamento feminino começavam a ser criticados por Susan A. Soeiro. A autora
tratava da vida monástica feminina, as freiras da Santa Clara do Desterro,
localizado na cidade de Salvador. Essas mulheres de véus pretos eram membros
das famílias de notáveis, geralmente, conviviam com outras parentes como irmãs,
primas, tias e mesmo mães. Desse modo, longe de viverem isoladas do mundo,
mantinham-se contato com familiares, emprestavam dinheiro e estabeleciam negócios.[10]
No Brasil, 1975 era o Ano Internacional
da Mulher, no mesmo momento, Charles R. Boxer publicava Mary and Misogyny. O autor apontava para a atuação feminina nas
diferentes regiões coloniais ibéricas do Oriente ao Ocidente e destacava as
diferentes estratificações sociais, das quais as mulheres faziam parte,
realizando uma obra seminal na área e
pontuando a necessidade de pesquisa na área. Um dos pontos ressaltados
pelo autor era a “posição das viúvas ricas”.[11]
Rusell-Woold,
no mesmo período, no artigo, Women and society in colonial Brazil
realizava uma síntese da participação feminina na História do Brasil Colonial.
Publicado em 1977, esse artigo merece uma tradução com notas em português, pois
é mais que um trabalho historiográfico, é um documento importante da História
da História das mulheres, assim como seu predecessor. É importante frisar do
contato que ambos tiveram. [12]
Não
apenas mulheres fizeram história de mulheres, mas na historiografia brasileira
os homens também participaram desse debate. No caso, Boxer e Roosell-Wood,
ambos americanistas e brasilianistas que acabaram por iniciar a temática das
mulheres. Por isso, suas obras mais do que pesquisas extensas em arquivos e
citações documentais, tratavam de sínteses bibliográficas, apesar de conterem
sempre algumas fontes primárias para auxiliar na reconstituição histórica.
No
âmbito nacional, as pesquisas acadêmica sobre as mulheres começavam no período
mais rígido da ditadura brasileira, o governo Médici. E muito do debate
feminista e historiográficos aconteceram no exílio.[13]
Mas é na década seguinte que esses estudos se ampliam e desembocam em trabalhos
de pesquisas mais pontuais.
Em
suma, dentre 1969 e 1975, a História das Mulheres constituía-se como um assunto relevante. E a partir destes primeiros estudos, as pesquisas documentais, os
debates historiográficos e as perspectivas foram ampliados e a área foi
fundada. A partir disso, fica-se a hipótese que esses olhares modificaram o
modo do fazer histórico, pelo menos em
parte, das historiadoras e dos historiadores das últimas década do século XX.
[1]
Heteieth Iara Bongiovani
Saffioti. A mulher na sociedade de classes. Mito e realidade. São Paulo:
Livraria Quatro Artes, 1969.
[2]
Idem, p. 39.
[3]
Idem, p. 41.
[4]
Idem, pp. 170-171.
[5]
Idem, 324.
[6]
Idem, p. 383.
[7]
Idem, p. 332.
[8]
Ann Pescastello (editor). Female and male in Latin América.
University of Pettsburg Press, 1973, p. xi.
[9] Idem, pp. xii-xx.
[10] Susan A. Soeiro. The social and economic
role of the convent: women and nuns in Colonial Bahia, 1677-1800. In: The Hispanic American Historical Review.
The Duke University Press, May, vol. 54, no. 2, 1974, pp. 209-232.
[11] C.R. Boxer. A Mulher na
expansão ultramarina ibérica. Lisboa: Livros horizontes, LTDA, 1975, pp.
68-69.
[12] A. J. R. Russel- Woold. “Women and society in
Colonial Brazil”. In: Journal of Latin American Studies, vol 9, no
1, 1977, pp. 1-34.
[13]
Céli Regina Jardim Pinto. Uma
história do feminismo no Brasil. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2003, p.
11.
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