sexta-feira, 13 de abril de 2012

Resenha: Wanda Maleronka. Fazer roupa virou moda. Um figurino de ocupação da mulher (São Paulo, 1920-1950). São Paulo: Senac, 2008, 232p. IGOR DE LIMA


 
Wanda Maleronka publica a sua tese de doutorado mais de dez anos depois de concluída. Nela, analisa a documentação da Escola Profissional Feminina no Brás, o Boletim do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, iniciado em 1934. Também aborda de maneira crítica os livros do período, como o Livro de Costura Singer, a revista Cine-Modearte, iniciada em 1929, artigos de jornais como a “Economia da Moda” de Cecília Meireles na Revista O Observador Econômico e Financeiro de setembro de 1939, e realiza interpretações bem interessantes de entrevistas com várias antigas costureiras e modistas.
Com esse vasto acervo documental e com análise das fontes primárias, retrata o cotidiano das trajetórias de vida de costureiras e modistas na São Paulo na primeira metade do Século XX. Além disso, percebe que a vida desses grupos femininos estava relacionada ao universo do trabalho, o qual naquele momento estava em plena expansão e transformação, com novas demandas de luxo e ofertas de empregos.
Dessa maneira, segundo a autora, existiam basicamente três tipos de trabalho. O primeiro era independente, caracterizado pelo trabalho doméstico e pelas atividades exercidas entre as mulheres das mesmas famílias, sendo muito comum o auxílio das filhas. Nessa espécie de atividade, filhas e netas coziam, embainhavam, bem como realizavam tarefas de limpezas e compras para a casa. A segunda forma de trabalho contava com o assalariamento das modistas e costureiras, as quais faziam roupas pré-fabricadas ou exerciam atividades em Mesons. Por fim, o terceiro tipo era a atividade sazonal, a qual impunha às mulheres a dependência dos empregadores, assim como a dificuldade de fixarem-se nos empregos e receber salários para lhes provessem o sustento.
Pra conseguirem realizar um bom ofício na indústria indumentária, as costureiras necessitavam de um longo conhecimento técnico, havendo um processo acirrado de competição entre as mais diferentes classes de trabalhadoras, as quais se dedicavam aos figurinos e às inovações técnicas sobre novas cores, modelos, tecidos e aviamentos para a fabricação das indumentárias.
A partir da década de 1940, houve um significativo florescimento da industria e do comércio de roupas na cidade de São Paulo, como a Fábrica de Roupas Magazine de Patriarca, a qual fornecia para o Magazine de Modas. No entanto, a expansão da industrialização e comercial de roupas contava majoritariamente com a participação de pequenas empresas, geralmente, familiar.
Em decorrência dessas transformações, nas camadas populares, as mulheres, geralmente, realizavam a aprendizagem escolar e trabalhavam ao mesmo tempo, em algum ofício. Sobre as dificuldades do cotidiano dessa mão-de-obra, Wanda relata a visão de Antonia Ramos. Essa professora de Corte e Confecção do Instituto Profissional Feminino contava que aos três anos começava a aprender algumas ‘coisinhas’ com a mãe exigente. Outro depoimento importante, foi o de Angelina Perrota, a qual descreve o aprendizado da costura na infância:
“No meu tempo aprendi com minha mãe a bordar e costurar. Minha mãe costurava à máquina e eu ficava sentada no chão a seu lado. Foi assim que a minha mãe ensinou-me a fazer a bainha na mão. Bem pequena eu já era rápida e muito caprichosa. Minha mãe costurava roupas brancas para uma fábrica de turcos, e sempre havia um montão de peças, como ceroulas e pijamas, para fazer. Muitas vezes, enquanto minha mãe trabalhava, eu ficava arrumando os apetrechos de costura: os carretéis, os botões, a cartelinha de agulhas, as sobras de elásticos, colchetes, retalhos de tecido, que ficavam sempre misturados. Naquele tempo, era tanto o trabalho que tudo passava rápido e nem sempre misturados. Naquele tempo, era tanto trabalho que tudo passava rápido e nem sobrava tempo para pensar em aprender outro ofício.” (p.64)
Desse modo, nas escolas de trabalho e nas oficinas, as meninas limpavam, coletavam cortes e fiapos espalhados, costuravam fitas, pregavam etiquetas, colocavam forros nos acabamentos dos chapéus e entregavam encomendas, podendo ter até mesmo 11 horas de serviço diário.
Maleronka observa, no quadro de trabalhos paulistanos, os salários das mulheres do setor têxtil eram de 604,00 cruzeiros, enquanto que o dos homens era de 889,00. No campo do vestuário e toucador, elas recebiam 672,00 e eles 977,00. A diferença ficava ainda maior na esfera da produção dos artefatos de luxo, sendo 831,20 para 440,10.
Além desses dados, demonstra o difícil cotidiano das modistas, costureiras e bordadeiras, pois essas mulheres eram obrigadas a exercer um bom trabalho, atendendo bem seus clientes e nem sempre eram reconhecidas por isso. Também retrata o dia-a-dia e o conhecimento feminino nas ruas do centro da cidade, conhecendo lojistas, comprando e escolhendo tecidos e fabricando com capacidade técnica as indumentárias desejadas pelos novos consumidores da cidade de São Paulo. Esses últimos exigiam uma mão-de-obra qualificada, a qual conhecesse os meandros da etiqueta impostos pela elite paulistana, bem como os padrões de bom gosto. Nesse sentido os  novos gostos de consumo e as novas regras de etiqueta da elite foram difundidos na vida urbana, principalmente, nas novas lojas de artigos de luxo, como o Mappim Stores.
Nessas lojas e indústrias era muito comum o trabalho feminino infantil, havendo meninas de 11 e 12 anos, as quais eram responsáveis pelos serviços menores e recebiam um pequeno salário. Com o tempo, essas meninas aprendiam o ofício e conseguiam com sorte acumular algum pecúlio para comprar o enxoval e casarem-se.
Todavia, as costureiras, modistas e bordadeiras tinham um trabalho cotidiano imenso com agulhas, máquinas de costurar, comprando tecidos, fazendo moldes, recortando, alinhavando, bordando, atendendo a clientes exigentes e mantendo-se em dia com as metamorfoses da moda.
Em suma, Wanda Maleronka traça com maestria o cotidiano feminino no ramo da costura, moldando as diferenças e as transformações dos seus ofícios, relacionando isso com a moda na cidade de São Paulo, bem como destacando os avanços econômicos e os problemas sociais relacionados a isso.
Assim, a autora segue passos da historiografia sobre a História das Mulheres e do mundo criativo da Moda. Além disso, fornece possibilidades de estudos para outras regiões e para outros períodos e instiga os pesquisadores a reconstituir, compreender, explicar e problematizar a História da Moda.

Nenhum comentário:

Postar um comentário