Adalzira Bittencourt, em A
mulher paulista na História, construiu de forma épica o mito da mulher
bandeirante, heroína de raça branca. Sua obra, produzida na década de 1950, nas
comemorações do “Quarto Centenário” da História de São Paulo, apontava para uma
outra temática e inseria a História das Mulheres no mundo colonial. Iniciava o
seu estudo com a narrativa do encontro entre as índias idealizadas e os colonos
civilizados. “Os rapazes ficavam encantados com a notícia das moças morenas, de
corpos cor de cobre, talhados em curvas sedutoras, as quais andavam
inteiramente nuas e belas...”, escrevia logo nas primeiras linhas.[1]
O amor e a formação familiar
entre a índia Batira e João Ramalho era entendido sob uma ótica idealizada. A
partir desse novo núcleo, a sociedade paulista encontrava as suas origens, que
eram desmembradas com a formação da “mulher civilizada branca”.[2] E, dentre as mulheres senhoriais,
destaca-se a figura de Izabel Dias que, conforme a autora,
“deve descerrar as cortinas do
pórtico da História da Mulher Paulista, pois que o sangue vem passando de
geração em geração nas veias de gente de nossa terra, formando os bandeirantes
que alargaram as fronteiras da Pátria,
sangue que ainda hoje circula nas veias dos estadistas, dos agricultores, dos
industriais, dos poetas, dos operários, e da juventude gloriosa de São Paulo”[3]
No discurso de Aldazira, a mulher
bandeirante paulista ganhava ares de senhora matrona e atingia o pedestal,
juntamente com os homens bandeirantes, ou a “Raça de Gigantes”, na “Era das
Bandeiras”. Nessa sociedade, a condição
feminina era auxiliar o homem no avanço civilizatório. E, dessa maneira, a
historiadora amadora constituía o mito da boa mãe e a imagem da passividade e
do caráter cordato feminino.
“As mulheres são matronas respeitáveis que comungam
com os maridos no anseio de dilatar as fronteiras do Brasil.
Dir-se-ia que o entusiasmo era gerado na alma das
mulheres, como no laboratório do sagrado de seus ventres é que se formava a
raça de heróis e sertanistas ousados. Como poderá a História da bandeirologia
esquecer o nome das mães dos titãs?
Quantos nomes interessantes poderíamos ter guardado,
não fosse o hábito de menosprezar as cousas e atos femininos, encobrindo com o
descaso os nomes de que eram portadores?
A violeta se esconde sob a folhagem, mas o perfume
denuncia o encanto.
As bandeirantes ficaram esquecidas na voz da história,
mas os feitos de outra denunciam e põem à mostra o valor daquelas que foram
sufocadas no esquecimento absoluto”.[4]
Originária
de São Paulo, a mulher bandeirante, formadora da raça paulista, era o modelo
ideal feminino para a Pátria, pois fazia parte da sua natureza a inteligência,
a bravura e o patriotismo.[5]
Tal
imagem feminina se complementava com os estudos das matronas como Ana Pimentel,
senhora fidalga e rica, que realizava o sacrifício de trabalhar nas terras de
São Vicente para a glorificação da Nova Pátria. Aldazira ainda afirmava que
“em
chegando ao Brasil, no desconforto da habitação, Ana Pimentel, que vivia no
solar dos Duques de Bragança, tem agora por morada uma ligeira habitação de
palha. Que importa? A moça palaciana vai se transformando. Trabalha, levanta
cedo para ver as suas plantas, atende o gentio; quer cuidar dos homens do mar,
dos flâmulos. Manda construir a casa onde viveu, em São Vicente , o pequeno
burgo fundado a primeira vez por Cosme Fernandes, e aí vê crescer a cidadezinha
com a ajuda dos jesuítas e dos colonos que ali viviam ou os que com ela vieram
da Metrópole. Tudo fez para somar as dificuldades encontradas”[6]
Catarina
de Lemos, outra mulher bandeirante valorizada, era a “mãe branca e civilizada
de gente nobre da terra de Bento Gonçalves, e lá foi para o sul a alma
bandeirante, nas saias e num coração de mulher”.[7] Entretanto, outras imagens menos cristalizadas
são formadas, como no caso da cigana Francisca Rodrigues, dona de um comércio
na vila de São Paulo. Também se destacava Dona Catarina de Siqueira, que era
uma das poucas letradas e cultas, proprietária de uma biblioteca
importantíssima para o universo paulista.
O
texto de Bittencourt destaca-se pelas representações de seu próprio gênero
e pela repercussão de que as mulheres no período colonial “cuidavam da família
e dos negócios e também das lavouras nascentes”.[8]
Enquanto
as abordagens de Alcântara Machado, em Vida e Morte Bandeirante, e Gilberto
Freyre, em Casa-Grande e Senzala, escritos anteriormente, colocaram a atuação
feminina no interior da família, sob o domínio e a ótica do senhor patriarcal,
Aldazira Bitencourt inseriu o papel do feminino subordinado ao poder do Estado.
A autora, portanto, submeteu a relação do gênero feminino ao poder da
“Pátria”, quando afirmava que as mulheres bandeirantes “alargavam as fronteiras
do Brasil”. Como historiadora e amadora, Aldazira Bittencourt chamava a
atenção, na década de 1950, de uma maneira literária e descritiva, no
“Amanhecer de São Paulo”, capítulo de sua obra sobre as mulheres paulistas
bandeirantes, para a relevância do tema das mulheres na História de São Paulo.
Igor de Lima
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